A capital do Kivu Norte está já tomada nos seus subúrbios pelos guerrilheiros do Movimento 23 de Março, ou M23, que, depois de avanços sem oposição para as cidades de Masisi e Minova, importantes nós rodoviários na direcção de Goma, estão agora à beira de conseguir esse objectivo estratégico.
Apesar da oposição das unidades de combate da MONUSCO, a missão das Nações Unidas no Congo, uma das poucas com autorização formal do Conselho de Segurança para o uso da força militar, da SAMIRDC, da SADC, e das Forças Armadas (FARDC), o M23 não mostra fraqueza e avança resoluto sobre Goma, podendo mesmo já estar na posse de toda a área urbana de Goma.
Os media locais falam em dezenas de mortos entre os militares da ONU e das FARDC, sendo igualmente relatados dezenas de guerrilheiros abatidos durante o assalto a Goma, sendo o cenário mais esperado que a capital do Kivu Norte tombe por completo nas próximas horas.
O M23, que tem o apoio em armas e em logística do sofisticado Exército ruandês, como o demonstram relatórios da ONU e de organizações internacionais desde 2022, e o Governo congolês já usou essas evidências para levar o assunto ao Conselho de Segurança da ONU exigindo sanções contra Kigali.
O Governo do Presidente Paul Kagame, em Kigali, refuta as acusações de estar a apoiar o M23, mas a verdade é que as provas amontoam-se contra si, tendo mesmo a RDC cortado relações com o Ruanda este Domingo, 26, fechando a sua embaixada na capital ruandesa.
Perante este cenário em rápida evolução para um confronto militar entre a RDC e o Ruanda, cabe agora à União Africana, e ao seu "campeão da paz", o Presidente angolano João Lourenço, tentar evitar que o primeiro tiro seja disparado para evitar aquilo que tem todos os condimentos para ser a maior catástrofe militar em África das últimas décadas.
Embora o M23 já tenha reivindicado a tomada de Goma, os combates continuavam ainda esta manhã de segunda-feira, 27, havendo ainda notícias nas agências internacionais sobre um ultimato dos rebeldes ruandeses para que as FARDC e os militares da ONU se rendam e deponham as armas.
A ONU, a partir dos seus escritórios regionais, já denunciaram a fuga de milhares de pessoas de Goma, onde habitam mais de 2 milhões de pessoas, e o pânico generalizado face ao avanço fulminante das forças rebeldes que, devido à forma organizada e metódica com que tomaram tanto território em tão pouco tempo, demonstram estar não apenas bem armadas como bem assessoradas...
Com a tomada de Goma, se se vier a confirmar, a RDC deixa de ter presença do Estado numa parte relevante do leste do país, sendo que se trata da área de maior concentração de minas onde é extraída a maior parte do coltão e das terras raras que alimentam a indústria mundial das novas tecnologias, que passam a assim a ser controlados pelo... Ruanda.
As fontes citadas pelos media internacionais relatam que o M23 está a exigir que os homens das FARDC, do contingente regional da SADC (SAMIRDC) e da ONU que ainda resistem deponham as armas e se concentrem de livre vontade no estádio de futebol da cidade de Goma.
Perante esta derrota catastrófica da ONU e do Governo de Kinshsasa, bem como do contingente internacional enviado para a região como força de interposição de paz, no âmbito das negociações encetadas por João Lourenço, o Secretário-Geral da ONU já veio exigir ao M23 que trave as actividades hostis e garante a salvaguarda dos civis.
António Guterres pediu às forças apoiadas pelo Ruanda para deixarem o Congo e para deixarem de guarnecer o M23 das armas e da logística que lhes permite progredir no tereno com tamanha rapidez e destreza.
O chefe da ONU "reitera a condenação do ofensiva do M23 sobre a região e o apoio do Ruanda", disse o seu porta-voz, Stephane Dujarric, citadio pela Al Jazeera.
E, neste contexto inflamado, que pode levar a um confronto militar entre os dois países de dimensões impossíveis de imaginar, como, de resto, os antigos Presidentes da RDC, Joseph Kabila, e de Angola, José Eduardo dos Santos, sublinharam por diversas vezes, tendo o angolano dito mesmo que se uma guerra nos Grandes Lagos começar, ninguém poderá dizer nem como nem quando vai acabar ou envolver.
Para já, segundo a ministra dos Negócios Estrangeiros da RDC, Therese Kayikwamba, que falava perante o Conselho de Segurança da ONO, em Nova Iorque, além do apoio claro do Ruanda ao M23, unidades de combate do seu Exército "entraram nas últimas horas pela fronteira de Goma, na área de Gisenyi".
A ministra congolesa disse ainda que esta acção do Ruanda "é uma clara declaração de guerra que deixou de se esconder por detrás de artifícios" mas deixou ainda garantias de que as FARDC e as unidades da SAMIRDC "vão continuar a combater", ao mesmo tempo que exigia ao Conselho de Segurança que imponha sanções severas ao Ruanda, incluindo aos seus decisores políticos, explicitamente o Presidente Kagame, como o congelamento de bens e proibições de deslocações ao exterior.
Além da ONU, também a França e o Reino Unido apontaram o dedo a Kigali e exigiram que o Ruanda trave o apoio aos rebeldes.
Para a União Africana e as organizações regionais, como a CIRGL (Grandes Lagos), SADC ou CEEAC (África Central), a questão é actualmente de extrema importância porque as consequências de um conflito entre a RDC e o Ruanda teriam implicações muito para além das suas fronteiras nacionais.
Desde logo o aumento exponencial dos refugiados, que já são mais de seis milhões, crises humanitárias ainda mais severas, mas também em projectos transnacionais, como é o caso relevante para Angola do Corredor do Lobito...
O reacender da fornalha
Esta mais recente fase da crise congo-ruandesa começou em Outubro do ano passado, quando os rebeldes do M23 romperam todos os compromissos conseguidos nas várias Cimeiras de Luanda, inclusive acordos de cessar-fogo repetidamente queimados pelos guerrilheiros, apesar do forte contingente militar enviado para a zona pelos países vizinhos...
Mais recentemente, já este mês de Janeiro, depois de terem tomado Masisi e Minova, localidades situadas nas duas vias de acesso a Goma, os rebeldes do Movimento 23 de Março, ou M23, estão a conseguir furar as últimas linhas defensivas das forças leais a Kinshasa.
Para enfatizar a preocupação que é uma tomada de assalto bem conseguida da cidade de Goma, com mais de 2,5 milhões de pessoas, a ONU, através do Alto Comissário para os Direitos Humanos, já veio lançar um alerta para a iminente catástrofe humanitária que esse avanço será.
Isto, porque o leste congolês, especialmente nos dois Kivu, Norte e Sul, e Ituri, é uma das regiões mais afectadas pelo fenómeno dos deslocados internos em fuga permanente à violência étnica e guerrilheira, com mais de 6 milhões de pessoas nessa condição.
E Goma cair nas mãos do M23, acelera ainda mais a crise humanitária. que já é gigantesca, fruto de três décadas de violência, com origem no genocídio de 1994, no Ruanda, complementada pela disputa dos seus vastos recursos naturais, será severamente agravada.
Além desse problema, a tomada de Goma deixa o Governo da RDC do Presidente Félix Tshisekedi, que já ameaçou por diversas vezes uma guerra com o Ruanda, o país vizinho que apoia este grupo rebelde, como as Nações Unidas provaram em 2022, em muito maus lençóis, podendo ser a chama que acende o rastilho ligado ao barril de pólvora que é toda a região dos Grandes Lagos.
Por se tratar de uma situação de enorme melindre, o Presidente angolano, João Lourenço, tem, em nome da União Africana, conduzido parte fundamental das negociações para a estabilização regional, incluindo diversas Cimeiras em Luanda.
Pela capital angolana, passaram, nos últimos cinco anos, todos os líderes regionais com ligações a esta crise RDC/Ruanda, incluindo, naturalmente os Presidentes Tshisekedi e o seu homólogo ruandês Paul Kagame, mas nada parece demover o M23 das suas conquistas e dos interesses que perseguem.
Apesar de, no quadro desses esforços, ter sido deslocado para esta região em brasa um contingente militar substancial para impor o fim das hostilidades, o M23, uma e outra vez, sempre furou os acordos de cessar-fogo conseguidos em Luanda por João Lourenço.
E agora, apesar dessa presença, são as Forças Armadas da RDC (FARDC) que procuram travar o avanço dos rebeldes mas, ao que tudo indica, sem sucesso porque, depois de, como o Novo Jornal noticiou qui e aqui, terem tomado Masisi e depois Minova, estes tomaram Saké e Bambiro.
Estas duas localidades são de extrema importância estratégica porque estão em cima do nó rodoviário da N2, R529 e RP 1030, as três vias de acesso a Goma a partir do oeste do Lago Kivu, o que deixa os guerrilheiros apenas com cerca de 15 quilómetros da grande cidade que se situa na linha de fronteira com o Ruanda.
Com este avanço, os homens do M23 não apenas ganham uma situação de vantagem no confronto com uma eventual reacção musculada das FARDC, como já assumiram posições de controlo sobre as mais relevantes áreas mineiras da região, incluindo no Kivu Sul.
A partir de Genebra, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos admite estar "muito preocupado" com este desenvolvimento, que, avisa Ravina Shamdasani, porta-voz desta agência das Nações Unidas, só este ano já provocou 400 mil desalojados.
Segundo os relatos de repórteres na região, a cidade de Goma está à beira do pânico generalizado porque as explosões e os tiroteios já se ouvem nos subúrbios enquanto das suas unidades hospitalares, muito depauperadas, são assoladas por vítimas dos confrontos, civis e militares.
Estes avanços do M23 foram reatados em 2021, depois de um longo interregno de quase uma década em que este grupo se refugiu na sombra, tendo voltado com grande capacidade ofensiva, bem armados e com forte apoio logístico, que é fornecido pelo Ruanda, segundo o Governo de Kinshasa e a ONU.
O histórico
Por detrás desse apoio está a exploração de minerais estratégicos valiosos (ver links em baixo), como o coltão ou o cobalto, que são reexportados pelo Ruanda como sendo provenientes do seu subsolo mas sem que se conheça a existência de reservas no lado ruandês destes recursos naturais.
Perante a ameaça séria de uma guerra entre a RDC de Felix Tshisekedi e o Ruanda de Paul Kagame, com dezenas de escaramuças fronteiriças a suportar essa possibilidade, o Presidente angolano encetou uma "batalha" diplomática para estabilizar a região.
Para isso contribui ainda o Quénia, no âmbito da Comunidade da África do Este (EAC), que, com Angola, tem servido de palco para sucessivas rondas negociais, algumas delas promissoras, como quando, em 2023, em Luanda, Paul Kagame se comprometeu em pugnar junto dos lideres do M23 para aceitarem depor as armas.
Tal nunca foi efectivamente concretizado, apesar de ao longo de 2024 terem sido definidos os ditames das tréguas que duraram meses e foram vigiadas e garantidas por um continente militar de interposição com milhares de militares oriundos de países como Angola, África do Sul, Quénia ou, entre outros, Uganda.
Porém, como tinha sido regular nos últimos meses de 2024, agora, em 2025, ainda o ano está a arrancar é já se começa a perceber que o M23 não vai dar descanso aos líderes dos esforços diplomáticos, onde está o Presidente João Lourenço, como pode ser revisitado nos links em baixo, nesta página.
O mapa das conquistas do M23 no Kivu Norte e no Kivu Sul segue os filões dos recursos naturais que são mais cobiçados pelas grandes indústrias globais, desde as comunicações (coltão) à aeronáutica (cobalto).
Com as vagas de assaltos do M23, Kinshasa ficou sem controlo de algumas das mais vastas áreas de exploração mineira, perdendo assim milhões USD para os garimpeiros ilegais que fazem estes recursos chegar ilegalmente aos mercados internacionais via Ruanda ou outras geografias.
Por detrás desta renovada ofensiva dos rebeldes está, seguramente, a fricção entre Tshisekedi e Kagame que, apesar dos esforços de intermediação de Lourenço, parece ter chegado a um ponto de ebulição devido à imparável chama dos interesses económicos no leste congolês.
Além das perdas económicas, estes avanços do M23 resultam ainda como uma poderosa dor de cabeça para as autoridades congoleses que se encontram já com uma severa crise humanitária entre mãos.
Isso, devido aos quase cinco milhões de pessoas que se encontram em campos de refugiados em vários locais, devido à violência - são mais de 100 os grupos de guerrilheiros, milícias e bandidos organizados na região - e com tendência de crescimento sem fim à vista.
Há relatos de que os combates entre as forças congolesas e os guerrilheiros fazem mais de 20 mil mortos anualmente, sem contar com os milhares de vítimas civis, que são a larga maioria.