De acordo com o mais recente relatório da Organização Não-Governamental (ONG) Freedom House, divulgado na semana passada, Angola figura entre os países classificados como "Não Livres", com uma pontuação de 28 em 100, a mesma constante no relatório do ano passado. Entre os PALOP's , o nosso país está alguns pontos acima da Guiné- Equatorial, o pior de todos.

O documento, não só adverte para o facto de o nosso país ser governado por um partido único há quase meio século, como também diz que as autoridades têm " reprimido sistematicamente a dissidência política".

Embora o relatório não faça referências directas à qualidade das eleições já realizadas, assim como as violações às liberdades individuais e colectivas, deixa transparecer que os pleitos eleitorais não têm sido justos e transparentes, assim como as manifestações de protesto violentamente reprimidas.

A Freedom House reconhece que houve algum esforço por parte do Executivo de João Lourenço em combater a "corrupção endémica e de aliviar as restrições à imprensa e à sociedade civil, mas volvidos 8 anos "persistem graves desafios em matéria de governação e direitos humanos".

De facto, a chegada ao poder do Presidente da República, João Lourenço, em Setembro de 2017, marcou uma viragem na comunicação social angolana, sobretudo na pública que registou nos primeiros meses da sua governação alguns avanços em matéria de liberdade de imprensa, mas com o decorrer do tempo foi perdendo o pouco que já tinha sido conquistado.

No que se convencionou chamar a "primavera lourencista", viveu-se um período de aparente abertura na abordagem dos temas antes tidos como "proibidos" ou tabus pela censura ou autocensura.

Notou-se algum esforço na busca do contraditório, assim como em escutar outras vozes e sensibilidades políticas diferentes dos habituais círculos do poder ou dos seus apêndices.

Estes avanços, ainda que tímidos, fizeram com que Angola subisse em 2018 doze lugares no ranking da liberdade de imprensa mundial, de acordo com uma avaliação da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

Segundo a mesma organização, a partir de 2019, Angola ascendeu três parcos lugares, no ranking da liberdade de imprensa no mundo, fazendo com o país continuasse a figurar na zona cinzenta.

O regresso da "lei da rolha" levou alguns observadores a considerar que o nosso país passou da fase da utopia e do entusiasmo para o país real, onde têm sido bem visíveis as marcas de um excessivo controlo governamental sobre os órgãos de comunicação públicos.

Apesar de uma série de apelos para que possam inverter o quadro sombrio, as autoridades angolanas persistem nas mesmas práticas que impossibilitam uma maior liberdade de imprensa e expressão, assim como em dar uma certa autonomia editorial aos órgãos de imprensa estatais.

Angola, ao contrário da maioria dos países que compõem a CPLP, continua a manter uma estrutura governamental que tutela a comunicação social pública, e cria uma série de barreiras que dificultam o trabalho da comunicação social privada, sobretudo dos órgãos que não alinham com as agendas governamentais.

Um dos mecanismos de controlo dos órgãos públicos tem sido exercido por via da nomeação dos seus gestores pelo Presidente da República, colocando-os numa relação de profunda subserviência em relação ao poder político.

A excessiva subordinação dos gestores públicos da comunicação social tem sido apontada como uma das causas da chamada auto censura que, na prática, inibe os profissionais do ramo de "pensarem e agirem pela própria cabeça".

Numa palavra, continuam reféns das chamadas "ordens superiores".

Ninguém em sã consciência pode negar a conversão dos referidos órgãos em caixas-de-ressonância do poder e armas de arremesso contra à Oposição.

Estudos apresentados no ano passado pelo movimento cívico MUDEI, referente ao período entre Novembro de 2023 e Janeiro de 2024, foram bastante elucidativos quanto ao tratamento desigual que a mídia pública tem dispensado aos partidos da oposição e às organizações da sociedade civil.

O documento revela um domínio avassalador da agenda do Governo e um controlo quase total dos mídia públicos por parte do MPLA, que, no cômputo geral, ocupou 79,5% do espaço de antena monitorizado nos órgãos sob controlo do executivo.

Refere ainda o documento, na TPA, o MPLA teve uma cobertura das suas actividades na ordem dos 88%, TV Zimbo (70%), Jornal de Angola (93%) e Rádio Nacional de Angola (67%).

No que concerne à agenda do Poder Executivo, o governo do MPLA ocupou 48,6% do espaço informativo destes órgãos, distribuídos nos seguintes dados estatísticos: 63,8% das capas do Jornal de Angola; 48,6% no telejornal do TPA; 35,5% no telejornal da TV Zimbo; e 46,8% nos noticiários das 13h00 da RNA.

O MUDEI, que tem à testa o conhecido activista Luaty Beirão, que se notabilizou no chamado processo "15+2", acusa a ERCA, o órgão regulador da comunicação social, de fazer tábua rasa da lei, sem se importar com as sistemáticas violações.

Poucos acreditam que o presente relatório da Freedom House venha a produzir algum efeito, visto que se tornou numa prática constante dos governantes angolanos varrer para debaixo do tapete os assuntos que não lhes corram de feição.

A título de exemplo, convém referir que a imprensa estatal não fez à mínima ao relatório da Freedmom House como, de resto, tem acontecido com os demais monitorias das organizações nacionais e estrangeiras.