Observo que os incentivos criados pelo Estado para apoiar o sector empresarial, público ou privado, têm sido usados para actividades, para as quais, que em princípio, já se tem oferta suficiente, ou até uma capacidade excessiva. Existem vários exemplos, mas o mais evidente é o das moageiras de farinha trigo. Hoje temos uma capacidade excessiva na produção de farinha trigo (enquanto a necessidade estimada é de 600 mil toneladas, a capacidade existente vai para além de 700 mil toneladas), só não sei, se todas as novas moageiras foram implantadas com recurso aos incentivos do Governo (Angola Investe - PAI, Programa de Apoio ao Crédito - PAC, PRODESI, Aviso n.º10/21 do BNA). Neste caso, entendo que, se alguém quiser implantar uma moagem de trigo, pode fazê-lo, utilizando recursos próprios e não recorrendo aos incentivos públicos.

Impressiona-me a falta de criatividade e originalidade por parte dos homens e mulheres de negócios em Angola. Basta alguém começar com um negócio e aparentar dar resultados, em seguida, vira moda, todos copiam a ideia. Um exemplo claro é o negócio das farmácias. Em todo lado surgem farmácias, como cogumelos! Felizmente, as farmácias não qualificam para incentivos públicos. Há mesmo casos de cópias de iniciativas mesmo no sector industrial que demonstram falta de originalidade. Poderia citar muitos outros exemplos, mas fico pelas farmácias e outros que estão à vista de quem quer ver! Não há preocupação de estudar os fluxos de importação da Administração Geral Tributária (AGT) e da Agência Reguladora de Certificação de Carga e Logística de Angola (ARCCLA), para identificar os produtos mais importados e, assim, seleccionar os investimentos adequados. Entendo que os programas de incentivos públicos devem ser direccionados para aquelas actividades em que o país apresenta um grande défice. Devem ser acompanhados de perto, de tal sorte, que se conheçam aquelas actividades em que os incentivos públicos concorreram para aumentar a oferta. O Estado não devia colocar um cêntimo em projectos em que já se atingiu a suficiência, ou está próximo disso.

O Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN), que é o plano do Governo para o quinquénio 2022/2027, estabelece metas que deviam ser monitoradas e publicadas os progressos, que estão a ser alcançados para os atingir. Refiro-me aos casos em que os incentivos do Governo atingem as metas pré-definidas, como, por exemplo, o aumento da oferta de farinha de trigo, em alguns casos, o aumento da oferta foi alcançada com recurso aos programas de incentivo ao aumento da produção nacional, como o Programa Angola Investe (PAI), Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), ou o mais recente o Aviso n.º 10/22 do Banco Nacional de Angola (BNA), o acesso ao Fundo de Garantia de Crédito (FGC), entre outros incentivos. Não se devia encaminhar mais nenhum incentivo público para projectos que visam aumentar a oferta de farinha de trigo. Entretanto, nenhum projecto privado devia ser desaconselhado, a única coisa é que os incentivos públicos não devem ser usados para implementação de projectos cujas actividades já tenham cobertura suficiente.

Há o cúmulo de casos em que é o próprio Estado, que se torna concorrente de iniciativas privadas! Por exemplo, o Estado vendeu silos que havia construído e que posteriormente ficaram abandonados, açambarcados, por fim, alienou, ou ainda estão em concessão, com opção de compra. Uma empresa privada, por sinal a concessionária de grande parte desses silos, desenvolve um projecto de implantação de bases de silos, porque a sua actividade requer uma grande capacidade de armazenamento de cereais. Trata-se de um investimento considerável, assente no arrendamento do espaço, que também servirá a outros produtores. Portanto, são os mecanismos de mercado que irão reger a gestão da actividade, sendo um investimento de capital privado, tem de ser rentável.

Entretanto, sabe-se que o Estado está, também, a desenvolver um projecto de silos, ou seja, capitais públicos a concorrer com capital privado. O investimento público, só vai atrapalhar! Imaginemos que o investimento privado em curso fosse de um investidor estrangeiro, o mais provável é que esse investidor cancelaria o novo projecto de implantação de novos silos, pois, não faz sentido concorrer com o árbitro e jogador. Não terá servido de exemplo o fracasso da primeira tentativa de construção de silos, que foram abandonados e açambarcados, desperdiçando os escassos recursos públicos? Não foi capaz de conservar os primeiros, e conseguirá fazê-lo com os novos? O que terá mudado? Está provado que a propriedade colectiva dos meios de produção não funciona.

Efectivamente, a actual situação de quase inexistente capacidade de armazenamento de grãos, não permite o aumento da produção nacional de cereais. Porquanto, a falta de armazenamento induz a flutuação no preço dos cereais, o que é insustentável. Por conseguinte, o Estado deve retirar-se completamente desta actividade, permitindo que os privados desenvolvam esse segmento de mercado. Devem entrar outros empresários para evitar a emergência de monopólios, mas não o Estado.

A dinamização da produção nacional requer uma visão clara e evidente dos objectivos que se pretendem alcançar. Tem de se ser, essencialmente, sistemáticos, no sentido de que, tem de se ter o foco e disciplina. Em circunstâncias como as de Angola, em que não abundam os recursos monetários, tem de se ser selectivo nos objectivos que se perseguem. Até mesmo, porque na esfera produtiva, contrariamente, a esfera de circulação, a curva de aprendizagem é muito longa. Por outro lado, é imprescindível manter muita disciplina, não haver contemplação com os atropelos aos objectivos estabelecidos. Aqui também pode-se citar o caso da protecção do sector produtivo nacional, que por via, do Decreto Executivo n.º 393/25, de 21 de Abril, proíbe a importação de uma gama de produtos, cuja produção nacional já é satisfatória. Mas, em seguida, entram no país produtos importados constantes da lista. Não acontece nada! Mais, numa altura como esta, em que o mercado está inundado de milho, pois é o tempo da colheita do milho de sequeiro, entra um barco com 40 mil toneladas de milho. O que vai acontecer ao preço de milho no mercado doméstico? Se a oferta de milho aumenta em 40 mil toneladas, o preço vem, certamente, para baixo, afectando directamente os produtores nacionais, que por si, já desenvolvem a sua actividade em condições muito difíceis. Aparentemente, é benéfico para o bolso do consumidor. No entanto, no médio e longo prazo, distorce a capacidade de produção interna, vital, para o produtor nacional e para o aumento da oferta do emprego, consequentemente, para o crescimento económico e social. A produção nacional emergente tem de ser protegida, numa primeira etapa, pois, desenvolve-se num ambiente bastante adverso, para além de que, ninguém gatinhou, levantou-se a correr, tem de gatinhar, pôr-se em pés, dar os primeiros passos, até, que um dia estará a correr a grande sprint.

O esforço que as autoridades vão encetando, indicam que pretende-se dinamizar o sector produtivo nacional. Na medida em que não há outra alternativa para se reverter o quadro da instabilidade macroeconómica e dos níveis de empobrecimento da sociedade. O fosso entre os poucos que têm muito e os muitos que não têm nada, afunda-se cada dia que passa, é já mesmo muito melindroso! Há uma infinidade de exemplos na história sobre o que pode acontecer quando os níveis das desigualdades se extremam. Os incentivos públicos servem para incentivar a emergência de unidades de produção, que, efectivamente, criam empregos e aumentem a oferta de produtos de consumo, concorrendo para a estabilidade de preços. Mas não podem ser direccionados para actividades que não concorrem para alterar o status quo. Nem tudo que se tem de fazer para dinamizar a produção nacional depende da disponibilidade financeira, algumas são mesmo só bom senso!

*Economista