Para além de uma condenação clara, a ONU faz ainda questão de exigir, numa comunicação produzida a partir do plenário do Conselho dos Direitos do Homem (CDH), em Genebra, na Suíça, um inquérito independente ao que aconteceu há cerca de duas semanas, quando, em confrontos entre manifestantes e polícia, morreram dezenas de pessoas, perto de 30, segundo o Governo, quase cem, de acordo com a oposição.

"O Conselho e o Alto-Comissário para o Direitos do Homem exprimem a sua grande preocupação quanto à situação dos Direitos do Homem na RDC, nomeadamente nesta sucessão de eventos violentos onde ocorreu um claro uso excessivo de força", aponta o Conselho.

Neste comunicado, o CDH refere que morreram 54 pessoas, quatro das quais agentes da polícia, e mais de 120 ficaram feridas com armas de fogo e brancas.

E faz questão ainda de dizer que os responsáveis pelo recurso à força excessiva devem ser punidos, referindo, todavia, que não devem ser fechadas as portas ao diálogo e que as vias para que este aconteça não devem ser mantidas abertas com a colaboração de todas as partes.

Para isso, o CDH pede às autoridades de Kinshasa que garantam o respeito pela liberdade de expressão e liberdades, começando por, neste contexto eleitoral, libertar todos os presos políticos.

Estes confrontos a que o CDH se refere, tiveram lugar nos dias 19 e 20 de Setembro, quando a oposição convocou uma manifestação para exigir a realização de eleições presidenciais até 20 de Novembro, que é quanto termina o terceiro mandato de Joseph Kabila, estando, por lei, impedido de nova candidatura.

Mas, para já, Kabila, se não acontecer o que muitos temem, que é uma explosão sem precedentes de violência, conseguiu prolongar o mandato por mais quase dois anos, recorrendo, como acusa a oposição, ao expediente do atraso artificial do registo eleitoral.

Esta acusação tem como referência Janeiro de 2015, quando semelhantes confrontos ocorreram depois de a oposição convocar um protesto contra a ideia lançada por Kabila para alterar a Constituição, abrindo as portas a um quarto mandato, mas prontamente fechadas devido à violência, que deixou dezenas de mortos nas ruas de Kinshasa.

A comunidade internacional em peso tem mostrado as suas inquietações com o advir breve da RDC, desde a ONU, passando pela União Africana, pela União Europeia e quase todos os países liderantes, como os EUA, já se pronunciaram a favor da realização imediata das eleições presidenciais, tendo a França acusado Kabila de ser responsável pela actual situação.

Na vizinhança, as preocupações são manifestadas de forma menos intempestiva, como é o caso de Angola, cujas ligações ao Presidente Kabila são conhecidas, tendo, enquanto país que preside à organização de países da região dos Grande Lagos (CIRGL), agendado uma Cimeira para os próximos dias.

O Mundo espera papel decisivo de Angola

Enquanto país que preside à CIRGL e por causa da conhecida influência sobre o Governo de Joseph Kabila , Angola é um dos países de quem mais se esperam contributos decisivos para estabilizar a RDC, país que vive um dos momentos mais conturbados da última década por causa do adiamento das eleições presidenciais que deviam ocorrer até 20 de Novembro próximo.

Esta Cimeira dos países integrados na geografia dos Grandes Lagos, em Luanda, surge depois de múltiplos confrontos, de Kinshasa, capital da RDC, aos Kivu Norte e Sul, passando pelo Kasai Ocidental, que deixaram um rasto de centenas de mortos e feridos.

Subjacente a este cenário de grande instabilidade e tensão político-militar na RDC, o encontro da CIRGL em Luanda, anunciado pelo Jornal de Angola como tendo a situação do país vizinho como ponto principal da agenda de trabalhos, surge sob um manto de expectativa, segundo se pode compreender a partir de reflexões de analistas em Kinshasa, porque a solução que mais rapidamente devolveria a paz seria proceder rapidamente à sucessão de Kabila.

Nos termos da Constituição da RDC, Joseph Kabila não pode candidatar-se a um quarto mandato, mas o adiamento das eleições por quase dois anos é um sinal de que o Chefe de Estado pretende prolongar artificialmente o mandato.

Esta ideia é reforçada pela memória fresca de Janeiro de 2015, quando a Maioria Presidencial atirou o barro à parede a experimentar a possibilidade de ser aceite uma alteração à Constituição que abrisse a porta a novo mandato de Kabila, obtendo como resposta uma série de confrontos nas ruas, com dezenas de mortos em consequência.

Citado pela JÁ, Ismael Martins, embaixador de Angola nas Nações Unidas, em Nova Iorque, Luanda tem como uma das prioridades a agenda de segurança e diálogo na RDC, sendo a situação que mais preocupa a diplomacia angolana.

Já a pensar no legado angolano pós passagem como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU, o diplomata angolano afirmou à imprensa angolana em Nova Iorque que o objectivo é deixar o continente africano mais solidamente pacificado.

Estas declarações, juntamente com o anúncio desta Cimeira da CIRGL em Luanda e, depois das declarações do ministro das Relações Exteriores, Georges Chikoti, há escassos dias, onde este reafirmou os apelos ao Governo de Kabila e à oposição para manterem o diálogo e conseguirem um acordo, são um sinal claro da preocupação de José Eduardo dos Santos, que nominalmente preside à organização sub-regional, sobre a situação no país vizinho.

Mas Chikoti sublinhou igualmente que o processo de registo eleitoral é algo que Angola apoia enquanto "progresso importante" para uma solução em estabilidade da situação na RDC. Estas considerações chocam quase frontalmente com o posicionamento da maioria da oposição congolesa-democrática, que aponta precisamente o registo eleitoral como o expediente utilizado por Kabila para se prolongar no poder, tendo sido a génese dos últimos confrontos nas ruas de Kinshasa entre polícia e manifestantes.

Para já, a reunião da CIRGL em Luanda é claramente uma nova oportunidade para o estabelecimento de um novo "mapa" que permita conduzir os protagonistas da política na RDC à transição de poder, com a saída inevitável de Kabila, em modo pacífico.

Isto, porque, como já toda a comunidade internacional veio a terreiro afirmar, desde a ONU à União Africana e à União Europeia, existe um claro risco de evolução caótica da situação na RDC, em sintonia com Kabila, que defendeu publicamente que a instabilidade em Kinshasa tem potencial para contaminar todo o continente, devido à dimensão do país e as turbulentas fronteiras que tem no coração de África.