A não-política externa de José Eduardo dos Santos permitiu, segundo os académicos do Cedesa, que Angola se tornasse "uma espécie de propriedade privada de alguns, perante a indiferença generalizada do mundo e o contentamento dos aproveitadores sofisticados", enquanto João Lourenço, pelo contrário, "quis colocar Angola no radar no mundo" posicionado o país como potência regional, aproximando-se dos Estados Unidos e dos países árabes do Golfo, mas mantendo as relações com a China e a Rússia

Tomando como exemplo o Corredor do Lobito, que se tornou bandeira da "cooperação intensa Angola-EUA", os investigadores realçam a "máxima prioridade dada a esta ligação ferroviária que atravessa Angola, desde o porto do Lobito até à República Democrática do Congo e à Zâmbia, na recente cimeira do G7.

A análise destaca que mais do que uma resposta norte-americana ao domínio mineiro chinês em África, o objectivo será menos o transporte de minérios, mas sobretudo a criação de uma área de desenvolvimento agro-industrial paralela ao corredor cujos produtos serão escoados pelo mesmo.

O Cedesa, entidade que se dedica ao estudo e investigação de temas políticos e económicos da África Austral, sublinha que o angolano grupo Carrinho, considerado líder no sector agro-industrial, é já "uma peça chave da estratégia americana para África".

Os analistas notam, por outro lado, a presença chinesa relevante no consórcio Lobito Atlantic Railway (LAR), formado pela Trafigura e Vecturis e Mota-Engil, que tem como accionista de referência a China Communication Construction, detida pelo Estado chinês.

"Portanto, no final do dia, o Corredor do Lobito nunca será um projecto norte-americano para contrapor à China, mas seguramente, para ter sucesso, terá de ser um projecto cooperativo sino-americano", conclui o Cedesa.

A análise foca-se também na vontade chinesa de "não entregar os pontos" em Angola e de um "renovado vigor" que se fez sentir após viagem recente de João Lourenço a Pequim, em Março deste ano, com o regresso aos grandes projectos de infra-estruturas.

Em causa estão três anúncios recentes: a participação chinesa na primeira autoestrada de Angola, com 1400 quilómetros para ligar o sul ao norte do país; a intenção do executivo angolano rescindir contrato com o consórcio que iria construir a refinaria do Soyo, liderado pela norte-americana Quanten, que pode abrir as portas à China; a desistência dos alemães da Siemens Mobility do projecto de metro de superfície de Luanda, assumindo o Governo os custos com financiamento chinês.

"É um grande volte-face e mais uma vez demonstra a incapacidade ou falta de vontade das empresas ocidentais para investir em Angola" que "volta a estar plenamente aberra e necessitada da China para assegurar o seu desenvolvimento".

O Cedesa realça que as "vontades americanas e ocidentais não chegam" porque Angola precisa de dinheiro.

E enquanto os Estados Unidos, nos momentos decisivos, "não têm soluções praticas e operacionais, perdendo-se em planos, projectos, viagens, engenharias financeiras e boas intenções", a China parece estar perante uma nova oportunidade em Angola que "está em condições para aproveitar".

O Cedesa é dirigido por Felipe de Saavedra e Santos (presidente), doutorado em História e em Ciências da Educação e coordenador da Angola Research Network e Rui Verde (vice-presidente), doutorado em Direito, actualmente na Universidade de Oxford e membro da Chatham House.