Na Somália, um dos mais afectados pelos enxames esfomeados de insectos, tem visto aumentar de forma significativa o número de infecções pelo novo coronavírus e o combate na região à Covid-19 está a influir nesta outra frente de "guerra" que pode condenar 20 milhões de pessoas à fome se não for ganha rapidamente.
Isto, porque a praga de gafanhotos-do-deserto poderá agora voltar ainda mais forte despois de entre Novembro e Dezembro de 2019 ter destruído milhões de toneladas de produtos agrícolas vitais para a segurança alimentar da vasta região do Corno de África e da África Central.
Segundo o The New Humanitarian, uma agência de notícias independente e sem fins lucrativos focada nas questões humanitárias e com forte ligação às Nações Unidas, o combate aos enxames de gafanhotos, alguns com mais de 150 milhões de insectos adultos, está a ser afectado negativamente devido a atrasos no fornecimento de pesticidas e de helicópteros, entre outros fornecimentos vitais.
Este problema já era esperado, porque os enxames reproduzem-se a grande velocidade e se as larvas encontram condições favoráveis, alimentares e climáticas, como está a suceder devido às chuvas ocorridas em Março, superiores ao normal, depois de longo período de seca, rapidamente formam gigantescos enxames que se deslocam mais de 100 quilómetros num só dia, deixando as culturas que encontram pelo caminho destruídas e condenando as populações locais à insegurança alimentar e dependentes de ajuda humanitária.
Para fazer face a esta segunda vaga da praga de gafanhotos, as Nações Unidas, através da FAO, a sua agência para a agricultura e alimentação, pediu aos doadores mais de 150 milhões de dólares para apoiar os governos locais a combater os enxames, mas os utensílios e aviões/helicópteros para dispersar os pesticidas, estão a demorar a chegar, o que está a permitir que biliões de insectos se tornem adultos, se organizem e saltem de cultura em cultura ao longo de centenas de quilómetros.
Um dos problemas tem sido gerado pelo desvio dos meios dos países para a Covid-19, quase todos pobres e já fustigados por anos de secas prolongadas, como a Etiópia, a Somália, o Quénia, ou, mais para o centro do continente, como a Burundi e o Uganda, o Sudão e o Sudão do Sul, ou mesmo a Tanzânia, enquanto na Ásia os enxames evoluíram para o Paquistão e as fronteiras com a China.
Mas há ainda o problema das restrições nos transportes aéreos e terrestres devido aos confinamentos e fecho de fronteiras pelos países como forma de conter a expansão do vírus, o que permitiu, como sublinha o The New Humanitarian, que os enxames se estejam a agigantar ao ponto de alguns serem 20 vezes maiores que os da primeira vaga que, recorde-se, chegaram a ter, nalgumas situações, mais de 150 milhões de gafanhotos, de acordo com cálculos da FAO.
E o timing está a ser igualmente severo com as comunidades afectadas, porque se na primeira invasão, as colheitas já estavam quase todas feitas, agora os gafanhotos estão a arrasar campos agrícolas que ainda não têm condições para que as colheitas possam ser realizadas, o que vai fazer com que a fome que foi evitada em Dezembro, com a ajuda da mais moderna tecnologia informática, seja agora muito mais difícil de contornar sem uma ajuda internacional massiva.
Recorde-se que este problema surgiu em Novembro do ano passado no deserto arábico, quando chuvas anormais permitiram a geração de milhões de gafanhotos que, depois, aproveitando os ventos, chegaram ao continente africano onde, mais uma vez, graças às chuvas que tinham regressado em abundância, puderam alimentar-se e reproduzir-se em grande número e velocidade.
A FAO já emitiu um comunicado a alertar para o facto de esta segunda vaga da praga estar a ser mais difícil de combater e ser muito maior e mais grave que a primeira, porque são mais enxames, com insectos bem alimentados que podem, num só dia, destruir culturas que serviriam para alimentar mais de 30 mil pessoas, o que vai garantidamente abrir a porta para a fome generalizada se nada for feito.
E, como se fosse pouco, as chuvas intensas que se têm visto na vasta área geográfica do Corno de África, vão voltar a permitir que, depois desta segunda vaga, uma terceira se forme, o que se traduziria na mais trágica experiência do género alguma vez registada no continente africano.