"Os que governaram de 2011 a 2016 não eram da linhagem. Eram indicados. Agora tem de ser mesmo da linhagem. Nós já encontrámos o novo substituto do soba que sairá da linhagem da família Menezes", disse, em exclusivo, ao NJOnline, o presidente do Núcleo das Autoridades Tradicionais e Reis de Angola (NATRRAL), João Miguel.

Para João Miguel, as autoridades tradicionais são entidades que simbolizam e exercem o poder no seio das organizações político-comunitária tradicional e a sua substituição deve ser feita por um filho, sobrinho, ou por um neto, que deve ser indicado pela sua família, como mandam os costumes do poder tradicional.

"Brevemente, vamos indicar o verdadeiro substituto e soba de linhagem, porque os órgãos administrativos locais não podem mais interferir nos assuntos do poder tradicional, como têm vindo a fazer. Agora não têm mais essas prerrogativas", disse João Miguel, acrescentado que as competências do NATRRAL a nível das instituições do Estado é resultante do último encontro, em Abril, com o Ministério da Cultura, que conferiu poderes ao Núcleo das Autoridades Tradicionais e Reis de Angola.

"Os primeiros contactos foram já feitos junto das autoridades administrativas da Cultura a nível provincial, no sentido de iniciar o processo que vai culminar com a indicação da pessoa que deve ocupar o lugar de Soba Grande da Ilha do Cabo", esclareceu.

Manuel Sebastião, director do gabinete provincial da Acção Social, Cultura e Desporto do Governo da Província de Luanda (GPL), disse ao NJOnline que não é por via administrativa ou política que o Estado deve resolver o problema dos sobados.

"A tendência é acabar com os sobas administrativos e ficarem apenas os sobas de linhagem. Neste caso, o Miguel Francisco "Miguelito" e o Sebastião Manuel Napoleão não são de linhagem. O único de linhagem é o João Ramos de Menezes", disse o responsável da cultura em Luanda.

Manuel Sebastião explicou também que há necessidade do Estado reduzir os encargos no Orçamento Geral, por isso deve haver redução dos sobas que não são de linhagem.

"Não é de linhagem, acabou. Não há nomeação de sucessão. Na Ilha, o soba de raiz foi o velho Menezes, os outros sobas foram eleitos pelas administrações locais face ao contexto político que o país viveu", declarou.

Entretanto, a Ilha de Luanda ou do Cabo está sem soba desde Agosto de 2016, após a morte de "Miguelito", então soba fora da linhagem, que substituiu o também soba fora de linhagem, Sebastião Manuel Napoleão, falecido em Abril de 2013, aos 89 anos, deixando 71 filhos.

De recordar que Napoleão substituiu João Ramos de Menezes, soba de linhagem, filho de Don João António de Menezes, soba da era colonial.

Joaquim Afonso " Ti Cruz", coordenador da comissão de moradores do sector ponta da Ilha do Cabo, disse ao NJOnline que, desde que morreu o soba Miguel Francisco João "Miguelito", os ilhéus estão preocupados com a falta de sobado.

"O soba é um porta-voz das autoridades, por isso, pedimos às autoridades competentes para prestarem atenção a esta ausência de soba", disse, acrescentando: "Temos tido problemas das calemas, que, segundo a nossa tradição é um problema que se resolve com a presença do soba. E sem esta figura não conseguimos resolver. Isto é uma tradição na Ilha de Luanda", referiu.

Futuro soba é coronel e quadro do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher

António de Menezes, de 58 anos, sucessor da família Menezes, é coronel na reserva e trabalha actualmente no Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher.

Menezes explicou ao NJOnline que foi indicado no seio familiar para ocupar o trono que pertenceu os seus antepassados.

"Fomos informados pelo Ministério da Cultura, que já não é o Ministério da Administração do Território (MAT) que responde pelas autoridades tradicionais, mas sim o da Cultura. Daí tomei conhecimento que cabe à minha família organizar a cerimónia que acharmos necessária e darmos a conhecer às autoridades governamentais, para estarem presentes no acto de entronização, porque eu só sou soba pelo facto de ser o primeiro filho do velho Menezes", contou.

António de Menezes diz não ter aparecido antes porque não aceitava misturar-se com os mais velhos antigos, pois, no seu entender, os mais velhos estavam a cumprir uma missão de Estado.

"Agora que os mais velhos partiram achei que é altura de aparecer e dizer que já estou disposto a assumir o trono que por sinal é nosso por direito", diz.

"O meu pai, antes de morrer, entregou-me o símbolo de poder e a documentação, que estão comigo há anos. E disse-me: Por seres o primeiro filho, rapaz, tens de assumir o meu lugar", salientou.

"Não é só agora que a minha família manifestou interesse em assumir o trono, o problema é que antes este assunto esteve a cargo do MAT. Na altura era ministro Bornito de Sousa, actual vice-presidente da República, e fomos informados que a situação dependia do Governo Provincial de Luanda. Nunca mais tivemos qualquer resposta", descreveu.

Actualmente, António de Menezes, futuro soba, diz estar a ser convidado para abordar alguns assuntos que têm a ver com a governação da Ilha, pese embora viver na Centralidade do Kilamba.

Menezes contou ao NJOnline que está a criar as condições necessárias para que a partir de Novembro, altura das festividades da Ilha, passe a morar definitivamente naquele ponto de Luanda.

O futuro soba disse ainda não conhecer muito as tradições, mas quer contar com o apoio dos mais velhos actuais para que estes o ajudem nas celebrações dos rituais.

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