Este constrangimento na empresa Colonial Pipelines, que gere uma vasta rede de oleodutos através dos EUA, chegou mesmo para ofuscar o efeito negativo no valor do crude nos mercados provocado pelo crescimento descontrolado da pandemia da Covid-19 na Índia e os avanços registados nas negociações entre o Irão e os EUA para a retoma do acordo nuclear de 2015.

Se por um lado os efeitos do quase-colapso da rede hospitalar na Índia, uma das maiores economias mundiais e o 3º maior importador de petróleo no mundo, levou a um abrandamento do optimismo global face aos avanços no combate à pandemia, esta ameaça no fornecimento e distribuição interna de derivados na maior economia e maior consumidor global de petróleo acabou por empurrar os preços do barril em alta.

O efeito dos ciberataques aos oleodutos nos EUA levou mesmo ao ofuscamento do efeito que o anúncio de um acordo entre o Irão e os EUA para o fim das sanções que impediam este país de exportar petróleo de forma regular, o que, tendo em consideração que se trata do 4º maior produtor da OPEP, significa que o mercado pode estar à beira de ter de absorver mais entre 2 e 3 milhões de barris por dia (mbpd), sendo que o potencial máximo iraniano pode ir até aos 5 mbpd.

Se Teerão e Washington se entenderem, agora que o Presidente Joe Biden levou os EUA a voltarem ao acordo nuclear que assinaram em 2015 - era Presidente Barack Obama -, onde ficou plasmado que o Irão suspende o seu programa nuclear a troco do fim das sanções que o impediam de exportar crude, entre outras, este grande produtor volta a injectar o seu crude nos mercados, o que pode ter como efeito imediato o desequilíbrio entre a oferta e a procura nesta fase de fade out da pandemia.

Desde praticamente 2017 que o acordo nuclear entre o Irão e as potências ocidentais, União Europeia e EUA, e ainda China e Rússia, estava suspenso por decisão do anterior Presidente norte-americano, Donald Trump, que reintroduziu as sanções e obrigou Teerão a estancar a produção de crude, ajudando de forma indirecta à diminuição da oferta e, com isso, facilitou o equilíbrio dos mercados.

Recorde-se que a OPEP+, organização que agrega a OPEP e um grupo de 10 não-alinhados liderados pela Rússia, tem em curso, desde 2017, um programa de cortes na produção como forma de combater os efeitos das sucessivas crises económicas, das quais a gerada pela Covid-19 é a mais grave em décadas, com uma subtracção à produção que actualmente está em mais de 5 mbpd.

Ou seja, se o Irão voltar a colocar a sua produção no potencial máximo, esta estratégia da OPEP+ poderá ter de ser revista, o que tem implicações directas na produção dos membros do "cartel", como Angola, que pode vir a ter de diminuir ainda mais a sua produção, já profundamente afectada e em queda contínua há vários anos devido à falta de investimento gerada pelas sucessivas crises e ao desinteresse de algumas das "majors" a operar no País.

Isto, apesar de a Total e a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) terem anunciado o arranque da produção no projecto Zinia Phase 2, inserido no Bloco 17, que é operado pela petrolífera francesa, de onde vão estar a sair 40 mil barris de crude por dia em meados de 2022, um reforço importante da produção nacional que se encontra em declínio há alguns anos.

Só que é escasso para contrariar a ameaça que a indústria petrolífera angolana enfrenta por estes dias.

Ameaça sobre Angola...

... porque se mantém no horizonte uma séria ameaça sobre a produção angolana de crude, dando continuidade a um ciclo negativo que começou em 2014, quando o barril caiu para baixo dos 100 USD, chegando a menos de 30 dólares em 2016, o que gerou uma sucessão de acontecimentos, desde o desinvestimento das "majors" à perda de vigor dos poços activos, a uma menor pesquisa por novas reservas...

O que conduziu inevitavelmente a que Angola fosse relegada para o 3º maior produtor africano de crude quando ainda há meia dúzia de anos estava no topo dos produtores no continente, perdendo para a Nigéria, o histórico rival, e para a Líbia, um país dilacerado por uma guerra civil de mais de uma década.

A produção angolana chegou mesmo, nestes dias, a baixar para pouco mais de 1,1 mbpd, antecipando as piores previsões da AIE que estimava em 2019 que Angola estivesse a extrair do seu offshore 1,29 mbpd em 2023, estando agora a níveis de 2006.

Com o surgimento da pandemia da Covid-19, os esforços em curso para impulsionar a produção nacional foram por água abaixo e as multinacionais a operar em território angolano optaram por colocar quase tudo em stand by, retirando pessoal técnico, parando o escasso investimento em curso, a ponto de ultimamente não estar activa nenhuma plataforma de perfuração, por norma eram entre quatro a seis navios de pesquisa (drillship) nos mares de Angola.

Apenas a Total e a ENI mantiveram a chama acesa com projectos em curso que atenuaram ligeiramente os efeitos da debandada sentida no sector em Angola, apesar dos esforços do Executivo para criar um ambiente legislativo e de negócios mais amigo dos investidores.

O que sobressai neste contexto é que Angola acabou por perder quase metade da sua produção tendo em conta que em 2008 o País estava muito próximo de atingir os 1,9 mbpd, insuflado pelo boom nos mercados que estavam a comprar o barril de Brent, nesse ano, em Junho, a 147 dólares, um recorde histórico.

Esta quebra, que é de 40% no mínimo, tendo em consideração os valores de há uma década, é um reflexo notório de anos de desinvestimento no País pelas multinacionais, sendo que, numa realidade global adversa aos hidrocarbonetos, onde a transição energética para as energias renováveis, forçada pelo Acordo de Paris, coloca, cada vez mais em evidência que o petróleo está à beira de perder importância.

E isso leva ainda, como alguns analistas têm sublinhado, a que as petrolíferas apostem mais onde o breakeven é mais baixo, como o Médio Oriente, com o barril a sair do chão a uma média abaixo dos 8 USD quando em países como Angola esse valor pode subir acima dos 20 USD.

O alerta da Carbon Tracker

Alias, um estudo internacional recente, elaborado pela iniciativa Carbon Tracker, aponta Angola como um dos países mais vulneráveis ao processo global de descarbonização da economia por razões de protecção climáticas que se traduz mesmo no desinvestimento das petrolíferas no sector para investirem nas denominadas energias limpas.

Este estudo denominado "Beyond Petrostates" nota que Angola enfrenta, até 2040, um défice de receitas na casa dos 76%, o que coloca o País na linha da frente das maiores vítimas deste processo planetário de substituição do petróleo como grande fonte energética mundial, o que exige de Angola um redobrado empenho na diversificação da sua economia.

O estudo diz isso mesmo, que os países nestas condições estão obrigados a definir políticas fortes de substituição de fontes de rendimento sob risco de enfrentarem dificuldades devastadoras para o seu futuro.

Para exemplificar esse abismo que têm pela frente, o estudo revela que as quedas das receitas nos próximos anos vão ser superiores a 13 mil milhões de dólares.

A Carbon Tracker é um think tank financeiro independente que desenvolve análises detalhadas e aprofundadas sobre o impacto da transição energética nos mercados de capitais e no potencial investimento em combustíveis fósseis.

Ainda assim...

A produção nacional média em 2020 foi de 1,22 mbpd, evidenciando o constante declínio devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016.

As exportações de petróleo e gás de Angola caíram 7,26% no ano passado, para 18,2 mil milhões de dólares, resultantes das vendas de 446 milhões de barris de petróleo e gás equivalente.

Estes valores condizem com a exportação de 446 milhões de barris de petróleo e gás, avaliados num preço médio de 41,8 dólares por barril, segundo números fornecidos pelo director do Gabinete de Estudo Planeamento e Estatística do Ministério dos Recursos Naturais e Petróleo, Alexandre Garrett, citado na página oficial do MIREMPET.

Isto compreende ainda a exportação média de 1,22 milhões de barris por dia, consubstanciando uma diminuição de 7,2% em relação a 2019, mostrando uma continuada perda anual da produção nacional.

Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção afasta-se cada vez mais dos patamares que se viram no passado.

Para já, com o barril na casa dos 68 USD, o Executivo de João Lourenço conta com uma folga de cerca de 29 USD em cima dos 39 USD que foi o valor usado como referência para a elaboração do OGE 2021, o que permite encarar com maior optimismo esta saída esperada da crise mundial, apesar dos fortes constrangimentos que a economia nacional enfrenta.

O crude é ainda responsável por mais de 94% das exportações angolanas, mais de 50% do PIB e representa 60% das receitas do Executivo para poder gerir as necessidades da governação, o que, face a uma lenta e demorada diversificação da economia nacional, se traduz numa mais optimista entrada no novo ano e nova década do século XXI.

E no que respeita ao futuro breve, o sector exige reflexão e claramente uma forte aposta na diversificação da economia, porque, como é hoje já consensual, o petróleo não tem muito mais tempo como principal combustível da economia mundial.

Investimento Sonangol em novos petroleiros

Ainda assim, Inserido no estratégia de reforço do sector petrolífero, a Sonangol informou que acaba de assinar um acordo com a sul-coreana Hyunday Samho Heavy Industry (HSHI), para a construção de dois navios petroleiros de grande porte, o que permite um importante renovação da sua frota actual que é de 9 unidades deste tipo.

Estes navios vão ter uma capacidade de transporte de 1 milhão de barris e o primeiro dos dois encomendados deverão ser entregues ao longo de 2023.

A notícia, que foi avançada numa publicação da petrolífera nacional, não aponta valores deste negócio, mas a consulta a estudos relativos à construção de um petroleiro do tipo Suezmax, o que significa que pode atravessar o Canal do Suez, com capacidade para 1 milhão de barris, ou 160 mil toneladas métricas, com, em média, 265 metros, pode custar entre 100 milhões e 150 milhões USD, dependendo do contrato e de factores importantes como o preço de mercado da matéria-prima a transportar.

Estes navios, ainda tendo como referência a informação existente em publicações especializadas, pode demorar entre 10 e 12 meses a construir um navio com estas características.

Uma das vantagens de possuir este tipo de navios na sua frota para a Sonangol é que não depende de terceiros, não tendo de se sujeitar à pressão do mercado de aluguer, que a médio prazo ficará sempre mais dispendioso, para colocar as encomendas de crude praticamente em todo o mundo, podendo mesmo ser uma mais valia nas negociações de curto prazo.