O mundo dos negócios petrolíferos é dos mais sujeitos ao pânico infundado e ao efeito das estratégias e dos interesses de quem controla o fluxo da matéria-prima para os mercados, como se este fosse um mundo sujeito a regras desconhecidas dos comuns dos mortais.
E é. Tal como Apolo controlava o Oráculo de Delfos, antecipando para os mortais o conteúdo do futuro, manipulando, como só os deuses podiam, esse mesmo futuro à medida dos seus interesses, mais materiais do que seria de esperar, assim é também neste universo da energia.
Goldman Sachs, JPMorgan, Morgan Stanley, OPEP+, AIE (Agência Internaconal de Energia)... não são apenas os "druidas" da finança, têm interesses materiais que nem escondem nem é suposto esconderem e atiram dados para os mercados sabendo o efeito que vão ter.
Sabem como criar profecias autorealizáveis, que é como quem diz, se disserem que vai acontecer uma subida do barril nos mercados, os mercados, frenéticos e pouco pragmáticos, como sempre, começam a agir como se aquilo que os "bruxos" dizem já estivesse a suceder.
Desta feita, provavelmente, como recorda a Reuters, até nem era difícil de perceber que a base de sustentação da profecia era pouco sólida, porque a razão maior para que o barril de Brent esteja nesta segunda-feira, 18, a valer 86,20 USD, perto das 11:05, hora de Luanda, é a expectativa de novos ataques ucranianos a refinarias russas.
Ora, esses ataques dificilmente se repetirão por falta de capacidade ucraniana e porque os que ocorreram entre sexta-feira, 15 e Sábado, 16, tinham como objectivo lançar um "mau-olhado" sobre Putin durante as eleições Presidenciais russas, que acabou por funcionar ao contrário, saindo o chefe do Kremlin com mais de 87% dos votos.
No entanto, os riscos resultantes do conflito na Ucrânia, globalmente, estavam na lista das justificações dos "deuses" da finança e dos "arquivistas" de informação, o que entra na equação inicial, e foram esses ataques com drones dos ucranianos que acrescentaram pelo menos 3 USD, ou 4%, ao barril entre sexta-feira e hoje, segunda, 18.
Facto: o ataque à refinaria russa de Slaviansk retirou de circulação 170 mil barris por dia em refinados do crude, em grande medida direccionados para a exportação, e que agora não existem. Não é muito...
... mas o problema é que Kiev atacou cinco das maiores refinarias russas e isso levou a que perto de 8% da capacidade do país fosse neutralizada, o que impacto fortemente na gasolina e gasóleo e lubrificantes que estavam a ser enviados para China e Índia, maioritariamente.
Como se já não fosse suficientemente mau, esta fácil adivinhação do real, no Médio Oriente foi dado mais um passo em direcção ao caos, com o primeiro-ministro israelita a anunciar que as suas forças militares vão avançar sobre a cidade de Rafah, no sul, junto à fronteira com o Egipto.
Como todos os países, incluindo os seus principais aliados, estão a dizer a Benjamin Netanyahu, atacar Rafa é abrir as portas do "inferno" porque é nesta cidade que estão mais de 1,2 milhões de pessoas que os israelitas empurraram do norte de Gaza.
Não se sabe qual vai ser a reacção dos corredores da política árabe e islâmica, especialmente do Irão, mas sabe-se que os seus proxys, como o Houthis, do Iémen, ou o Hezbollah, no Líbano, vão aumentar de forma rugosa a sua actividade.
De um lado, os Houthis já comprometeram a normalidade no tráfego marítimo no Canal do Suez, atacando os navios no Mar Vermelho, sabe-se que a rota alternativa pelo sul de África está a ser desafiada pelos piratas no Índico, entre a Somália e o norte de Moçambique...
E estas duas vias são a única possibilidade de fazer, com sustentabilidade comercial prolongada, fluir o crude do Golfo Pérsico para as grandes economias ocidentais.
Perante isto, a relevância das reuniões por destes dias da FED norte-americana e os dados da economia chinesa dilui-se, embora a questão das taxas de juro na maior economia do mundo não sejam de somenos e o que vem da economia do maior importador do mundo, ser um pormaior... sempre.
Mas, como os mitos têm sempre um lição escondida, o barril de petróleo, pelo menos visto do lado dos exportadores, é como Ícaro, quer sempre subir mais um bocadinho e acaba por queimar as asas de cera ao aproximar-se do sol...
Para já, o barril de Brent começa a semana a voar mais alto que em largos meses, o que deve estar a gerar alguns sorrisos nas caras dos governantes angolanos, porque permite olhar com menos receio para as contas em tempo de severa crise cambial e de inflação.
E as contas são simples de fazer...
Apesar de ter abandonado a OPEP recentemente, Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, ter o Brent nos 86 USD permite, embora não seja o antidoto definitivo, diluir alguns dos efeitos devastadores da crise cambial e inflacionista, até porque o país enfrenta também o problema da persistente redução da produção diária.
Com OGE 2024 elaborado com um valor de referência médio para o barril de 65 USD, estes valores actuais permitem um relativo optimismo, mas aumentar a produção é o factor-chave, o que ficou mais fácil depois de Angola ter, em Dezembro passado, anunciado a saída de membro da OPEP, o que deixa um eventual acréscimo da produção fora dos limites impostos pelo cartel aos seus membros como forma de manter os mercados equilibrados entre oferta e procura.
O crude ainda responde por cerca de 90% das exportações angolanas, 35% do PIB nacional e 60% das receitas fiscais do país, o que faz deste sector não apenas importante mas estratégico para o Executivo.
O Presidente da República, João Lourenço, deposita esperança, no curto e médio prazo, de conseguir o objectivo de aumentar a produção nacional, actualmente perto dos de 1,12 mbpd, gerando mais receita no sector de forma a, como, por exemplo, está a ser feito há anos em países como a Arábia Saudita ou os EAU, usar o dinheiro do petróleo para libertar a economia nacional da dependência do... petróleo.
O aumento da produção nacional não está a ser travada por falta de potencial, porque as reservas estimadas são de nove mil milhões de barris e já foi superior a 1,8 mbpd há pouco mais de uma década, o problema é claramente o desinvestimento das majors a operar no país.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada e prevista redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.