O projecto do Cafu foi criado para o combate aos efeitos da seca no Cunene, mas, pelo que o Novo Jornal constatou, a seca continua e as pessoas estão sem comida e água. A miséria é a mais pura realidade nas regiões de Ombala Yo Mungu, Namacunde e Ndombondola.

As reservas de águas e de alimentos que as populações fizeram durante as últimas chuvas na região, em Janeiro último, quase já não existem.

O gado continua a ser levado a quilómetro de distância por jovens e crianças para ser alimentado nas poucas águas que o Cafu apresenta, em resultado do baixo caudal do Rio Cunene.

A região da Cahama é onde por vezes aparece água para pessoas e animais, mas através das chimpacas (escavações feita pelos homens), que, apesar de vistas um pouco por toda a região, é difícil encontrar uma com água, e, quando se encontra, a bebida é dividida entre populares e animais.

Bois, porcos, cabritos e burros são os animais que mais aparecem nas zonas rurais da província do Cunene.

Muitas crianças e jovens não estudam, por falta de escola nas localidades, e ajudam os pais a tratar dos pastos. São eles os responsáveis por levar os animais a quilómetros e quilómetros de distância para os alimentar.

A seca traz muitos desafios para as famílias: além do esforço de cavar poços, percorrem quilómetros de distância até alcançarem o Cafu.

Mario Umbembe, de 13 anos, e Uxalaló Tchivia, de 14, caminham há três horas ao lado dos burros carregados com baldes de água, de Ombala Yo Mungu para Ondobe -Ya- Kaoli, para tentar matar a sede em casa.

"Amigo, temos fome, não têm aí comida para nos dar?", perguntaram os rapazes com vozes tremulas ao repórter do Novo Jornal. A rotina destes pequenos assemelha-se à de milhares de crianças e adolescentes em quase todas as zonas rurais do Cunene, que percorrem longas distâncias em busca de água.

"Estamos a sofrer muito aqui em Ondobe -Ya- Kaoli, não temos água nem comida. O Governo não nos ajuda e pensa que o canal vai nos dar tudo", relatam os habitantes.

Para dar de beber ao gado, os populares são abrigados a caminhar até ao canal do Cafu, a 20 quilómetros da aldeia de Ondobe -Ya- Kaoli.

Apesar de ter minimizado a deslocação das populações, que antes deixavam o Cunene para ir para outras províncias, a pé, à procura de água, o Cafu não resolveu o problema da seca na região, como muitos pensavam.

Nem os furos de águas abertos, em toda a província, são capazes de atenuar o sofrimento da população.

A água do Cafu é suja e há locais em que a lama impede o seu percurso. As fezes dos animais e os amontoados de lixo são uma visão terrível para os olhos de quem por lá passa.

Tanto nas chimpacas como no canal, a água é imprópria para o consumo humano, mas por carência e falta de alternativa, as populações bebem, cozinham, alimentam os animais e higienizam-se com essa água.

Contam as pessoas da região que estão acostumados com a pobre situação e que quando adoecem, usam plantas e folhas que alegam ser medicinais.

"O nosso medicamento aqui são as plantas e folhas tradicionais. Não há hospitais nem outro tipo de medicamento", descrevem.

Nestas áreas rurais, as pessoas não sabem se têm saúde ou não, mas dizem que quando adoecem muito, a pessoa vai a óbito.

Entretanto, os camiões e as moto-cisternas entregues pelo Governo para mitigar os efeitos da seca, distribuindo água para o consumo, mal se vêem.

Ao Novo Jornal, populares afirmaram que apenas funcionaram em pleno em 2021, após a inauguração do canal.

Em diversas aldeias e comunas, asseguram os habitantes, os camiões e as moto-cisternas vendem a água às populações, mas engana-se quem pensar que se trata de água potável ou tratada. É a mesma água imprópria do canal do Cafu.

Na região de Ondobe -Ya- Kaoli, em Ombala Yo Mungu, o Novo Jornal assistiu à entrega de uma escola primária ao Governo provincial do Cunene, pelo Banco de Fomento Angola (BFA), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), no âmbito do projecto BFA + Água + Vida, construída de raiz, para acolher mais de 150 crianças que anteriormente estudavam debaixo das árvores.

Satisfeita com a construção da escola pelo BFA, a população de Ondobe -Ya- Kaoli, em Ombala Yo Mungu, manifestou alegria, mas implorou ao Governo para que os ajude com água e alimentação por causa da seca.

"Estamos a sofrer muito aqui, não temos água nem comida. O Governo não nos ajuda desde a inauguração do canal", relatam os habitantes que há muito não praticam actividades agrícolas.

Relatos idênticos ouvem-se também de populares das zonas de Xangongo, Okaku e Ombadja, que alegam que foram abandonados pelas autoridades desde a entrega do Cafu.

Encontrar água é, na verdade, a actividade de muitas familiais nestas localidades.

As chuvas de Janeiro e Fevereiro não trouxeram nada de novo nem alteraram a vida dos camponeses e do gado, que é a principal riqueza das famílias destas regiões.

Fome e miséria continuam a ser um problema para as populações

O grito de socorro vem das famílias que na pele vivem a seca no Cunene - são na sua maioria mulheres, velhos e crianças que, sem alternativa, afluem às administrações comunais para junto das autoridades do Estado pedirem ajuda.

Dos relatos colhidos no local, as famílias referem que deixaram de receber apoio das organizações não-governamentais e da sociedade civil desde que o Estado assumiu que ficou ultrapassada a questão da fome e da seca no Cunene.

"Não temos comida e água ou apoio do Estado. As doações que anteriormente eram feitas deixaram de acontecer. Aquilo já nos ajudava e queremos que continue porque estamos a sofrer de fome", descrevem.

Não temos e pedimos que venham dar-nos apoio porque precisamos, prosseguem os habitantes, assegurando que a água do Cafu não chega a todas as regiões e a alimentação é o que mais os preocupa.

"Queremos que o Governo venha com água e comida, como fazia antes da entrega do Cafu", disse o responsável comunal que solicitou anonimato.

Em Ombala Yo Mungu, o Novo Jornal encontrou um grupo de autoridades tradicionais que em nome das comunidades foram pedir ajuda ao Governo porque, segundo contam, a fome é uma realidade e pedem ajuda humanitária para minimizar a situação.

"Não há comida, o massango (cereal típico da região e que serve de alimento único) está a terminar. Assim, somos obrigados a ir até ao mercada da Alemanha, em Ondjiva, para vender os nossos animais ou fazer trocas por comida", disse o regedor Mota Adão Pedro.

Eliseu Sérgio, o administrador da região do Nepolo, em Ondobe -Ya- Kaoli, confirmou ao Novo Jornal a existência da fome e seca na região, tendo contado que no final de 2022, duas crianças morreram de fome.

"É muita fome que existe aqui, o Governo Provincial do Cunene nada tem feito para aliviar o sofrimento das populações porque diz que também depende de Luanda", contou o responsável da povoação do Nepolo.

Segundo este responsável, a população vive na miséria extrema e a fome faz com que muitos jovens procurem a Namíbia como solução e acabem por abandonar o País.

O Novo Jornal testemunhou que apenas o massango serve de único alimento para as populações das regiões de Nepolo, Ombala Yo Mungu, Namacunde, Ndombondola e Ombadja.

Sobre este assunto, o Novo Jornal tentou sem sucesso ouvir as autoridades da província do Cunene.