A carta foi enviada ao Presidente José Eduardo dos Santos no passado dia 17 de Maio e assinada por 24 filhos de vítimas do 27 de Maio de 1977.

O primeiro signatário é João Ernesto Valles Van Dunem, o "Che", professor do departamento de Economia da Universidade Católica de Luanda, que tinha cerca de seis meses quando a mãe, Sita Valles, e o pai, José Van Dunem, foram fuzilados.

"Passados 40 anos, não havendo qualquer explicação ou inquérito oficial do Estado Angolano sobre estes trágicos acontecimentos, estamos convictos da necessidade em dirigir a Vossa Excelência, pela primeira vez em conjunto, algumas palavras que expressam o nosso sentimento de profunda mágoa", pode ler-se na carta enviada ao Presidente angolano.

"Permanecem bem vivas as conversas no seio das nossas famílias de que a sua nomeação em 1979 para Presidente da República iria abrir uma nova janela à esperança mais legítima: a esperança de que quem tinha ordenado e participado nas torturas mais bárbaras, no desaparecimento sistemático e nas execuções em massa entre 1977 e 1979, poderia ser julgado pelos seus crimes. Para além disso, a esperança de que seriam facultadas informações concretas aos familiares dos desaparecidos acerca do destino dado a estes", diz ainda a carta.

Os signatários da missiva perguntam ainda: "Das vítimas e das circunstâncias em torno da sua morte o país pouco sabe. Quando e como foram assassinados? Porque não tiveram garantias mínimas de defesa em tribunal, de maneira a responderem às acusações que lhes eram imputadas? Quem foram e onde estão os seus algozes?".

A carta, que termina com um lamento, diz ainda que será esta a derradeira ocasião que os órfãos têm de se dirigir a José Eduardo dos Santos.

"Colocados nesta condição há 40 anos atrás, entendemos que o destino de Angola vai estar totalmente ligado à compreensão e superação da sua história. Por isso, manteremos a nossa fé de que o país celebrará, em tempo útil, o passado digno daquelas mulheres e homens que, com lealdade à Pátria, procuraram edificar uma sociedade melhor", pode ler-se.

A propósito da evocação dos trágicos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, um grupo de investigadores e intervenientes reúne-se no próximo dia 26 deste mês, em Lisboa, para promover uma reflexão e debate sobre o assunto, naquele que será o primeiro colóquio internacional intitulado «Memória, História, Esquecimento: O 27 de Maio de 1977», a ter lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

De acordo com uma nota de imprensa a que o Novo Jornal teve acesso, a necessidade de se criar um espaço de reflexão no meio académico serviram de mote para a realização do colóquio, no qual os investigadores poderão partilhar e debater as suas pesquisas com a comunidade científica e a sociedade em geral.

"Pretendemos que esta problemática saia da penumbra e do `mujimbo" social em que tem estado confinada e reduzida até hoje na sociedade angolana e que deixe de ser "evitada" pelos investigadores, para que seja incluída como tema próprio nas discussões académicas das Ciências Sociais, nomeadamente dos Estudos Africanos, da História de África e, em particular, da História de Angola", afirmam os organizadores na nota de imprensa.

O colóquio vai reunir um total de oito investigadores nacionais e estrangeiros, entre os quais se destacam os nomes de Marcolino José Carlos Moco, Jean-Michel Mabeko Tali, Benja Satula, Fernando Macedo, Francisco Carlos Guerra de Mendonça Júnior, Joaquim Sequeira Carvalho, Leonor Menezes Figueiredo e Margarida Paredes.