Com o desencadear do motim, na sexta-feira, do Grupo Wagner, onde o poder do Kremlin esteve por horas sob ameaça directa do líder dos mercenários mais famosos do mundo, Yevgeny Prigozhin, sendo a Rússia um dos maiores produtores/exportadores de crude do mundo, os mercados saltaram do conforto onde estavam para nova escalada nos gráficos.
Esta situação que, naturalmente, é vista de forma diferente se do lado do ocidente abastado, que consome petróleo mas não o produz, estava a ser acolhida com evidente satisfação, especialmente quando, na sexta-feira, de manhã, o barril de Brent bateu na barreira dos 72 USD.
Já do lado dos produtores e exportadores, que têm nas receitas petrolíferas um alívio para as suas economias débeis e sôfregas da energia "salvífica", como é o caso de Angola, a atravessar uma crise severa, tanto inflacionista como cambial, com o Kwanza a esfumar-se por entre a desconfiança e a falta de divisas no mercado, os tumultos na Rússia caíram que nem peixe no caldo...
Com efeito, depois de uma sexta-feira de difícil digestão, com o barril a chegar aos 72,4 USD, esta segunda-feira, na abertura dos mercados, perto das 09:00, hora de Luanda, o barril chegou aos 74,48 USD, ainda abaixo da fasquia mirífica dos 75 USD que serviram de referência para o valor médio no OGE 2023, mas já mais longe do desastre e da necessidade de uma revisão apressada do documento director para as contas públicas angolanas.
A instabilidade política na Rússia veio refrear o êxito das potências económicas ocidentais, EUA e Europa ocidental, para esmagar os preços do crude, no qual encontram a justificação mais próxima para os elevados níveis de inflação que lhes estragam os gráficos do sucesso económico, voltando a medida padrão a valorizar-se quase 1%, embora, já para meio da manhã desta segunda-feira, 26, se tenha começado a notar um novo recuo nos cêntimos acima dos 74.
A influência da Rússia neste contexto é resultado directo dos quase 10 milhões de barris por dia que este gigante mundial da energia injecta directamente no mercado, mesmo com as massivas sanções aplicadas pelos países ocidentais à exportação de crude e gás Made in Russia, tendo Moscovo contornado as armadilhas ocidentais redireccionando os seus oleodutos e gasodutos para oriente, onde os gigantes Índia e China nunca tiveram acesso a energia tão barata, porque Moscovo, para ganhar mercado, está a vender com forte desconto.
A questão é que, como nota a Reuters, recorrendo a uma nota da consultora Rystad Energy, as convulsões em torno do Kremlin não devem manter-se por muito mais tempo como factor de interferência nos mercados petrolíferos, sendo claramente sol de pouca duração.
Mas a mesma agência trás à berlinda outra questão, pela mão da RBC Capital, que é a necessidade de a Administração norte-americana estra a acompanhar de perto este problema de forma a conseguir responder ao minuto para garantir que os mercados são nutridos imediatamente, com, por exemplo, recurso às suas reservas estratégicas, ou pressionado os produtores domésticos e externos para aumentarem o fluxo em direcção aos mercados, de forma a evitar oscilações que possam infligir novos rasgões no casco fragilizado da maior economia do mundo.
A maior parte dos analistas citados pelas agências e pelos sites especializados tendem, neste momento indefinido, a concluir que os problemas internos na Rússia não terão mais impacto do que já tiveram, até porque Prigozhin e os seus "muchachos" já voltaram aos seus aquartelamentos, na retaguarda da frente de combate na Ucrânia.
Com Vladimir Putin a recuperar em pleno o seu poder no Kremlin e na estrutura militar, a Rússia deixa assim de ser uma perda no sapato da economia global, mas não o crude, que, apesar da pressão da transição energética, e dos cada vez mais alarmantes dados sobre o impacto das alterações climáticas na Humanidade, ainda tem um papel sem par na "energificação" do planeta.
Alias, a OPEP, que na sua versão "+" conta com a Rússia como membro pleno e robusto, garante, no seu último relatório, embora se exponha em causa própria e conte com a extrema sensibilidade dos mercados a tudo o que mexe, desde rumores sibilinos a factos evidentes, que em 2023 a procura global vai crescer mais de 20%.
Também a Agência Internacional de Energia (AIE) mantém desde o fim da pandemia que 2023 será o ano da recuperação e aponta, esta com mais dados provados no tempo e menos interesses directos, menos não significa que nenhuns, no sobe e desde dos gráficos, apontando mesmo que o Planeta Terra vai queimar acima de 103 mbpd até ao final deste ano, o que é mais que a média pré-pandemia.
A grande dúvida, para já, é como se vai comportar o gigante asiático, com Pequim a mostrar sinais contraditórios, ora iluminando a procura com a sua produção industrial e as exportações, ora tirando o ar ao consumo mundial com as fragilidades que chegam do seu gigantesco sector imobiliário e no PIB que parece estar a patinar...
Contas angolanas
Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, este sobe e desce dos mercados é melindroso.
Se continuar na faixa dos 72 aos 77 USD em relação ao Brent, por muito tempo, as consequências podem ser bastante negativas porque gera um superavit escasso quando sucede, e os riscos de subfinanciamento do Estado face aos compromissos assumidos no OGE, podem ser graves, devido ao papel insubstituível, para já, no PIB.
O petróleo representa hoje, ainda, mais de 90% das suas exportações, corresponde até 35% do PIB e garante cerca de 60% dos gastos de funcionamento do Estado.
Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.
Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.
A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.