Um dia antes da decisão judicial, a Amnistia Internacional condenou a proibição do burkini em França, por considerar que ela "é discriminatória e um ataque à liberdade de expressão e religiosa das mulheres".

O timing não é inocente, nem desajustado. A Amnistia Internacional pretende inverter o rumo que a França está a tomar numa matéria que deve ser do foro pessoal de cada um e não deve ser imposta por decreto.

A polémica estalou em França no mês de Julho, depois de uma associação de mulheres muçulmanas, que trabalha nos bairros pobres de Marselha, organizar um «dia do burkini» num parque aquático do sul do país.

O presidente da Câmara de Pennes-Mirabeau, onde se localiza o parque, apressou-se a proibir o evento, através de uma ordem municipal, por considerar que ele era "susceptível de perturbar a ordem pública", desencadeando uma onda proibicionista que depressa inundou o país.

Vários municípios franceses emitiram decretos locais que regulam o que se pode vestir na praia e proíbe o burkini, com a anuência do primeiro-ministro francês, Manuel Valls, que veio a terreiro dizer que apoia a decisão dos autarcas.

A polémica aumentou de tom, quando uma mulher muçulmana, que usava um lenço na praia foi obrigada pela polícia a retirá-lo. A Liga dos Direitos Humanos e o Colectivo Contra a Islamofobia em França recorreram ao Conselho de Estado, pedindo a suspensão dos 30 decretos municipais já aprovados e em vigor.

"Alguns daqueles decretos municipais apresentam argumentos de segurança, de higiene e de ordem pública, que são manifestamente enganadores. Outros ainda justificam-se com o propósito de defender os direitos das mulheres. Porém, a retórica em torno da aprovação daqueles decretos tem vindo a estar centrada, e de forma universal, no estereotipar de uma minoria já profundamente estigmatizada", refere, em comunicado, a Amnistia Internacional.

A organização manifesta-se claramente contra a deriva proibicionista, já condenada pelas ministras da Educação e da Saúde francesas. Najat Vallaud-Belkacem e Marisol Touraine, respectivamente, posicionaram-se contra a proibição e alertaram para os seus efeitos. "A proliferação [destes decretos municipais] não é bem vinda", afirmou Belkacem. Touraine, por sua vez, manifestou o receio de que a onda proibicionista venha promover uma "estigmatização perigosa para a coesão do país".

Perante as divisões no seu próprio governo, o Presidente francês, François Hollande, apelou esta quinta-feira para que não se ceda "nem à provocação nem à estigmatização", sem se pronunciar se é a favor ou não dos despachos anti-burkini, uma peça de roupa criada, em 2004, por uma estilista australiana, de origem libanesa, para "dar mais liberdade às mulheres, não para a tirar".

Por isso, Aheda Zanetti não compreende a polémica. Lamenta que os franceses não tenham compreendido o significado de uma "roupa que é tão positiva e que simboliza lazer, felicidade, diversão, saúde e desporto". E teme que, com decisões destas, a França esteja a mandar as mulheres saírem da praia e voltarem para as cozinhas".

Fazendo parte de um projecto comunitário, que se intensificou com a criação da União Europeia, a decisão da justiça francesa só pode ter um sentido. A não ser que a França rasgue a Carta dos Direitos Fundamentais da UE ou faça letra morta dos artigos 10.º, 21.º e 22.º, que consagram a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, a não discriminação e que garante a diversidade cultural, religiosa e linguística no espaço comunitário.

"O caso que foi agora submetido oferece uma oportunidade à justiça francesa para anular uma proibição que é discriminatória e que está a alimentar e é alimentada por preconceitos e intolerância", salienta, em comunicado, o director da Amnistia Internacional para a Europa, John Dalhuisen, apelando para que estas "proibições abusivas" sejam "imediatamente anuladas e de forma incondicional".

Caso contrário, abrem um caminho perigoso e onde não se consegue ver o fim.

Como refere Aheda, os políticos franceses devem lembrar-se que, com gestos destes, não estão a ser melhores do que os talibãs.