Com a atribuição do Nobel a Bob Dylan, a Academia Sueca conseguiu o feito extraordinário de deitar abaixo o preconceito inserido no seio de algumas elites literárias de que um fazedor de canções não é bem um poeta. A partir de hoje, vão meter a viola no saco...

Na formulação da justificação para esta, apesar de tudo, surpresa, Sara Danius, porta-voz da Academia Sueca, lembrou que se premiou "um grande poeta", inserindo a sua criação na na "grande tradição poética inglesa", mesmo que se esteja a falar de um dos mais emblemáticos cantores e compositores do "folk" norte-americano.

Mas Danius foi mais longe e assumiu que Dylan, de 75 anos, "encarna" uma tradição que emerge da poética inglesa inserida na tradição da música norte-americana e que já traduz essa simbiose há 54 anos.

Mas factos são factos e Bob Dylan chegou ao topo das personalidades da cultura mundial através da sua música, o que levou Sara Danius, a isso invectivada pelos jornalistas, logo após ter dado a conhecer ao mundo o Nobel da Literatura deste ano, a avançar com um exemplo em que a canção e a poética "dylaniana" se fundam e fundem. "Blonde on Blonde", de 1966 foi o exemplo apontado e que pode ouvir aqui.

Quem é Bob Dylan?

Muitas das obras de Dylan, recorda a Lusa, centram-se nas condições sociais, humanas, religião, política e amor e as suas letras têm sido continuamente publicadas em novas edições, sob o título 'Lyrics'.

O Nobel é a última das distinções atribuídas ao cantor que percorreu um longo caminho desde um início humilde como Robert Allen Zimmerman, nascido a 24 de Maio de 1941, em Duluth, no Minnesota, que aprendeu sozinho a tocar harmónica, guitarra e piano.

Bob Dylan cresceu numa família judaica de classe média na cidade de Hibbing. Na adolescência tocou em várias bandas e com o tempo o seu interesse na música aumentou, especialmente pelo 'folk' e 'blues' norte-americano.

Um dos ídolos de Dylan era o cantor de música 'folk' Woody Guthrie, e também foi muito influenciado pelos autores da chamada 'Geração Beat', bem como pelos poetas modernistas.

Em 1961, Dylan mudou-se para Nova Iorque e começou a cantar em clubes e cafés em Greenwich Village. Depois de um encontro com o produtor John Hammond, assinou um contrato para o álbum de estreia, chamado 'Bob Dylan' (1962).

Nos anos seguintes, gravou vários álbuns que tiveram grande impacto na música popular: 'Bringing It All Back Home' anda 'Highway 61 Revisited', em 1965, 'Blonde On Blonde', em 1966 e 'Blood On The Tracks', em 1975.

Dylan continuou a produzir nas décadas seguintes alguns dos que são considerados os seus melhores trabalhos: 'Oh Mercy' (1989), 'Time Out of Mind' (1997) e 'Modern Times' (2006).

As digressões do músico em 1965 e 1966 atraíram enorme atenção e durante um largo período foi acompanhado pelo realizador D.A. Pennebaker, que documentou a ação em torno do palco naquele que viria a ser o filme 'Don't Look Back' (1967).

Além da produção de álbuns, Dylan publicou alguns trabalhos experimentais como 'Tarantula' (1971) e a colecção 'Writings and Drawings' (1973).

Em 2004, escreveu a autobiografia 'Chronicles', sobre os anos em Nova Iorque e sua vida no centro da cultura popular.

A história do Nobel da Literatura

Atribuído pela primeira vez em 1901, ao francês Sully Prudhomme, como recorda a Lusa, o Nobel da Literatura, um dos mais mediáticos ao lado do Nobel da Paz, é sempre anunciado a uma quinta-feira, normalmente na primeira semana de outubro, na mesma semana em que outros quatro galardões criados por Alfred Nobel.

Mas este ano o galardão para a área da Literatura é o último a ser anunciado, algo que a Academia Sueca atribuiu a questões de calendário, mas que os media suecos suspeitam dever-se à dificuldade dos membros em chegar a acordo sobre um nome.

Desde 1901, quando os prémios Nobel foram atribuídos pela primeira vez, foram entregues 108 prémios Nobel da Literatura, 14 dos quais a mulheres.

Os prémios Nobel nasceram da vontade do químico, engenheiro e industrial sueco Alfred Nobel (1833-1896) de doar a sua imensa fortuna para o reconhecimento de personalidades que prestassem serviços à humanidade.

O inventor da dinamite expôs este desejo num testamento redigido em Paris em 1895, um ano antes da sua morte. Os prémios foram atribuídos pela primeira vez em 1901.