Ou seja, o leitor, com sorte, ou com visão estratégica para perceber que devia deixar livre um depósito para esse milhão de barris, teria amealhado, não só1 milhão de barris de crude para vender quando quisesse, como teria recebido na sua conta 40 milhões de dólares sem mexer uma palha.

Parece estranho e é estranho, alias, é mais que isso, é histórico, é um verdadeiro "cisne negro", um caso tão raro que só se conhece de cenários de ficção. Nunca aconteceu na realidade. Em mais de 170 anos de conhecimento da existência do petróleo enquanto fonte de energia, o que se viveu na segunda-feira não tem qualquer referência, nem aproximada.

Com o correr do dia, em Nova Iorque, como o Novo Jornal deu conta na manhã de segunda-feira, o valor do barril no WTI estava a observar uma queda no seu valor anormal, vindo esta a consolidar-se com o aproximar do final da sessão, chegando, deixando atónitos todos os analistas que comentavam em directo nos canais informativos de todo o mundo e nos sites especializados, com o barril a afundar sem parar até aos 40 USD negativos.

A razão é conhecida e relativamente simples. Com a crise económica gerada pela pandemia da Covid-19, o mundo deixou de consumir um terço do petróleo que queimava antes da infecção ter sido conhecida na China, em Dezembro de 2019, passando de 100 milhões de barris por dia (mbpd) para menos de 70 mbpd no início de Abril em que estamos.

A par desta queda brutal no consumo, a Arábia Saudita e a Rússia, numa guerra de preços e de umbigos, que começou no início de Março por causa de desentendimentos sobre um programa de cortes no âmbito da OPEP+ para reequilibrar os mercados, resolveram inundar os mercados com petróleo barato.

Perante este cenário, de onde sobressai a queda muito significativa do consumo mundial devido à pandemia, e do excesso de oferta, as grandes economias, como a dos EUA, da China, da Índia e da Europa, resolveram, como nunca o tinham feito, encher até ao topo as suas reservas estratégicas de petróleo, aproveitando o valor historicamente baixo do barril, tanto no WTI como no Brent, de Londres, que serve de referência para as exportações angolanas.

Ora, com o mundo a consumir cada vez menos e sem espaço para armazenar nem mais uma gota de "ouro negro", quem tinha adquirido crude para revenda, nomeadamente os grandes fundos de investimento globais, ficaram sem ter a quem o vender e onde o armazenar, e começaram a querer, todos ao mesmo tempo, a despachar as suas cargas, levando a um ponto extremo de pagar, e muito, para as despachar para alguém e para qualquer lado, mas sem quem as quisesse, mesmo a receber, ainda por cima, 40 USD por barril...

A justificar esta histórica situação está igualmente o encerrar do prazo de negociação dos futuros, que é comprar hoje para entrega num prazo determinado, neste caso no mês de Maio - o prazo termina hoje - onde os traders precisavam de vender para poder abrir espaço de armazenamento para as aquisições já referentes a Junho.

Na segunda-feira, o dia mais estranho de sempre nos mercados petrolíferos, os analistas admitiam que o cenário de preços negativos para o barril em Nova Iorque seria extinto e na sessão de hoje, para os futuros no WTI de Junho, tudo voltaria a uma certa normalidade, até porque o Brent, em Londres, apesar de ter igualmente observado uma queda substancial, manteve-se em valores aceitáveis, encerrando a perder 13%, para os 22 dólares.

Hoje, o WTI recuperou muito das perdas de segunda-feira, estando durante algum tempo, todavia, em torno do zero, ou ligeiramente acima, mas voltou a resvalar para valores negativos e era a -4 USD por barril que se ficou perto das 09:00, ainda para as vendas de Maio, que terminam esta terça-feira.

Para as entregas em Junho, o valor está dentro do padrão normal, embora baixo em resultado da crise global, perto dos 20 USD.

O Brent abriu hoje igualmente a subir ligeiramente face ao descalabro da sessão de segunda-feira, para cima dos 26 USD, quando ontem chegou a bater nos 22 dólares por barril.

Este cenário surpreendente ocorre mesmo depois de a OPEP+, organismo que agrega os Países Exportadores de Petróleo (OPEP), e a Rússia, à frente de outros 10 países não-alinhados, ter acordado num corte à produção histórico, a rondar os 10 milhões de barris por dia.

Embora, e apesar de grande, mesmo o maior corte de sempre, surge como pequeno face à perda de 30 mbpd na procura provocada pela crise planetária que surgiu no rasto da pandemia da Covid-19.