Tendo mais poder, de certeza que as elites rurais não ficariam indiferentes ao facto de que muitos dos investimentos destinados a programas de desenvolvimento rural ou de combate à pobreza por exemplo, não resultem em fontes de renda para a maioria dos empresários e empreendedores rurais, mas sirvam para financiar pessoas e empresas que residem nas zonas urbanas.
Embora não se tenha uma ideia exata, é facilmente perceptível que um grande volume de recursos financeiros decorrentes de programas como o da merenda escolar, construção de infra-estruturas, pescas, fomento da agricultura destinados às zonas rurais, retorna para as zonas urbanas. O viés urbano é dentre os "legados" da era colonial, aquele que mais obstáculos representa para o desenvolvimento rural de qualquer país, e tem vindo a gerar consequências nefastas não apenas para a economia rural, como também para o desenvolvimento urbano.
No caso de Angola certamente que a guerra teve um grande impacto sobre os atrasos que se verificam nas zonas rurais. Mas será que esta pode ainda ser apontada como a única causa das assimetrias entre o rural e o urbano na Angola dos nossos dias? As dificuldades de comunicação e transporte entre o campo e a cidade, a concentração dos investimentos públicos e privados em áreas urbanas e suburbanas, por razões de logística, eficiência e visibilidade para os seus executores, para os financiadores e os meios de comunicação, não têm nada a ver com a guerra.
Apesar de possuírem a maior concentração de recursos naturais que são drenados para as cidades, sabemos que não vivem nas zonas rurais a maior parte das pessoas com poder de influência sobre as decisões em relação à forma como são geridos tais recursos.
Elites urbanas compostas por individualidades ligadas a vários sectores influentes da nossa sociedade tais como altas patentes militares, altos funcionários do estado, políticos, religiosos, e académicos, no seu conjunto possuem muito mais poder e influência que as elites rurais na hora da tomada de decisões sobre o que deve ou não ser prioritário ao nível das politicas públicas. E na verdade, quer o governo central, quer os governos locais, tendem a priorizar as necessidades e exigências da população urbana, uma vez que é mais provável que estas venham a desafiar o poder em virtude de sua maior capacidade de mobilização e protesto.
Estas desiguais "relações de poder" entre o rural e o urbano ficaram reveladas de forma mais clara durante os períodos de crises provocadas pelas calamidades naturais. Por exemplo, ficou claro que o executivo e o conjunto da sociedade prestam mais atenção aos impactos das chuvas quando se abatem sobre os principais centros urbanos do que as consequências das mesmas ou das prolongadas secas e estiagem quando ocorrem em zonas rurais.
Foi comovente ver como a sociedade se mobilizou para, de forma solidária, apoiar as vítimas das chuvas no Lobito, mas tem sido triste o descaso que se verifica em relação ao impacto da seca que se prolonga há já 3 anos em muitas zonas rurais das províncias do Cunene e da Huíla.