Cerca de 10 meses depois de ter contestado a exoneração do cargo de presidente da Comissão Executiva da Sonangol Pesquisa & Produção (Sonangol P&P) - apresentada pela gestão de Isabel dos Santos como consequência do facto de essa ter sido a empresa do grupo da petrolífera nacional que "apresentou as maiores debilidades de gestão e consequentemente de desvios financeiros" -, Carlos Saturnino "renasce das cinzas" para assumir o cargo de secretário de Estado dos Petróleos.
Tendo em conta o assumido despique com a liderança da petrolífera nacional, que envolveu mesmo acusações de falta de ética - "não é correcto, nem ético, atribuir culpas à equipa que somente esteve a dirigir a empresa no período entre a segunda quinzena de Abril/2015 a 20-12-16", apontou Saturnino aquando da exoneração -, a nomeação para o Governo do ex-presidente da Comissão Executiva da Sonangol P&P reforça a ideia de que existe um jogo de forças a opor João Lourenço e Isabel dos Santos.
Afinal, ao contrário do que tem sido prática, o novo Presidente da República não teve margem de manobra para nomear o conselho de administração da petrolífera estatal, cujo mandato foi "blindado" pelo ex-Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, pouco antes de deixar a Cidade Alta.
Em causa está o despacho presidencial interno n.º17/17, de 25 de Julho, em que o Chefe de Estado estabelece que "o mandato dos titulares dos órgãos da Administração Indirecta do Estado (Empresas e Institutos Públicos ou similares) não cessam e nem estão ligados directamente ao mandato do Presidente da República, mas sim ao mandato definido no acto de nomeação".
Quer isto dizer que o sucessor de José Eduardo dos Santos deverá manter o elenco de administradores públicos herdado, orientação que "blinda" a liderança de Isabel dos Santos na Sonangol.
Isabel dos Santos "blindada" pelo pai
A decisão tornou-se ainda "mais vinculativa", tendo em conta que surgiu pouco mais de um mês depois de o então ministro e Chefe da Casa Civil, Manuel da Cruz Neto, ter instruído, através de uma circular, as administrações das empresas e institutos públicos a entregar, até 15 de Julho, uma pasta que permitisse "transferir de forma objectiva, transparente e leal ao próximo titular a gestão e responsabilidade" de cada companhia.
O documento assinado pelo então ministro e Chefe da Casa Civil generalizou a convicção de que também os herdeiros de José Eduardo dos Santos - Isabel dos Santos na Sonangol e José Filomeno dos Santos no Fundo Soberano de Angola - estariam obrigados a prestar contas e a arrumar a casa antes das eleições, interpretação que o despacho presidencial veio descartar.
Neste cenário, de administrações pré-impostas, "existe o risco de, aos olhos do público angolano e dos observadores internacionais, surgir a percepção de que existem dois poderes em Angola: a companhia nacional petrolífera e a Presidência" da República, apontou recentemente o politólogo Ricardo Soares de Oliveira.
Neste jogo de forças, a nomeação de Carlos Saturnino emerge como um trunfo a favor do novo Chefe de Estado.