A faísca que faltava para transformar o Médio Oriente num campo de batalha de consequências imprevisíveis pode já ter caído no barril de pólvora, depois de neste Domingo uma base norte-americana, denominada Torre 22, situada na Jordânia, junto à fronteira com a Síria, ter sido atacada por um grupo até aqui pouco activo neste "puzzle", a Resistência Islâmica, com origem no Iraque e, ao que tudo indica, apoiada, também, pelo Irão.

O Irão já negou de forma especialmente veemente qualquer envolvimento neste ataque à base dos EUA na Jordânia, país que tem uma extensa fronteira com a Palestina, mas isso parece que não está a ter qualquer eco em Washington, onde o ambiente de campanha eleitoral é o capim seco para as chamas alastrarem sem controlo.

Depois de o Presidente e candidato democrata às Presidenciais de Novembro, Joe Biden, numa declaração pública encenada para mostrar uma explosiva indignação, ter jurado vingar a morte de três soldados americanos estacionados na base na Jordânia que foi atacada no Domingo, onde também 34 ficaram feridos, vários com gravidade, o candidato republicano, Donald Trump, veio deixar gasolina na fogueira acusando o actual inquilino da Casa Branca de fraqueza.

Donald Trump disse ainda que se ele ainda fosse Presidente, não só os soldados ainda estariam vivos, como não teria acontecido a actual situação em Gaza, ou já a teria resolvido, como diz que vai resolver a guerra na Ucrânia em 24 horas, o que constitui uma especial pressão para agir sobre Joe Biden numa altura em que a campanha eleitoral entra na fase decisiva para as eleições de 05 de Novembro.

Este episódio está a ser de tal forma visto como podendo mudar todo o cenário no Médio Oriente, que apagou literalmente das "manchetes" a acusação israelita de que uma dezena de funcionários da agência da ONU para a Palestina, a UNRWA, colaborou com o Hamas no ataque de 07 de Outubro - alguns analistas admitem que se tratou de uma manobra de diversão para fazer esquecer a acusação de genocídio levada pela África do Sul ao Tribunal Internacional de Justiça -, e a subsequente decisão de vários países em terminar com o apoio financeiro a esta essencial organismo das Nações Unidas na ajuda humanitária a devastada Faixa de Gaza, onde 2 milhões de pessoas vivem sob risco permanente da fome das bombas israelitas.

Mesmo com o Irão a negar claramente qualquer papel neste ataque à base norte-americana na Jordânia, numa declaração produzida pela delegação iraniana nas Nações Unidas, os analistas admitem que vai ser muito difícil, perante as pressões inerentes ao ambiente de campanha eleitoral, que os EUA não lancem ataques punitivos contra a Resistência Islâmica e contra os interesses do Irão, elevado o risco de uma escalada.

Isto, porque o Irão tem ainda pendentes várias ameaças de retaliação por cumprir depois de ataques que foram marcantes, como o assassinato do comandante da Guarda Revolucionária, o general Qassem Soleimani, um herói nacional, por um drone dos EUA, em 2020, na capital do Iraque, Bagdad, ou a morte de vários comandantes das suas Forças Armadas por comandos israelitas, com armas norte-americanas, como sucedeu na passada semana, quando um míssil matou cinco oficiais numa habitação na capital da Síria, Damasco.

Todavia, este ataque à base dos EUA na Jordânia, reivindicado pela Resistência Islâmica, que é uma organização com múltiplas ramificações, constituída por dezenas de pequenos grupos apoiados pelo Irão, embora Teerão garanta que não detém qualquer influência sobre as suas decisões, está a ser já visto como uma acção punitiva no âmbito das ameaças feitas anteriormente.

O petróleo já "arde" nos mercados

Esta situação está já a transformar de forma substantiva o negócio global do petróleo, lançando o barril para valores que já não se viam desde o início de Novembro do ano passado, integrando elementos de risco que já não se viam desde as severas crises no Médio Oriente do século passado, desde logo pela envolvente presença dos EUA na antecâmara de uma guerra com o Irão, que é um aliado geoestratégico da Rússia e da China na região.

Os mercados estavam a lidar com grande desconto o evoluir da fornalha da guerra na Faixa de Gaza para o restante Médio Oriente, região responsável por até 35% do crude consumido em todo o mundo diariamente, como se todos estivessem a assobiar para o lado à espera que o mau tempo fosse embora.

Não só o mau tempo ficou, como parece estar para ficar por muito tempo, e deixou de ser possível ignorar quando, a meio da passada semana, se verificou que os ataques em larga escala da coligação liderada pelos EUA contra as posições dos rebeldes do Iémen, os Houthis, não resultaram na diminuição evidente da capacidade deste grupo apoiado pelo Irão em atacar os navios, incluindo grandes petroleiros, de passagem pelo Estreito de Bab al-Mandeb, de acesso entre o Mar Arábico e o Mar Vermelho, que liga, via Cabal do Suez, ao Mediterrâneo e, dali, ao Atlântico, oceano que bordeja a Europa Ocidental e os Estados Unidos.

E, com este ataque, com drones, da Resistência Islâmica, fazendo correr o "primeiro sangue" norte-americano desde que reemergiu com especial violência a vaga de ataques israelitas a Gaza após o 07 de Outubro, não só se demonstra a expansão do conflito como o transforma numa guerra globalizada.

Até porque, em Washington, o Presidente dos EUA já veio a terreiro garantir que vai dar a resposta adequada a este ataque à base norte-americana na Jordânia, prometendo vingar os soldados mortos e feridos, fazendo com que este conflito se intrometesse com especial acrimónia na campanha eleitoral nos Estados Unidos para as eleições de Novembro que vão ditar se Joe Biden mantém a chave no bolso ou esta vai parar às mãos do ex-Presidente Doland Trump.

Não menos importante para admitir que este episódio na base dos EUA na Jordânia pode ser ainda mais relevante que os ataques dos Houthis aos navios no Estreito de Bab al-Mandeb para a instabilidade geopolítica e militar no "barril de crude do mundo", foi a reacção de Trump, ao acusar Biden de fraqueza, afirmando que se ele ainda fosse o detentor da chave da Casa Branca não só não haveria este ataque aos soldados americanos na Jordânia, como nem sequer haveria guerra em Gaza, da mesma forma que garante que acabará com a guerra na Ucrânia em 24 horas.

Todos os analistas, com mais ou menos vigor, apontam este episódio como um elemento que marca um antes e um depois no conflito de Gaza, reacendendo o risco de um confronto mais lato, primeiro entre o Hezbollah e Israel na fronteira israelo-libanesa, e depois espalhando faíscas para as dezenas de grupos antiamericanos na Síria, Iraque, Líbano, Iémen... acabando com uma forte probabilidade de ataques directos dos EUA e de Israel ao Irão.

Um maior envolvimento dos EUA no conflito no Médio Oriente é o que mais assusta o mundo há mais de três meses, quando, depois do ataque do Hamas ao sul de Israel, Washington enviou uma forte esquadra naval, com porta-aviões, submarinos e navios de guerra, para o Mediterrâneo Oriental, com o fito de travar a entrada do Hezbollah na refrega, mas também para ter capacidade de fogo nas proximidades em caso de uma guerra de outro nível começar, envolvendo o Irão, um aliado férreo da Rússia e da China.

Mortandade soma e segue em Gaza

No terreno onde o potencial de guerra generalizada no Médio Oriente reemergiu a 07 de Outubro, em Gaza, o número de civis mortos pelos bombardeamentos israelitas soma e segue numa vertigem inaudita, com mais de 26.500 mortos, desde 12 mil crianças e mais de 6 mil mulheres, em menos de 4 meses, segundo números das autoridades palestinianas corroborados pelas Nações Unidas, o que faz a cifra de civis mortos na guerra da Ucrânia, cerca de 10 mil, em dois anos, parecer quase nada...

As forças israelitas estão a destruir a quase totalidade das infra-estruturas civis em Gaza, onde mais de 75% das casas foram já demolidas, obrigando mais de 1 milhão de pessoas a viver ao relento, sem acesso a comida, água potável e medicamentos, com apenas seis dos 36 hospitais de Gaza ainda com alguma operacionalidade, sem que, ao fim de quase quatro meses de mortandade indiscriminada, nenhum dos objectivos traçados pelo Governo israelita, que eram exterminar o Hamas e libertar os reféns, ter sido conseguido.

Gaza é um território com apenas 365 kms2, com 40 kms de extensão por 9 kms de largura, habitado por 2,3 milhões de pessoas, numa das mais altas densidades populacionais do mundo, mais de 6.000 habitantes por km2.

E se as dificuldades destes 2,3 milhões de pessoas, mais de 60 por cento menores de idade, já era uma tragédia, mostrada ao mundo pelos jornalistas que conseguem sobreviver no terreno, porque já morreram cerca de 130, grande parte alvajada deliberadamente pelas forças israelitas, o número mais alto de todos os conflitos no mundo, desde sempre, em tão escasso tempo, ainda vai ficar pior.

Isto, porque os principais financiadores da agência da ONU para os refugiados da Palestina, a UNRWA, EUA, Alemanha, Reino Unido, Países Baixos, Itália... deixaram de apoiar depois de Israel acusar uma dezena dos seus funcionários civis, palestinianos, de terem colaborado no ataque do Hamas a Israel a 07 de Outubro.

A decisão de os países ocidentais, aliados de Israel, deixarem de apoiar a UNRWA, surgiu mesmo sem ter sido feita qualquer investigação às acusações de Telavive, e quando vários analistas admitem que as alegações foram uma tentativa israelita de apagar dos media as acusações de genocídio por que Israel responde no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Haia, Países Baixos, numa iniciativa da África do Sul.