Há quase dois meses que a guerra na Ucrânia, desde que Kiev lançou, em Setembro, vários drones contra refinarias russas, provocando uma redução no abastecimento internacional de combustíveis refinados, não tinha um impacto visível na evolução dos preços do crude.
Mas esse impacto voltou a acontecer nesta quinta-feira, 21, com os mercados a ganharem consciência de que o que se passou em meados deste ano poderia voltar a suceder com redobrada intensidade.
Aparentemente, quaisquer danos na infra-estrutura petrolífera russa teriam pouco impacto nas economias ocidentais, quase todas dentro da plataforma de lançamento das sanções contra Moscovo devido à invasão da Ucrânia.
Mas os analistas ao serviço dos mercados sabem que não é assim, porque muito dos combustíveis consumidos ainda na Europa ocidental e até dos EUA, Japão e Coreia do Sul, o Ocidente Alargado, têm origem na Rússia mas são refinados na Índia, especialmente, mas também na China.
E quaisquer disrupções geradas com ataques ucranianos às refinarias russas, mais cedo que tarde, acabam por chegar ao "core" das economias ocidentais, sendo que, desta feita, o potencial de danos, se a eles Kiev apontar os ATACMS norte-americanos e os Storm Shadow britânicos (ver links em baixo), é muito superior que fazê-lo com pequenos drones.
Para já, tal cenário ainda não se verificou, porque os ucranianos estão "apenas" a usar estes projecteis para alvejar unidades militares localizadas no seu raio de acção, cerca de 300 kms, para os ATACMS, e 550 kms (limite máximo) para os Storm Shadow.
Este contexto flamejante no leste europeu está mesmo a limpar o risco de eventuais perdas resultantes de um inesperado e crescente aumento dos stocks norte-americanos, embora a China possa estar igualmente a atirar água para a fogueira com uma igualmente inesperada recuperação da procura depois de semanas de perigoso declínio.
É assim que, perto das 13:00, hora de Luanda, desta quinta-feira, 21, o barril de Brent estava a ganhar, perto de 2%, para os 74, 25 USD, respondendo às "orações" dos países exportadores mais petrodependentes, como é o caso de Angola.
A ajudar a este sentimento de risco de escassez, a Reuters avança que a OPEP+ deverá voltar a protelar os seus planos de aumento paulatino da produção, cm justificação nos dados próprios e da AIE de que o mundo deverá atravessar uma fase em breve de redução da procura.
Como Luanda olha para este cenário global
Ainda assim, estes preços estão longe do pico deste ano de 2024, que aconteceu em Abril, quando chegou perto dos 92 USD por barril, ou mesmo, mais recentemente, em Outubro, onde esteve nos 80 USD.
Estes são importantes para Angola por ser dos países mais atentos a estas oscilações, devido à sua conhecida dependência das receitas petrolíferas, e a importância que estas têm para lidar com a grave crise económica que atravessa, especialmente nas dimensões inflacionista e cambial.
No entanto, apesar do OGE nacional ainda em vigor ter como referência de valor médio no barril os 65 USD, o documento elaborado para 2025 subiu essa mediana para os 70 USD, o que deixa as contas nacionais a balancear.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Governo deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.