Estas características climatéricas e de solos, bem como a necessidade de estruturar respostas consistentes e coordenadas de apoio às famílias afectadas, já são do conhecimento das instituições e de especialistas nacionais, assim como das comunidades locais. Portanto, não faz sentido que quase todos os anos as autoridades governamentais, ao nível central, actuem como se estivéssemos diante de um fenómeno novo e se mostrem surpreendidas com a penúria alimentar.

Se é verdade que as estiagens prolongadas são um fenómeno natural e cíclico, já os mecanismos de mitigação do seu impacto na vida das populações deve resultar de decisões políticas para enfrentar o problema. Trata-se de decisões que devem obedecer os fundamentos científicos do "pastoralismo" e atender ao facto de que a questão da água deve estar associada às relações sociais e económicas que emergem do trinómio que envolve o homem, o gado e o pasto.

Neste sentido, ao equacionar o problema da água nestes municípios há que observar, entre outros, o modelo de prestação de serviços sociais para atender eumbos (comunidades locais) compostos por três a cinco agregados familiares (diferente das comunidades no centro e norte do país com maior densidade populacional).

Há que equacionar, igualmente, as necessárias linhas de transumância num sistema de maneio de gado essencialmente extensivo, além da implementação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional diferenciadas, como por exemplo a introdução de culturas agrícolas resistentes à seca (batata doce e mandioca) e a disseminação de animais de pequeno e médio porte de reprodução rápida (como os caprinos e aves/galinhas e patos).

Ao longo dos anos, particularmente após a independência, ocorreram sucessivas experiências governamentais e não-governamentais de abertura de chimpacas (reservatórios a céu aberto) e furos, no sentido de mitigar a escassez de água no município. Porém, várias destas iniciativas, pouco coordenadas e limitadas em termos de recursos, não se revelaram suficientes para lidar com a dimensão do problema.

No entanto, a partir de 2017, em várias localidades do município dos Gambos, iniciou-se a construção três sistemas de retenção de água, nomeadamente: oito "cisternas calçadão" com capacidade de 60 mil litros de água cada; um "tanque a céu aberto" (chimpaca melhorada) com capacidade de três milhões de litros; um "tanque Bercard" (reservatório alimentado por águas colhidas do alpendre) com capacidade de 450 mil litros.

O processo, liderado pela ADRA, contou com a participação activa das comunidades locais, engajamento da Administração Municipal e Governo Provincial, o conhecimento de especialistas da região do semi-árido brasileiro e o apoio norueguês. Têm sido beneficiadas cerca de 70 famílias distribuídas pelos eumbos próximos das infraestruturas, para além do "abeberamento" do gado com a água captada através da chimpaca melhorada da localidade do Ngueia.

Numa avaliação realizada aos três modelos referidos, a conclusão foi de que a "cisterna calçadão" oferece vantagens e é a mais adequada para efeitos de disseminação pelas seguintes razões: i) são estruturas de pequena dimensão; ii) apresentam baixo custo e são de fácil manutenção; iii) a qualidade da água pode ser controlada, uma vez que desde a captação ao armazenamento tudo se processa dentro do sistema a céu fechado; iv) pode ser adaptada, à estrutura, uma bomba manual e construído um bebedouro próximo, possibilitando fornecer água para os animais sem contaminar o restante reservado; v) em anos de maior dificuldade, as "cisternas calçadão" podem ser utilizadas como reservatórios abastecidos por diferentes vias.

De qualquer forma, esta experiência não deve ser vista de forma isolada. Pelo contrário, há que complementar com outras vias de disponibilização de água, como por exemplo projectos estruturantes de médio e longo prazo de construção de infraestruturas de aproveitamento da água dos rios.

Por último, deve ser mencionado que a concretização desta experiência obedece a pressupostos metodológicos e a um conjunto de estratégias de trabalho, de que se destaca o envolvimento e a capacitação das comunidades, a responsabilização das lideranças comunitárias pela gestão das infraestruturas, a introdução de culturas agrícolas resistentes à seca, o engajamento da Administração Local, a assessoria técnica especializada e o suporte financeiro. Tudo isso articulado com acções de fortalecimento da consciência de cidadania, da organização comunitária e do desenvolvimento do capital social.

* Belarmino Jelembi é director geral da ADRA - Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente

** O texto contou com apoio de Simione Justino, Director da ADRA na província da Huíla