Foi uma entrevista sem perguntas incómodas, com muitos sorrisos, com um guião bem acertado e algumas subserviências. Com arranjo feito para João Lourenço brilhar e com o jornalista João Ramos a vir de Lisboa para Luanda prestar um verdadeiro serviço de vassalagem. Passando ao lado dos grandes temas da actualidade, nunca forçado a uma abordagem mais profunda sobre alguns temas. Com toda a liberdade que teve, João Lourenço aproveitou "disparar" contra todos e até contra si mesmo. É que o nosso PR pode ficar conhecido por algo inédito: a capacidade de dar tiros nos próprios pés em cada entrevista que ele mesmo e a sua equipa decidem arranjar. Também é uma oportunidade para fazer uma crítica aberta ao Palácio da Cidade Alta, que continua a dar "privilégios de acesso" aos órgãos de comunicação social estrangeiros e órgãos públicos nacionais, em sinal de perfeita exclusão aos órgãos nacionais privados e independentes. Sobre isso não vale pensar que iremos ficar calados.
João Lourenço mostra que está inquieto, que não está confortável com a questão da sua sucessão. Diferente de José Eduardo dos Santos, ele não é um gestor de silêncios, nem sabe perceber os timings das abordagens. Em democracia, a soberania reside no povo, é este quem elege os seus governantes. A ideia de estar a definir o perfil do seu sucessor passa uma ideia de estar acima de tudo e todos, de que ele é quem define os timings e decide quem o deve suceder. Força a narrativa de vencedores antecipados, avançando que o sucessor para a Presidente da República tem de "ser jovem" e tem de "estar bem preparado". Esta abordagem devia ser para o presidente do seu partido, o MPLA, dentro das estruturas adequadas. Mas não o critério etário, uma vez que João Lourenço pretende manter-se na liderança do MPLA e ainda, nesta qualidade, inaugurar aquele que chamo "O Cantinho do Chefe", a futura sede do MPLA.
Mesmo sobre a questão dos remorsos por causa de quem o vier substituir, João Lourenço diz que terá de "fazer igual ou melhor" do que ele já fez em oito anos. Isto é também um karma que carrega em relação à governação do seu antecessor, José Eduardo dos Santos, em que se percebe que a sua máquina de comunicação procura passar a ideia de que João Lourenço, em quase uma década, terá tido mais obra do que José Eduardo dos Santos em mais de três décadas. Era também interessante que o jornalista da CNN lhe perguntasse se ele considera que fez igual ou melhor do que o seu antecessor. Uma oportunidade para mostrar aquilo que, na sua visão, terá feito mais e melhor. Este é o verdadeiro dilema de João Lourenço, tentar por todos os meios provar de que ele não foi um erro de casting de José Eduardo dos Santos, que o seu antecessor não escolheu "um qualquer " para o substituir, dando-lhe o direito de exigir que, depois de si, não venha "um qualquer", a forma deselegante e desrespeitosa como mandou uns recados aos outros candidatos que não fazem parte do seu alinhamento, como Higino Carneiro, António Venâncio, Valdir Cónego, José Carlos de Almeida e outros "assanhados" que venham a surgir. Quem governa deve ter elevação no discurso e impor respeito . Mas sobre a questão da sua sucessão, os angolanos já falam até numa espécie de solução Tiririca: Pior do que está, não fica!
Estas duas últimas entrevistas de João Lourenço tiveram um efeito inverso e perverso, acabaram por dividir ainda mais os militantes do MPLA e aumentar a onda de indignação dos cidadãos em relação à sua governação. O nosso PR aproveitou estes espaços nobres para negar ou desvalorizar os seus adversários internos, negando-lhes um direito que está consagrado nos estatutos do seu partido e na Constituição da República, mostrou ser pouco tolerante com a democracia interna, também revelou algo muito preocupante, João Lourenço está com estas entrevistas a mostrar que algo está a acontecer no seio do MPLA, que pode ser algo que não controla. Que a máquina do MPLA pode se estar a movimentar num sentido diferente no qual pode não estar a controlar. Como já aqui escrevi, o MPLA é uma máquina de triturar líderes. Uma máquina que deixa aos líderes uma ideia de poder aparente, com lealdades convenientes e que depois os líderes acabam engolidos. Foi assim com José Eduardo dos Santos, todos nós vimos, não será diferente com João Lourenço. A máquina partidária vai atirar-se contra ele, é sobre isso que deve pensar calado.