As manifestações de apoio ou de protesto têm quase sempre ênfase no campo político, solicitando, ou melhor, demandando a retirada de uma pessoa, de grupos de pessoas ou algo que um conjunto de pessoas representa. Apenas nos últimos anos vamos assistindo a um aumento de manifestações que dão lugar a hematomas e matéria jornalística, mas sem muitos resultados palpáveis, pelo menos por enquanto.

A nossa constituição pretende garantir aos cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, e, acima de tudo, sem necessidade de obtenção de qualquer autorização, desde que feita a comunicação prévia às autoridades competentes. Este direito é muitas vezes violado ou são usadas técnicas para fintar a lei e deixar os manifestadores às aranhas.

A recém-manifestação contra a descriminalização do aborto, em situações específicas, foi uma demonstração de que pode haver manifestações pacíficas sobre assuntos que preocupam uma parte da sociedade. Sim, uma parte, pois outra parte está tão ocupada a celebrar a anormalidade que não tem tempo, vontade nem experiência em manifestações.

Diariamente somos humilhados nas estradas e atropelados por buracos com formatos geométricos diferentes que danificam as nossas viaturas, mas manifestação organizada não somos capazes de preparar. Nem já um buzinão. Nem uma carta de reclamação dirigida ao ministro certo ou ao instituto de defesa do consumidor.

O nosso direito à educação é vilipendiado com frequência quer pela falta de salas de aulas quer pela ausência de professores e não há manifestações. Há professores que já nem reclamam. De dia dão aulas e de noite caçam. Alguns também caçam de dia as "gasosas" dos alunos e algo mais íntimo das alunas e não há manifestações.

O simples direito à energia tem sido negado desde a nossa independência. Houve guerra, minas, capim, gado, roubos, estiagem e agora o enchimento da albufeira mais famosa de Angola, e nada de manifestações. Duas horas de energia por dia é motivo de celebração. Dois dias seguidos com energia ficamos a temer o pior.

As pessoas com menos posses pedem ao vizinho para guardar na arca dez frangos congelados. Passados dois dias, quando já há luz e vão buscar a sua mercadoria, já só recebem oito frangos e agradecem efusivamente o vizinho bom samaritano que retirou a sua parte como pagamento pelo serviço prestado e não há lugar a manifestações.

Estes são alguns exemplos da nossa capacidade de celebrar a anormalidade. A conclusão é que nós não temos capacidade de reclamar, de nos manifestarmos, de exigirmos os nossos direitos previstos na constituição. Provavelmente o melhor será contratarmos os consultores estrangeiros ou uns "malandros" para aguçarem a nossa capacidade de manifestação. Mas como há sérios problemas de comunicação com estrangeiros anglófonos e francófonos receio que acabemos por contratar os nossos irmãos.