A frase da secretária de Estado do Tesouro Janet Yellen, a propósito do bom estado da maior economia mundial, a norte-americana, foi um tiro certeiro na resistência dos mercados que há muito olham para as taxas de juro em busca de sinais.

E de ambos os lados da montanha os sinais de fumo são boas novas, com a frase de Janet Yellen a mostrar o bom percurso do PIB dos Estados Unidos da América, a maior economias e o maior consumidor de crude mundial, além de estar em linha com as expectativas de uma baixa das taxas de juro.

Ora, os dados globalmente analisados sobre a economia mundial desaguam na constatação simples que pode ser formulada assim: os sinais são cada vez mais luminosos no sentido do aumento da procura e as evidências de possíveis disrupções na oferta não podem ser camufladas no optimismo generalizado.

A isto junta-se o facto da China, a segunda maior economia e o maior importador de petróleo planetário, estar há semanas a dar sinais de insaciável apetite por energia das suas fileiras produtivas, a industrial para consumo interno e a exportadora, além das melhoras razoáveis na saúde do seu gigantesco sector imobiliário.

E se a procura no verde é explicada pela melhoria das grandes economias mundiais, o vermelho do lado da oferta está ligado ao fluxo de más notícias que chegam do Médio Oriente, onde, depois da redução das tensões israelo-iranianas, a chama volta agora a aproximar-se do rastilho que liga ao barril de pólvora com a iminência da invasão israelita de Rafah.

E porque é que é Rafah assim tão importante? Porque é o derradeiro bastião-refúgio de 1,5 milhões de pessoas empurradas de norte para sul da Faixa de Gaza pelos bombardeamentos israelitas, que agora estão sem ter para onde fugir porque se trata de uma cidade quase em cima da fronteira com o Egipto.

E também porque, depois de mais de 34 mil civis inocentes mortos pelos israelitas em menos de sete meses, além dos 80 mil feridos, em ambos os casos mais de 80% crianças, mulheres e idosos, o universo árabe da região pode não aguentar de mãos atrás das costas mais um período de mortandade entre a população inocente.

Mas os analistas dos mercados sabem outra coisa, como alguns sublinham há já algum tempo. É que, se por um lado é verdade que o sentimento da "rua árabe" é mais incandescente que nos corredores do poder, a invasão de Rafah, se não for desenhada para evitar a morte de civis, pode levar a tumultos populares, que são a última coisa que querem os governos do Egipto, da Arábia Saudita, dos Emirados, na Jordânia...

E se se olhar com lentes progressivas para este cenário, que se desenvolve na região de onde sai mais de 35% do crude consumido em todo o mundo, então é fácil explicar o porquê de ser igualmente as faíscas que se soltam de Gaza que mais queimam os mercados petrolíferos nos últimos meses.

E se não fosse já muito o risco, hoje os media internacionais, como a Al Jazeera estão a noticiar que, de facto, a "operação Rafah" já terá mesmo começado, com uma barragem incessante de artilharia israelita sobre os subúrbios desta cidade-refúgio de mais de 1,5 milhões de palestinianos encurralados e sem terem para onde fugir.

Risco esse que aumentou severamente depois de, já esta semana, ter explodido o aterrador escândalo de centenas de corpos encontrados em valas comuns, alguns com as mãos atadas e sem roupas, em dois hospitais de Gaza, Al Shiffa e Nasser, invadidos e destruídos pelas forças israelitas, sendo o Exército hebraico claramente responsável por essas mortes e pela tentativa de ocultar os corpos das suas vítimas, a ponto de a própria Casa Branca já ter exigido explicações a Telavive.

Isso, além de também as Nações Unidos estarem a providenciar garantias de uma investigação rigorosa, o que acresce às razões que o Governo do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyhau terá para divergir as atenções deste "buraco" com uma apressada invasão de Rafah.

Com esta evolução no terreno, de onde também não se pode manter a atenção distante do que se passa na Ucrânia, onde as forças de Kiev foram reforçadas com o recente pacote de ajuda dos EUA de 61 mil milhões USD e viram assim aumentadas as capacidades de voltar a atacar a infra-estrutura petrolífera russa, tudo soma para um novo fluxo de adrenalina nos mercados.

Para já, perto das 10:10, o barril de Brent estava a valer 89,10, mais 0,12% que no fecho de quinta-feira, voltando assim a ficar sob a luz simbólica da fasquia dos 90 USD, o que faz sorrir as petroeconomias, como a Angolana, ainda, e lacrimejar as grandes, dependentes de importações massivas de energia.

E as contas para Angola são simples de fazer...

... porque, apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, Angola é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica.

E ter o Brent nos 89 USD, bastante acima do valor médio usado para elaborar o OGE 2024, 65 USD, permite diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.

Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.

O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.

O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.

O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.