É um exercício difícil escrever sobre um amigo, compadre, camarada e chefe, poucas horas depois de ter sido surpreendido pela notícia da sua morte. Faço-o porque acho que é um dever fazer-lhe um merecido elogio antes de o seu corpo descer à terra. Faço-o também como recordação de difíceis momentos, de horas desesperantes, de dias de trabalho intermináveis, de semanas sem descanso, de meses que pareciam não ter fim e de anos problemáticos.

Mas também porque me recordo de bons momentos, de termos alcançado resultados positivos quando tudo levava a pensar o contrário, porque o optimismo nunca foi deixado para trás.

Mas, principalmente, lembrando o princípio que lhe era intrínseco e do qual nunca abdicou e que dizia: - "É possível? Então vamos atingi-lo!".

Vou então escrever sobre o meu amigo, compadre, camarada e chefe, ontem [3 de Maio] falecido, o General Ita, de seu nome próprio - Mário Plácido Cirilo de Sá.

Conhecemo-nos nos idos de 1978, no Kuando Kubango, durante a operação "Comandante Dangereux", iniciada há algum tempo atrás nas áreas do Huambo e Bié.

Logo de seguida deslocámo-nos para o Caiundo, para o Posto de Comando Avançado - PCA da operação "Cristal". Participávamos então ao mais alto nível no comando e na direcção de operações anti-subversivas. Aí começámos a aprender os princípios, as formas e a maneira de actuar a esse nível.

Por muita razão que tivéssemos, a decisão não era nossa. O amuo não era a forma correcta de mostrar o desagrado quando a nossa opinião não era seguida. Para o Ita, bem mais novo do que eu, isso era mais difícil de aceitar. Mas rapidamente lá chegou.

Operações seguintes e em circunstâncias completamente diferentes foram cimentando a nossa ligação, a nossa forma de actuação e de pensar e a nossa visão do problema.

As circunstâncias e o nosso percurso de vida afastaram-nos, às vezes, mas muito mais nos juntou. As relações profissionais estreitaram-se, a amizade aprofundou-se e assim foi fácil aceitar que uma relação de iguais se alterasse para uma de chefe e subordinado.

Isto aconteceu quando fui trabalhar para a Direcção de Reconhecimento e Informação do EMG das FAPLA, terminada a minha ligação à Direcção de Operações. O camarada Ita virou Chefe Ita, mas nunca deixou de ser o camarada de sempre. Isto manteve-se quando voltámos a encontrar-nos nos Serviços de Inteligência Militar das Forças Armadas Angolanas - FAA.

Os seus princípios de vida, a sua forma de chefiar, o seu respeito pela opinião dos outros, mesmo dos seus subordinados, mantiveram-se inalterados. Assim se manteve a nossa camaradagem e a nossa amizade.

A vida activa militar para o Ita terminou três anos antes da minha, mas nada se alterou.

Logo de seguida, outros, e nós, iniciámos o Centro de Estudos Estratégicos de Angola - CEEA, e o Ita foi eleito como Presidente do seu Conselho Executivo. Três anos depois fui eleito como seu Vice-Presidente e assim voltámos à antiga relação de trabalho.

Aparentemente nada de semelhante com as estruturas em que tínhamos trabalhado, mas na realidade tudo muito parecido. Só o percebi vários anos mais tarde quando o CEEA, como líder do Consórcio Técnico Eleitoral, ganhou o concurso para realizar o registo eleitoral, a nível nacional, para as eleições de 2008.

O General Ita, como grande chefe nesse consórcio, mostrou que as suas qualidades de chefia não tinham mudado - "É possível? Vamos consegui-lo!".

A operação foi montada com os princípios que utilizáramos, anos antes, nas operações militares. Definiam-se os meios que possuíamos, os objectivos, a forma de os atingir, os prazos a cumprir e como tudo controlar. Criou-se a estrutura necessária. Talvez fosse uma estrutura civil, mas não conseguia esconder a sua estrutura militar.

Ita, ainda que sempre vestido à civil, não conseguia disfarçar o seu verdadeiro papel neste grande empreendimento. Continuava a ser o General Ita de sempre.

Assim conseguimos, nos prazos acordados, registar mais de oito milhões de eleitores em todo o País. É obra.

Este o General Ita que há três dias nos abandonou. Este o camarada e amigo que há trinta e oito anos nos acompanhou. Este o compadre que há dezoito anos apadrinhou a minha filha. Este o Chefe que desde fins dos anos oitenta do século passado e, com pequenos intervalos, nos acompanhou até há três dias atrás.

Ita - meu camarada, amigo, compadre e chefe nunca te vou esquecer. Estamos juntos para sempre .

Correia de Barros, Brigadeiro

Um homem de pensamento lúcido e sentido prático

Existem pessoas que marcam a nossa vida e que são, em certas circunstâncias, boas referências como militares, cidadãos e como pessoa.

O General Mário Cirilo de Sá Ita, que tive o privilégio de conhecer em Luanda em meados de 2011 na qualidade de Presidente do Conselho Executivo do Centro de Estudos Estratégicos de Angola (CEEA), é uma dessas pessoas.

Recordo a sua personalidade, a sua vivência operacional e o enorme contributo para o futuro de Angola, aspectos que me ficaram das leituras e dos inúmeros relatos que tive oportunidade de recolher quando estudava a História Militar recente de Angola.

Recordo a sua ajuda, o seu pensamento lúcido e o seu sentido prático e crítico de bom nacionalista, de homem íntegro e de um amigo a quem devo parte do meu trabalho nos últimos anos sobre as Forças Armadas de Angola.

Neste momento triste e pesaroso, desejo saudar em sua memória, todos os militares das Forças Armadas de Angola, e todos quantos, como ele, deram muito da sua vida por Angola.

O General Mário Cirilo de Sá Ita faz parte desse honroso passado, que no presente e pensando no futuro fará também Ele legitimamente parte da História de Angola. Paz à sua alma....

Luís Manuel Bernardino, tenente-coronel