Há um ano que o Kasai, na RDC, é palco de uma das mais sérias erupções de violência étnica em África, com impacto directo em território angolano devido aos refugiados desta província congolesa na Lunda Norte, sem que se saiba quem está efectivamente por detrás deste conflito.

No início parecia uma sublevação de um chefe tradicional, Kamwina Nsapu, descontente com o Governo central de Kinshasa, mas, um mês depois da eclosão da violência, em Julho de 2016, Nsapu foi morto pelas forças de segurança e a violência continuou.

E o grau da violência foi sempre aumentando até que surgiram, já este ano, depois da morte de dois especialistas estrangeiros, uma sueca e um norte-americano, ao serviço da MONUSCO, a missão da ONU na RDC, em Março, suspeitas de que interesses políticos poderiam estar a alimentar a fornalha em que se transformou o Kasai, província congolesa que faz fronteira com a angolana Lunda Norte.

A primeira suspeita recaiu sobre um deputado eleito pelo Kasai, que foi apanhado em escutas telefónicas a falar com um líder miliciano, de quem recebia informações do terreno e incentivava, ao mesmo tempo, à destruição das aldeias pelo fogo e a morte das populações.

As suspeitas recaíram, embora timidamente expostas, sobre o Governo do Presidente Joseph Kabila, que poderia estar a querer justificar um novo adiamento das eleições com as situações de violência no país, nomeadamente no Kasai e nos Kivu, Norte e Sul, depois de já ter adiado as eleições de Novembro do ano passado sob a justificação de que não tinha havido condições para realizar o registo eleitoral.

Kabila não pode candidatar-se a um novo mandato e, num acordo de último minuto, depois de confrontos nas ruas de Kinshasa que fizeram centenas de mortos em Setembro e Dezembro do ano passado, aceitou realizar eleições ainda este ano, prometendo não tentar de novo uma recandidatura, que a Constituição não permite por já ter cumprido dois mandatos.

Agora, somam-se as vozes que apontam Kabila como um dos responsáveis pela violência no Kasai, sendo uma delas a do empresário e coleccionador de arte africana Sindika Dokolo, natural da RDC, casado com Isabel dos Santos, que, numa recente entrevista a um jornal belga, suscitou a dúvida, admitindo mesmo que se pode estar perante um caso de alta traição.

E é no seguimento destas dúvidas que a ONU se juntou ao coro daqueles que exigem um inquérito exaustivo, a realizar por uma equipa multissectorial e internacional, às origens do conflito no Kasai, cujas ramificações estão bem patentes na Lunda Norte, onde já estão pelo menos 30 mil refugiados desta guerra de origem tribal, incluindo milhares de crianças, mulheres e idosos.

O ACNUDH ameaçou o Governo de Kabila de pedir uma investigação internacional se até quinta-feira, amanhã, não obtivesse uma resposta afirmativa de Kinshasa para esta exigência, o que aconteceu hoje.

Zeid Ra'ad Al Hussein, Alto-Comissário para os Direitos Humanos, foi muito claro ao afirmar, terça-feira, na abertura da 35ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos, em Genebra, que a exigência de um inquérito rigoroso foi comunicada a Kinshasa sem que tenha havido qualquer resposta, deixando no ar a ideia de que o Governo da RDC não tinha interesse que este viesse a realizar-se.

"O Governo da RDC não tem nada a esconder. Estamos abertos a todo o tipo de apoio logístico e técnico e que a ONU envie especialistas para acompanharem as investigações congolesas sobre o assassinato dos funcionários das Nações Unidas mortos no Kasai e de todos aqueles que foram mortos até agora pelas milícias", afirmou a ministra dos Direitos Humanos da RDC, Marie Ange Mushebekwa.

A violência no Kasai já fez mais de 400 mortos, muitos dos quais encontrados em valas comuns encontradas por equipas da ONU, mais de um milhão de deslocados internos e pelo menos 30 mil refugiados em território angolano, na Lunda Norte, ojnde decorre um esforço internacional para dar resposta às carências que estas pessoas apresentam à chegada aos centro de acolhimento criados pelo Governo de Luanda.