Este enredo clássico oferece uma poderosa alegoria para a estrutura económica de países em desenvolvimento como Angola, onde a riqueza nacional, fortemente dependente da exploração petrolífera, se encontra concentrada nas mãos de uma minoria privilegiada, em claro detrimento da maioria da população. Tal como Creonte simboliza o poder institucional que impõe normas para preservar os interesses de uma elite dirigente, o sistema económico angolano - sustentado por mecanismos legais, políticas públicas e narrativas de sucesso individual - contribui para a manutenção de desigualdades estruturais, restringindo o acesso equitativo, a oportunidades e negando a milhões de angolanos direitos essenciais como a educação de qualidade, os cuidados de saúde, habitação e infra-estruturas condigna e, em última instância, a plena dignidade cidadã.
Ora vejamos,
Nos últimos tempos, foram anunciadas diversas iniciativas empresariais, que, à primeira vista, se revestem de uma importância quase transcendental para a revitalização da economia nacional. Espera-se, com entusiasmo oficial amplamente difundido, que estas medidas venham a impulsionar a produção de bens e serviços locais, gerar emprego para a juventude e alargar, finalmente, a tão estreita base tributária do sector não-petrolífero. Entre os projectos frequentemente destacados, figuram a instalação de uma fábrica de fertilizantes, uma unidade de montagem de automóveis, intervenções estruturantes ao longo do Corredor do Lobito, a privatização de activos na Zona Económica Especial de Luanda, bem como o lançamento de iniciativas de apoio à agricultura familiar em diversas províncias do centro do País. Iniciativas que, pelo seu potencial transformador, merecem reconhecimento e, porque não, uma celebração moderada - independentemente da filiação ou pedigree dos seus promotores.
Por outro lado, as principais empreitadas no âmbito do investimento público continuam a ser sistematicamente atribuídas aos mesmos operadores económicos, muitas vezes por via de adjudicações directas, com critérios pouco claros e raramente sujeitos ao escrutínio público. Esta prática reiterada compromete seriamente a transparência e fragiliza qualquer pretensão de democratização das oportunidades entre os cidadãos angolanos. Num ambiente onde a confiança institucional é frágil e o tecido empresarial nacional carece de apoio efectivo, a concentração de contratos públicos em mãos recorrentes transmite uma mensagem inequívoca: o mérito, ao que parece, continua a ser prerrogativa de poucos.
De forma ainda mais reveladora, quando se analisa o conjunto das iniciativas empresariais apadrinhadas ou promovidas pelo Executivo, constata-se um padrão recorrente - os protagonistas são invariavelmente os mesmos ou pertencem a círculos de influência estreitamente ligados à elite política dominante. Esta realidade impõe sérias limitações ao tecido económico do País, não apenas por excluir novas vozes e energias empreendedoras, mas também por consolidar um modelo de desenvolvimento centrado em interesses privados travestidos de interesse público.
Parece, portanto, que a meritocracia económica em Angola floresce num terreno surpreendentemente exclusivo, cuidadosamente vedado à entrada de agentes externos ao círculo do poder. As oportunidades, longe de se distribuírem de forma equitativa, parecem seguir uma lógica de filiação, onde a competência técnica e a capacidade de inovação cedem lugar à proximidade política. No fim de contas, o País assiste a uma modernização anunciada com pompa, mas executada com métodos antigos - onde o progresso é, ironicamente, reservado aos de sempre.
A concentração excessiva de riqueza, além de ser eticamente questionável, levanta importantes reservas do ponto de vista económico, sobretudo em economias em desenvolvimento, como é o caso de Angola. Uma das consequências mais relevantes reside na redução da propensão marginal ao consumo. É sabido que os indivíduos de rendimento elevado tendem a poupar uma proporção significativamente maior dos seus rendimentos do que os mais desfavorecidos, que, pela própria necessidade, consomem quase tudo o que auferem. Quando a riqueza se acumula no topo da pirâmide social, o consumo agregado diminui, enfraquecendo a procura interna - esse motor silencioso, mas indispensável, do crescimento económico nas primeiras fases de desenvolvimento. Em contextos como o angolano, onde o consumo interno tem um papel estratégico na diversificação económica, este fenómeno torna-se particularmente nefasto. Agrava-se ainda mais quando se considera que grande parte dessa poupança dos estratos mais ricos é transferida para o exterior, fruto da desconfiança no sistema financeiro nacional, da instabilidade cambial e da erosão constante do poder de compra causada por níveis elevados de inflação. Assim, não só se reduz o consumo presente, como também se inviabiliza o investimento produtivo interno, aprofundando as assimetrias e fragilizando a sustentabilidade do crescimento económico.
Para além disso, de acordo com os estudos do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, a desigualdade acentuada contribui para um subinvestimento crónico em capital humano. As famílias de baixo rendimento enfrentam obstáculos significativos no acesso a serviços básicos como a educação, a saúde e infra-estruturas essenciais, perpetuando um ciclo de exclusão social que limita severamente a mobilidade intergeracional. Assim se desperdiça, silenciosamente, um potencial humano inestimável - jovens talentos cuja criatividade, capacidade empreendedora e contributo produtivo são sufocados por barreiras estruturais. Num país com uma população maioritariamente jovem, como Angola, esta é uma perda de futuro que se esconde nas estatísticas e se revela no quotidiano.
Outro risco estrutural profundamente enraizado na concentração de riqueza é a captura do Estado pelas elites económicas. Quando uma minoria detém recursos desproporcionados, tende a exercer uma influência
desmedida sobre o desenho e a implementação de políticas públicas, moldando o aparelho estatal a favor dos seus próprios interesses. Esta prática alimenta comportamentos de extração de rendas, fragiliza o Estado de direito e distorce o sistema fiscal, erodindo gradualmente a legitimidade e eficácia das instituições democráticas. Em Angola, onde os desafios da consolidação institucional são ainda prementes, esta realidade compromete qualquer tentativa de construção de uma sociedade mais justa e coesa.
A concentração de poder económico inibe a concorrência e desincentiva a inovação. Quando os grandes grupos económicos - muitas vezes ligados ao poder político - detêm o controlo de sectores estratégicos, tornam-se capazes de bloquear a entrada de novos agentes, quer por via de barreiras formais, quer por meios informais. Esta dinâmica conduz a estruturas de mercado monopolistas ou oligopolistas, onde a eficiência é secundarizada e o progresso tecnológico estagna. O resultado é uma economia com pouca vitalidade empreendedora, onde a criação de valor é limitada e as oportunidades escasseiam para quem ousa sonhar fora do sistema estabelecido.
A analogia entre a tragédia tebana e o contexto angolano revela-se, afinal, menos literária do que estrutural: a preservação inflexível do privilégio e a distribuição desigual das oportunidades económicas - frequentemente justificadas por uma retórica de desenvolvimento e modernização - acabam por corroer as próprias bases do sistema que pretendem sustentar. Tal como em Tebas, onde a arrogância do poder recusa escutar as vozes da justiça até que a ruína se torne inevitável, também em Angola se arrisca a perpetuar um modelo de crescimento que exclui, silencia e, a prazo, implode. O que se apresenta como progresso pode, na ausência de inclusão efectiva e transparência institucional, transformar-se numa elegante antecâmara da estagnação.
Diante dos desafios estruturais que comprometem o pleno desenvolvimento de Angola, impõe-se um novo rumo económico que rompa com os vícios da exclusão e da concentração. Apela-se, pois, à Equipa Económica do Presidente João Lourenço para que conduza uma política verdadeiramente inclusiva, ancorada na transparência, no mérito e na democratização efectiva das oportunidades.
O País precisa de uma estratégia que mobilize todas e todos - independentemente da sua origem, filiação ou proximidade ao poder - para a construção de um crescimento económico sustentável, justo e duradouro. Como afirmou o Presidente Barack Obama: "A mudança não virá se esperarmos por outra pessoa ou por outro momento. Nós somos aqueles por quem esperávamos. Nós somos a mudança que procuramos". A verdade é que muito ainda pode - e deve - ser feito até 2027. Por isso, não podemos, enquanto sociedade, atirar a toalha ao tapete. Angola merece uma visão económica em que o bem comum seja o ponto de partida e não o resíduo final das decisões políticas.
*Professor Auxiliar de Economia e Investigador
Business and Economic School - ISG
21.07.2025
Bibliografia
• Era Dabla Norris, Kalpana Kochhar, Nujin Suphaphiphat, Franto Ricka & Evridiki Tsounta (2015). Causes and Consequences of Income Inequality: A Global Perspective, Staff Discussion Note No. 15/013, International Monetary Fund.
• World Bank (2024). Poverty, Prosperity, and Planet: Pathways Out of the Polycrisis;