Um dos maiores perigos da chamada globalização que, entendida na sua plenitude, não representou mais do que a possibilidade de os capitais financeiros circularem livremente e sem controlo por todo o lado, permitindo, como já chamámos aqui à atenção várias vezes e em última instância, o controlo político das Nações por parte de um punhado de gigantes do capital mundial, que dominam e vergam os decisores políticos. Seja pela via de contrapartidas económicas, seja pela via da promiscuidade com que actores políticos transitem para empresas de capital privado e vice-versa.

Esta ilusão neoliberal - que já não é propriamente uma ilusão, antes vai-se estendendo um pouco por todo o lado - é uma tentativa organizada, pensada, construída por gente que contraria uma visão universal e progressista dos direitos humanos, que procura derrubar qualquer Estado que oriente a sua acção para uma política em que os rendimentos e a distribuição legítima de direitos e deveres sejam proporcionais ao trabalho de cada um. Ou seja, em última instância, não se diferencia do velho, caduco e várias vezes derrotado sonho de um mundo dominado por supostos seres superiores - lembre-se sempre o Clube de Bilderberg - dominando "raças" e povos inferiores, que, para o caso, seremos nós e todos os países denominados "em vias de desenvolvimento".

Resultado, já aqui escrevemos várias vezes sobre a inexistência, desde há três ou quatro gerações, de políticos na plena acepção da palavra, lúcidos, corajosos, com capacidade de fazerem história, a partir dos quais as dificuldades e os pedidos intermináveis de sacrifícios aos mais pobres, aos mais vulneráveis, aos mais explorados em suma, teriam alguma lógica e fariam algum sentido a partir dos resultados práticos que fossem aparecendo, beneficiando um grande todo em detrimento de uma grande minoria.

René Passet, professor emérito da Universidade de Paris I (Panteão-Sorbonne) e economista especializado em questões de desenvolvimento, define-os lucidamente da seguinte forma: "[...] Quase sempre não tivemos mais do que calculistas, medíocres equilibradores de contas e "realistas" de vistas curtas, satisfeitos com o seu saber e pouco atormentados pela dúvida. Tanto à direita como à esquerda, mesmo que no segundo caso a política traga por vezes a marca de uma inspiração social, a mesma preocupação de eficácia imediata levou uns e outros a inscreverem-se na lógica do sistema."

Este conjunto bem visível de criminosos - por acção e/ou por omissão, que vão destruindo todo um conjunto de políticas e medidas que durante décadas provocaram uma melhoria constante do nível de vida das populações e, no caso do nosso Continente, a obrigatoriedade moral e cívica de arrancar milhões de cidadãos de condições indignas e às vezes macabras de vida (sem luz, sem água, sem alfabetização, sem saúde, vivendo em condições infra-humanas e toldados pelos ventos furiosos de seitas e igrejas que lhes arrancam o quase nada que têm em nome de um grande e rotundo nada) - defende o tal de neoliberalismo.

Que, além de resultar comprovadamente numa cruzada anticivilizacional e que nos leva a regredir centenas de anos, não corresponde a nenhuma escola académica de pensamento nem faz morada em nenhum teórico sério e estudioso. Põem a circular, pelos meios de comunicação social que controlam, um número assustador de teses, obrigam as pessoas a reger-se em função de uma sociedade de consumo desenfreada perante a qual todos somos eternamente devedores e conseguem impor uma lógica de pensamento absurda, segundo a qual "o económico sobrepõe-se ao político, a economia é colocada no posto de comando, uma economia liberta de obstáculos sociais". Sempre menos Estado, uma arbitragem constante a favor das receitas do capital em detrimento das do trabalho. E indiferença em relação aos custos ecológicos. Com o que já temos como experiência, com o que já passámos e continuamos a passar, é preciso ter muitas cautelas e a necessária seriedade na redefinição das grandes políticas económicas nacionais. Para tanto, basta um mínimo de sentimento patriótico e respeito pelos eleitores e por toda a população.