Se, pela frente terá de enfrentar um palco salpicado de espinhos, por detrás, será acossado por uma multidão de cobradores que, arrevesando-se todos os dias por múltiplas arenas, depois de conferirem a folha de promessas apresentadas em 2017, prepara-se agora para lhe exigir o pagamento da factura.

Anestesiado pelo mesmo erro de paralaxe cometido em 2012 por José Eduardo dos Santos com a promessa da construção de um milhão de casas, o Presidente acabou por se colocar também à mercê de cobranças eleitorais incontornáveis depois de ter prometido criar 500 mil postos de trabalho e transformar Benguela numa Califórnia subsaariana...

Sonhar não é proibido, mas há sonhos que, estimulados por promessas fantasiosas, não se sonambulizam em voz alta sob pena de se transformarem em verdadeiros pesadelos perante o acossamento de grupos de pressão que, não deixando a sua memória ser manipulada, ao contrário dos políticos, recusam registar as promessas governamentais a lápis...

Sonhar em voz alta destapa por isso ingenuidades imperdoáveis que, na alta política, quando resvalam para riscos eleitoralistas, pagam-se caras e colocam a cabeça dos seus promotores na boca esfomeada dos lobos...

As obras que não se fizeram e as promessas que não se cumpriram, desiludem os cidadãos, mas não estando tudo perdido, talvez ainda haja tempo para corrigir o tiro à mão...

E corrigir o tiro à mão significa, desde logo, colocar em relevo os interesses da cidadania sobre os interesses partidários ou de grupos económicos, como única forma de conferir confiança a uma nova narrativa política que, num derradeiro sprint, seja capaz de reverter o actual estado de desânimo da população.

Significa reconhecer que, estando por aqui, há muitos anos, a inércia associada à incompetência, a eficácia social dificilmente fará reverter esta situação se, em vez de apostarmos em consensos com recurso a génios de diálogo e a mestres de compromissos, continuarmos a ceder terreno à falta de coesão governativa.

Significa reconhecer que, ultrapassada há muito a fase da euforia, como confessa agora um alto dirigente do MPLA, já não podendo "os subsídios aos combustíveis" salvar viaturas que não aguentam longas caminhadas, os estragos provocados por práticas de auto-mutilação política, estão-se a revelar piores do que o custo de manutenção de carros de alta cilindrada...

Significa reconhecer que, contaminada pelo vírus da governação anterior, a bola de neve em redor da corrupção, sob novas formas e com novos actores em cena, prossegue a marcha a galope, mas, em contrapartida, os cidadãos começam a demonstrar não ter medo de retaliar as injustiças de que estão a ser vítimas, incubando um potencial de conflitualidade social de contornos perigosos.

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