Não bastava tudo isso, eis que surgem péssimas notícias de Washington, a deitar por terra o entusiasmo com que se havia glorificado o casamento com o Kota Biden, que se pensou erradamente ter sido com os Estados Unidos, o que obrigou à criação de uma comissão de reinserção dos possíveis novos desalojados, agora oriundos da terra do Tio Sam.
Não bastava tudo isso, alguém decide realizar uma conferência internacional, como as dezenas e dezenas que ocorrem em Luanda assim que se regista uma ainda que ligeira subida do preço do petróleo no mercado internacional, à custa, claro, do dinheiro que tanta falta faz à saúde e à educação dos angolanos. A conferência de Benguela, essa, não tinha custos para Angola, pelo contrário, independentemente dos objectivos políticos, enquadrava-se também no nobre e patriótico propósito de mostrar a beleza de Benguela e o potencial económico do Corredor do Lobito, mesmo que o amigo americano se esteja a esquecer de nós.
Apesar de tudo isso, os conferencistas, que bem poderiam ser considerados turistas, e como tal deviam poder beneficiar da decisão estratégica de abolição de vistos, foram impedidos de entrar no nosso País, tratados de modo miserável, sem qualquer consideração pelo estatuto de alguns deles, e sem qualquer gesto humanitário que permitisse a convidados por uma instituição legitimamente representada na Assembleia Nacional serem tratados com um mínimo de dignidade.
Tudo isso revela, como no caso da Comissão Nacional Eleitoral, uma confrangedora miopia política. Esperava-se que houvesse uma reacção do Executivo com, no mínimo, um pedido de desculpas e um anúncio da constituição de uma mais comissão de inquérito que, como tantas outras, daria em nada. Esperava-se, depois, que essa retractação viesse a público depois da deslocação a Luanda do ministro das Relações Exteriores da Tanzânia. Mas a todas essas esperanças disse-se que não. Como foi dizendo ao Benjamim de Viriato da Cruz aquela que haveria de ser a sua dama, depois de ter aceitado, finalmente, dançar com ele no Bairro Operário. É que, toda a gente sabe, o tango tem de ser dançado a dois, e os exemplos históricos de insucesso de quem insiste em dançar sozinho são mais do que muitos.
E a rematar, o jindungo no caldo. Como explicar, depois de dias consecutivos de parangonas na primeira página do Jornal de Angola e de pretensiosos esclarecimentos de tantos especialistas em relações internacionais, o insucesso - esperado por muita gente - das conversações de 18 de Março em Luanda? Como explicar tão desastrada falha da diplomacia angolana, mau grado ela não ter sido surpreendente para quem tenha estado a acompanhar o seu carácter errático?
Não poderia deixar de comentar estes factos. Aparentemente, este palavreado nada tem que ver com o título da crónica. Mas só aparentemente. O problema da agricultura, como tenho dito, radica na definição das prioridades. Como a comunicação social pública mente de modo descarado ou omite o que está mal para glorificar o pouco que se faz bem, o País não se apercebe da real situação da agricultura e da produção de alimentos. E se o preço do petróleo baixar, por exemplo, para menos de 50 dólares o barril? De onde sairá o dinheiro para pagar as dívidas que se vão avolumando, pagar os salários da função pública, agora ampliados com a disparatada nova divisão administrativa, e com o crescente aumento da importação de alimentos?
Sim, porque, embora se registe uma diminuição global do montante gasto com a importação de alimentos, de quatro mil milhões de dólares anuais para cerca de três mil milhões, uma análise do comportamento dos produtos PRODESI, como fez o semanário Expansão (24/1/25) com base na AGT, mostra que as importações desses produtos cresceram 34% entre 2023 e 2024, com destaque para o trigo em grão, a carne de frango e o arroz, que, no seu conjunto, representam 66% do volume total das importações de produtos PRODESI. Revela também que a importação de milho em grão disparou 326%.
Que significam estes números? O Ministério da Agricultura tem revelado que a produção tem aumentado à volta de 5-6% ao ano, mas, segundo o Ministério do Planeamento no Angola Economic Outlook de Maio de 2024, com base nas Contas Nacionais, o crescimento em 20022 e 2023 foi de 3,8% e 2,7%, respectivamente. Onde fica o propalado sucesso da agricultura? É certo que há melhorias pontuais, que algumas empresas têm apresentado importantes níveis de produtividade, mas são casos pontuais, que, no firmamento nacional, têm ainda muito pouco significado. E as evidências empíricas são bastante reveladoras.
Vejamos o caso do arroz. Em 2024, foram importadas perto de 243 mil toneladas, mais 91 mil do que no ano anterior. A produção actual é de 40 mil toneladas, deduz-se que de arroz em casca. Isto significa que apenas se produz aproximadamente 10% do que se consome. Segundo a Associação Agro-Pecuária de Angola, o País precisa de produzir 1,2 milhão de toneladas para ser auto-suficiente e, para tal, teria de cultivar cerca de 300 mil hectares, o que significaria uma produtividade média de quatro toneladas por hectare, quando actualmente é de apenas 2,3 toneladas. Seria uma tarefa hercúlea, para a qual não temos condições técnicas, logísticas e financeiras. Porque não fizemos os investimentos estruturantes que outros países fizeram em tempo oportuno.
A possibilidade de se recorrer ao investimento estrangeiro é sempre apontada como a solução indicada, mas o número de investidores no sector durante os últimos anos pouco ultrapassou a dezena, na sua maioria chineses. E todos sabemos porque tal acontece - o ambiente de negócios continua muitíssimo pouco atractivo. Quando o PRODESI foi lançado, apontei que uma das suas fraquezas era a aposta em empresários que não existiam, e a realidade mostra que o aumento de empresários ainda é muito reduzido. Outra evidência é o Planagrão, que não saiu do papel, porque deveria também repousar em empresários que não responderam à chamada.
É esta realidade que me faz pensar que a aposta imediata tem de ser, por esta e por muitas outras razões, na agricultura familiar. Mas esta também tem os seus inimigos - e muito poderosos muito poderosos. É assunto que continuarei a tratar na próxima conversa.