A última vez que qualquer um dos três responsáveis pela tutela das Finanças destes três produtores/exportadores esboçou um sorriso idêntico ao de hoje foi no início de Novembro do ano passado, quando o barril de Brent, a referência principal para as ramas angolanas, atingiu os 84 USD pela última vez.
Apesar de ter corrigido ligeiramente em baixa após a abertura, o barril de Brent amanheceu esta segunda-feira, 29, em Londres a valer 84,02, desceu para os 83,78 pouco depois, e cerca das 09:15 já estava de novo a bater nos 84,5 USD, mais 0,53% que na última sessão, o que representa um alívio substantivo para as contas nacionais, considerando que o Executivo de João Lourenço elaborou o OGE-2024 usando como valor de referência os 65 USD/barril.
Por detrás deste boom no valor da energia está a tumultuosa situação no Médio Oriente, onde, ainda este Domingo, a instabilidade geopolítica e militar subiu mais um patamar com um ataque na Jordânia a uma base norte-americana pela Resistência Islâmica matando três soldados, deixando ainda 34 feridos, vários destes com gravidade.
Os mercados estavam a lidar com grande desconto o evoluir da fornalha da guerra na Faixa de Gaza para o restante Médio Oriente, região responsável por até 35% do crude consumido em todo o mundo diariamente, como se todos estivessem a assobiar para o lado à espera que o mau tempo fosse embora.
Não só o mau tempo ficou, como parece estar para ficar por muito tempo, e deixou de ser possível ignorar quando, a meio da passada semana, se verificou que os ataques em larga escala da coligação liderada pelos EUA contra as posições dos rebeldes do Iémen, os Houthis, não resultaram na diminuição evidente da capacidade deste grupo apoiado pelo Irão em atacar os navios, incluindo grandes petroleiros, de passagem pelo Estreito de Bab al-Mandeb, de acesso entre o Mar Arábico e o Mar Vermelho, que liga, via Cabal do Suez, ao Mediterrâneo e, dali, ao Atlântico, oceano que bordeja a Europa Ocidental e os Estados Unidos.
E, com este ataque, com drones, da Resistência Islâmica, que a intelligentsia ocidental diz ser uma rede de guerrilhas nascida no Iraque, apoiada pelo Irão, à base dos EUA na Jordânia, junto à fronteira com a Síria, fazendo correr o "primeiro sangue" norte-americano desde que reemergiu com especial violência a vaga de ataques israelitas a Gaza após o 07 de Outubro, não só se demonstra a expansão do conflito como o transforma numa guerra globalizada.
E, perante isso, os mercados petrolíferos não podiam continuar a assobiar para o lado à espera que a borrasca passasse, reagindo como sempre fazem perante acréscimo de risco, acrescentando cêntimos de dólar no preço do barril, catapultando a matéria-prima que motoriza a economia planetária para além dos 84 USD.
Até porque, em Washington, o Presidente dos EUA já veio a terreiro garantir que vai dar a resposta adequada a este ataque à base norte-americana na Jordânia, prometendo vingar os soldados mortos e feridos, fazendo com que este conflito se intrometesse com especial acrimónia na campanha eleitoral nos Estados Unidos para as eleições de Novembro que vão ditar se Joe Biden mantém a chave no bolso ou esta vai parar às mãos do ex-Presidente Doland Trump.
Não menos importante para admitir que este episódio na base dos EUA na Jordânia pode ser ainda mais relevante que os ataques dos Houthis aos navios no Estreito de Bab al-Mandeb para a instabilidade geopolítica e militar no "barril de crude do mundo", foi a reacção de Trump, ao acusar Biden de fraqueza, afirmando que se ele ainda fosse o detentor da chave da Casa Branca não só não haveria este ataque aos soldados americanos na Jordânia, como nem sequer haveria guerra em Gaza, da mesma forma que garante que acabará com a guerra na Ucrânia em 24 horas.
Todos os analistas, com mais ou menos vigor, apontam este episódio como um elemento que marca um antes e um depois no conflito de Gaza, reacendendo o risco de um confronto mais lato, primeiro entre o Hezbollah e Israel na fronteira israelo-libanesa, e depois espalhando faíscas para as dezenas de grupos anti-americanos na Síria, Iraque, Líbano, Iémen... acabando com uma forte probabilidade de ataques directos dos EUA e de Israel ao Irão.
Um maior envolvimento dos EUA no conflito no Médio Oriente é o que mais assusta o mundo há mais de três meses, quando, depois do ataque do Hamas ao sul de Israel, Washington enviou uma forte esquadra naval, com porta-aviões, submarinos e navios de guerra, para o Mediterrâneo Oriental, com o fito de travar a entrada do Hezbollah na refrega, mas também para ter capacidade de fogo nas proximidades em caso de uma guerra de outro nível começar, envolvendo o Irão, um aliado férreo da Rússia e da China.
Para já, os cêntimos que de hora a hora são acrescentados pelos mercados ao preço do barril são a demonstração de um crescente receio sobre o que se passa no Médio Oriente e já a "descontar" um quase certo acerto de contas de Washington sobre Teerão... onde, quando e como vai suceder, é a dúvida.
E nem o desmoronamento do gigante chinês do imobiliário, a Evergrande, por ordem judicial, depois de meses de asfixia e iminente colapso, não ter sido possível um entendimento com os credores, o que, em circunstâncias normais, tiraria cêntimos ao preço do barril, parece estra a ter influência mínima que seja no evoluir dos mercados.
Para Angola, as contas...
Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 84 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.
Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.