Em causa, mais do que o que disse, está aquilo com que o Chefe de Estado mostrou concordar sobre as, confirmadas pelo próprio, práticas de corrupção de Joesley Batista, o milionário do sector das carnas que registou a provável porta dos fundos por por onde Temer deverá sair da cena política do Brasil.

Apesar de as gravações feitas por Joesley da conversa que com ele manteve no Palácio Presidencial terem quatro apenas dias de conhecimento público, mesmo tendo sido feitas em Março, a sucessão de episódios desta telenovela fez com que o "guião" que aponta à destituição de Michel Temer permite adivinhar já o epílogo infeliz para o próprio, que não deve fugir ao "impeachment". A questão agora é saber se a democracia brasileira não se transforma em escombros com os partidos políticos, quase sem excepção, a desmoronar-se.

Para Temer pouco ou nada resta depois de ontem ter sido formalmente acusado de corrupção, organização criminosa e obstrução à justiça, com mais de uma dezena de pedidos de "impeachment" e a fuga de vários partidos da coligação que o sustenta no poder, até porque os brasileiros podem agora comparar o que levou à saída de Dilma Rousseff, uma "simples" deslocação de fundos sem desvio, denominada popularmente por "pedalada fiscal" , com as acções de Temer.

"As provas revelam que alguns políticos continuam a utilizar a estrutura partidária e o cargo para cometerem crimes em prejuízo do Estado e da sociedade", afirma o Procurador-geral no arranque do inquérito.

Recorde-se que Joesley Batista, que chefia um império das carnes, a BBS, o maior exportador de carne do mundo, foi à "casa" de Temer com um gravador no bolso e registou-o a anuir sobre todas as práticas criminosas de que estava a ser informado, nomeadamente envolvendo Eduardo Cunha, o ex-lider da câmara dos deputados que liderou a destituição de Dilma e que agora está preso por crimes de corrupção, que o ligam de forma quase directa ao Presidente brasileiro, como a imprensa do país sul-americano tem mostrado com pesadas evidências.

Uma das acusações mais salientes é a de que um correligionário de Temer, Rodrigo Rocha, lhe fez chegar, via Joesley, cerca de 1, 5 milhões de euros nos últimos anos, num universo de 120 milhões de euros entregues em episódios de corrupção à classe política brasileira.

A tudo isto, Temer finca o pé na decisão de não renunciar: "Eu não renunciarei, repito... não renunciarei". No Brasil já há quem diga que não vai renunciar mas será... renunciado e que todo este processo acabara por ser um tapete vermelho para o regresso de Lula da Silva ao poder, se decidir candidatar-se e se... as acusações que sobre ele existem, nomeadamente sobre a forma como adquiriu um apartamento de luxo, não se revelarem graves quanto baste para o levar a retroceder.

E também porque o mesmo Joesley, que parece estar no centro de uma tempestade de subornos e corrupção pouco vista em todo o mundo, já firmou que entregou 150 milhões de euros para as campanhas eleitorais de Lula e Dilma.