Na primeira entrevista, em meu entender, o ministro não foi feliz no modo como expressou uma ideia que até poderia não estar errada. Mais do que condenar o consumo de pão, poderia ter dito que pode haver outras opções, entre as quais a sua substituição por outros alimentos, o que, aliás, acontece com uma grande parte da população, principalmente nas áreas rurais, aonde não chega nem nunca chegou pão de trigo, ou ainda, a produção de pão com menor percentagem de trigo, como acontece noutros países.

Aí eu estaria de acordo com ele. No meu tempo de criança, em Calulo - Libolo, província do Kwanza-Sul, tinha um amigo de 10 anos mais velho do que eu, o Alfredo, que partilhava comigo as suas vivências no difícil quotidiano da época. Uma das que me recordo melhor era a descrição do seu matabicho, que se resumia a mbonzo (batata-doce) e chá de caxinde; pão, só no Natal. O Alfredo era um assimilado, graças ao esforço da família, para que tivesse frequentado a escola da Missão Católica. Assimilado era também o seu primo Zé Milagre, que, por essa razão, pois não havia outra, foi barbaramente assassinado pelos colonialistas da terra em retaliação aos acontecimentos de 15 de Março no Norte de Angola. Com medo que lhe acontecesse o mesmo, Alfredo refugiou-se nas matas do Kindungo e nunca mais soube dele, excepto que tinha virado "povo", na concepção que este termo passou a ter para certas elites angolanas de hoje, isto é, passou a ser camponês com enxada e catana. Possivelmente nunca mais tenha comido pão de trigo.

Algumas semanas depois da entrevista originária, o ministro da Economia e Planeamento, no mesmo programa televisivo, revelou uma suposta produção nacional de trigo quando pretendia referir-se à farinha de trigo. Como tantas vezes acontece com a transmissão deturpada de uma mensagem, o diário O País de 13-8-20 e o semanário Novo Jornal de 14-8-20 noticiaram que a produção de trigo em Angola havia aumentado 18% em 2019, tendo atingido 333 mil toneladas, citando o governante.

A falta de rigor na informação no nosso País sempre foi uma questão séria, que se agrava quando se trata de números, particularmente do sector da Agricultura. Essa notícia, com a chancela de um ministro, pode originar desinformação muito perniciosa e contribuir ainda mais para a descredibilização das nossas instituições. Na entrevista, o ministro, apercebendo-se do lapso, corrigiu-o e, questionado pela entrevistadora, referiu que Angola não tem condições edafo-climáticas para ser auto-suficiente na produção de trigo, o que está absolutamente correcto. Porém, fê-lo com pouca ênfase, o que terá levado os jornalistas a citarem-no sem as devidas precauções para a confirmação. Para se ter ideia da dimensão do erro, é bom saber que a produção de trigo em Angola estava a decrescer nos últimos anos antes da independência, tendo passado de 21.355 toneladas em 1967 para 10.145 em 1972, de acordo com dados da Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola. Para atingirmos as 333 mil toneladas expressas pelos jornais, teríamos de ter aumentado cerca de 30 vezes, o que seria um verdadeiro milagre.

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