Embora ainda longe dos 66,25 USD de 02 de Janeiro, quando só em pequenas notícias de fundo de página se tinha ouvido falar num desconhecido vírus que estava a surgir num mercado de animais vivos e carne, na cidade chinesa de Wuhan, que começava a criar dores de cabeça às autoridades de Pequim mas acabaria por levar a economia global ao estado de coma, os 50,63 USD de hoje, perto das 09:50, hora de Luanda, mais 1,32% que no fecho da sessão de sexta-feira, são um claro sinal de que algo começa a mexer a sério no sector dos petróleos.
Por detrás deste recorde de quase 10 meses está o surgimento de um conjunto de vacinas provadamente eficazes no combate à Covid-19, com dois países oficialmente com campanhas nacionais de vacinação já iniciadas, a Rússia, com a sua Sputnik V, primeiro, e depois o Reino Unido, com a vacina da Pfizer/BioNTech, bem como o anúncio de outras que aguardam apenas pela aprovação dos reguladores nacionais para serem administradas.
A promessa do princípio do fim da pandemia está a aliviar as principais economias do mundo, as maiores consumidoras de energia, desde logo os EUA e a Europa, visto que a China está sem alertas pandémicos há meses, e isso tem-se vindo a sentir nos mercados que estão a valorizar o barril de crude há meses, especialmente desde finais de Outubro, quando a promessa de vacinas passou de esperança simples a certeza sem prazo definido.
E isso é hoje, mais que nunca, visível, tanto no Brent (contratos de Fevereiro), vendido em Londres, a chegar aos 50,63 USD, como no WTI de Nova Iorque, (contratos de Janeiro) onde bateu hoje, à mesma hora de Luanda, nos 47,06, onde não estava desde 27 de Fevereiro, provando desta forma que entre as duas "margens" do Atlântico, há uma linha que une e anima os negociantes de crude: a febre dos lucros.
Mas, como alertam os analistas mais cépticos, nada existe de mais sensível aos mínimos sinais que os mercados do petróleo para levar o pessimismo a transformar-se em perigoso optimismo - o inverso leva a mesma quantidade no... "barril" -, sendo, para evitar essas oscilações, necessário que os efeitos das vacinas se sintam rapidamente no declínio das infecções diárias pela Covid-19.
Explosão em Jeddah
Igualmente a empurrar para cima o preço do crude está a informação veiculada pelas agências de notícias sobre um, embora ainda por confirmar, possível ataque a um petroleiro na Arábia Saudita que estava a atracar no porto da cidade de Jeddah, seguido de explosão, o que levou, como sempre sucede nestas circunstâncias, um nervoso miudinho aos mercados que se traduziu num impulso positivo nos preços tendo em conta que os sauditas são o maior exportador de crude mundial e qualquer disrupção gera receios nos mercados.
O Médio Oriente é uma das mais tensas regiões do mundo, onde é produzido mais de 20% de todo o crude que alimenta a economia global e é partilhada por dois gigantes e inimigos, o Irão e a Arábia Saudita, que subsidiam por interpostos actores uma guerra dolorosa no Iémen, onde os rebeldes já atacaram várias instalações petrolíferas de Riade com mísseis de médio alcance produzidos no Irão.
De acordo com alguns dos principais analistas, neste momento a recuperação para valores pré-pandémicos está dependente de dois factores essenciais: o mais importante é averiguar se as grandes economias mundiais começam a aligeirar os confinamentos - neste momento, a Europa e os EUA estão a reforçar esses mecanismos de controlo devido à época natalícia - e se o Irão, um dos maiores produtores globais voltará em breve aos mercados normalmente devido à chegada de Joe Biden à Presidência dos EUA, substituindo Donald Trump, que rompeu o acordo nuclear com Teerão de 2015 e voltou a impor sanções que impedem o comércio normal de crude neste gigante mundial da produção.
OPEP+ volta a sentar experts à mesa
Um sinal muito importante sobre o que serão os próximos dias nos mercados petrolíferos deverá sair da reunião virtual de quarta-feira do Comité Ministerial Conjunto de Monitorização (JMMC) da OPEP+, a organização que junta os Países Exportadores (OPEP) e um grupo de não-alinhados liderados pela Rússia, enquanto os ministros dos 23 países vão estar, igualmente por videoconferência, reunidos a 04 de Janeiro.
O objectivo destes encontros é estudar os mercados e a forma como as últimas decisões foram absorvidas por estes, nomeadamente a questão da injecção de mais 500 mil barris por dia a partir de 01 de Janeiro, depois de ter sido alterado o calendário normal que seria aumentar a produção em 2 milhões de barris por dia (mbpd) logo no arranque de 2021.
O programa de cortes para equilibrar os mercados fortemente fustigados pela pandemia, em vigor desde o início deste ano, com menos 7,7 mbpd a entrar nos mercados, previa que a 01 de Janeiro, estes diminuíssem para 5,7 mbpd, mas, devido ao prolongar dos efeitos nefastos da Covid-19, os membros da OPEP+, por proposta do JMMC, aceitaram que seja apenas aumentada a produção em 500 mbp até final de Março.
Apesar de esta medida não ter reunido consenso total, os membros da OPEP+ aceitaram segui-la mas com a condição de análises pontuais de forma a constatar se a medida pode ser retirada face ao esperado declínio da pandemia e o consequente retomar da normalidade nas grandes economias consumidoras de petróleo.
Angola na encruzilhada dos mercados
Estas movimentações da OPEP+ têm um efeito directo na produção nacional apesar de Angola estar numa encruzilhada histórica na sua indústria petrolífera, com acentuadas quedas anuais, muito porque as multinacionais têm estado a suspender os investimentos, desde 2014 mas com maior ênfase desde a explosão da pandemia da Covid-19, não só diminuindo a produção como efeito directo, mas, ainda mais importante, com estes efeitos a projectarem-se para o futuro devido à diminuição da pesquisa e dos efeitos substanciais na infra-estrutura produtiva por menor empenho na manutenção dos equipamentos.
Com a produção limitada a menos de 1,3 mbpd, devido ao impacto do desinvestimento, a pandemia, segundo alguns analistas pode mesmo estar a camuflar os problemas estruturais da indústria petrolífera nacional, porque, como avançava em Março de 2019 a Agência Internacional de Energia, Angola deveria estar a produzir em 2023 apenas 1,29 mbpd devido ao desinvestimento estrutural das "majors", mas com o surgimento da pandemia, esse impacto foi, forçosamente, antecipado.
Com o OGE 2021 elaborado com um preço de referência para o barril nos 39 USD, os actuais quase 51 representam um volumoso superavit que permite ao Executivo gerir com maior folga os seus compromissos fundamentais, desde logo os internacionais relacionados com os compromissos da dívida.
O crude é ainda responsável por mais de 50% do PIB nacional, cerca de 94% das exportações e mais de 60 por cento das receitas do Executivo, o que não deixa margem para dúvidas sobre a dependência que Angola mantém, há décadas, da matéria-prima e do sofrimento gerado a cada oscilação negativa nos mercados internacionais, como foi o melhor exemplo a crise pandémica que estalou no início de 2020.
Um dos sinais mais importantes notados pelos analistas dos mercados nestes últimos dias foi a opção de compra de futuros pelos gestores dos hedge fund norte-americanos, o que já sucede há cerca de quatro semanas consecutivas, cujos oráculos raramente falham nas previsões de fazem no médio e longo prazo, desde que não sejam surpreendidos por um "cisne negro" como foi o caso da pandemia da Covid-19.
A ajudar a esta festa estão ainda os mais recentes dados lançados pela Agência Internacional de Energia que estima que a produção nos EUA vá declinar em mais de 240 mil barris por dia em 2021.