Os 37 cidadãos acusados de crimes diversos, incluindo o de associação de malfeitores, para a tentativa de assalto à mão armada de várias instituições públicas, incluindo o Palácio Presidencial, terão, segundo a acusação, recorrido a um quimbandeiro, chamado Tchipongo, para não serem atingidos pelas balas durante o suposto golpe.

Só que o quimbandeiro, citado pelo texto acusatório, faleceu há muitos anos, o que põe em causa parte da fundamentação da acusação. Tchipongo, de acordo com os factos descritos pelo ministério público, vivia na antiga base da UNITA, na Jamba, província do Kwando Kubango, e era a ele que os integrantes do grupo recorriam regularmente para planificarem o golpe de estado.

A acusação refere ainda que Tchipongo submetia a tratamento tradicional os componentes do grupo, fazendo-lhes vários cortes nas duas mãos, para não serem atingidos pelas balas, quando se dirigissem à Cidade Alta para atacar o Palácio e prender o Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

O Novo Jornal apurou ainda que, na altura em que decorriam as investigações (de Janeiro a Junho deste ano), que culminaram com a detenção dos 37 elementos que se encontram presos na Comarca de Viana, a polícia de Luanda levou-os até ao antigo bastião do galo negro, ao encontro do quimbandeiro Tchipongo. "Infelizmente, a própria polícia confirma que não encontrou o quimbandeiro, porque já faleceu há muitos anos", disse um dos advogados de defesa dos 37 suspeitos que vão começar a ser julgados hoje, sexta-feira, dia 2 de Dezembro, uma semana depois da primeira audiência marcada e que foi adiada a pedido da defesa.

Para o advogado, toda a acusação é uma encenação, uma conversa para "boi dormir". "A acusação deve apresentar factos convincentes e não essa brincadeira de mau gosto", insistiu o advogado, apelando para que a justiça seja feita "com transparência". Um outro advogado do processo, que também não quis identificar-se, lamentou que "alguns elementos do poder central que são responsáveis pelas maiores injustiças estejam a incriminar quem reclama o cumprimento dos seus direitos".

"Uma coisa é certa, o cidadão exige um bom serviço público, prestado com eficiência. E, para que isso funcione, são necessários servidores dedicados e preparados para fazerem o melhor com o objectivo de atenderem às suas necessidades", observou o jurista. Referiu que a prestação do serviço público é das mais importantes actividades de uma sociedade ou de uma nação e as pessoas que estão a ser acusadas neste processo estavam a exigir o cumprimento de um direito, que era o pagamento de pensões. "Quando pessoas à frente de um Executivo vêm com histórias mal contadas, é uma tristeza para o próprio país", rematou.

Unidos pela Caixa Social das FAA

Os acusados de crimes diversos, incluindo o de associação de malfeitores para a tentativa de assaltar à mão armada instituições públicas e o Palácio Presidencial, queriam reivindicar pacificamente a sua inserção na Caixa de Segurança Social das Forças Armadas Angolanas(CSSFAA).

Segundo apurou o Novo Jornal, os acusados são ex-militares das FALA (braço armado da UNITA), das FAPLA e FAPLA MPLA, todos eles estavam inscritos na CSSFAA, mas nunca beneficiaram das pensões a que dizem ter direito, razão pela qual se mobilizaram.

O grupo, dirigido pelo tenente-coronel Celestino Ferreira, antes de começar a reclamar publicamente as suas pensões, tinha comunicado o facto ao Estado-Maior das FAA, informando-o sobre a situação que atravessavam e sobre a intenção de se manifestarem.

"As reivindicações não ocorreram só na província de Luanda. Tiveram lugar no Huambo, Benguela e Bengo. São oficiais superiores dos dois partidos que estiveram em confrontos, durante os vá- rios anos de guerra, e que queriam ver os seus problemas resolvidos", explicou ao NJ um dos advogados de defesa, notando que entre os acusados não estão apenas elementos das FALA, mas também das FAPLA, exército ligado ao MPLA.

Segundo a mesma fonte, os acusados, depois de terem tido vários encontros nos arredores do mercado do Kikolo, município de Cacuaco, planificaram realizar concentrações no Largo da Independência e na maternidade Lucrécia Paim para reivindicar um direito. "Segundo a acusação, os que estavam para atacar a Rádio Nacional de Angola (RNA) e a Televisão Pública de Angola (TPA) tinham uma arma de fogo e duas catanas e o outro grupo, que se dirigia para a Cidade Alta, para prender o Presidente da República, estava munido de catanas", acrescentou a fonte.

As detenções dos elementos do grupo, de acordo com a nossa fonte, iniciaram- -se em Janeiro deste ano, altura em que começaram as concentrações, e terminaram em Junho. "A polícia fez buscas nas províncias acima referidas para capturar os homens, uma operação iniciada em Janeiro e que decorreu até Junho deste ano. Dizem que algumas pessoas do grupo estão em fuga", referiu a fonte, não detalhando o número de pessoas que estão foragidas.

O Novo Jornal apurou que, para além do líder, o tenente-coronel Celestino Ferreira, fazem parte do grupo os oficiais Raúl Chiquete e Paulo Cambaba. A Caixa de Segurança Social das FAA está no Decreto-Lei n.º 16/94, de 10 de Agosto, que estabelece as bases para os beneficiários.

(O Dossier Informação do Novo Jornal pode ser lido integralmente na edição nº 460, nas bancas, ou em edição digital, que pode pagar no Multicaixa)