Depois do massacre na escola primária de Uvalde, Texas, a 25 de Maio, os Estados Unidos, como sempre acontece após estes persistentes e, aparentemente impossíveis de controlar, tiroteios em massa, voltou a sair à rua para protestar contra a inimaginável condição de mercado livre e desregrado de compra e uso de armas quase desde que as pessoas nascem.

Mas esse período de reflexão teve pouco tempo para acontecer, porque logo nos dias seguintes repetiram-se os ataques, como sucedeu em Tulsa, Oklahoma, a 02 de Junho, com a morte de 4 pessoas e vários feridos num hospital, e, já este fim-de-semana, de 04 e 05, pelo menos 12 pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas, algumas com gravidade, numa série de tiroteios um pouco por todo o país.

O que existe em comum em quase todos estes ataques indiscriminados e na generalidade dos casos? O uso da famigerada AR-15, uma metralhadora de enorme cadência de fogo, pouco distinta das similares usadas na guerra, como a AK-47 ou as norte-americanas M16 ou M27.

E o que permite e tem garantido que nenhuma Administração, em décadas de tiroteios em massa que chocaram o país e o mundo, consiga travar o acesso desregrado a estas armas, que em mais nenhum país do mundo estão disponíveis com esta facilidade, é a 2ª emenda à Constituição, de 1791, que diz explicitamente que todos os cidadãos têm direito ao uso e porte de arma para defesa da comunidade sem quaisquer restrições.

Este acrescento constitucional é o que tem permitido que o multimilionário negócio das armas nos EUA se mantenha florescente e sem entraves, alimentando-se através do financiamento ilimitado de lobbys criados a partir da poderosa Associação Nacional de Armas (NRA, na sigla em inglês) que actuam no Congresso e mantêm, como o próprio Presidente Joe Biden admitiu, "sequestrados" em permanência 50 senadores que impedem quaisquer iniciativas legislativas para alterar este abismo legal.

Um dos argumentos usados pelos grupos anti-venda livre de armas é que a 2ª emenda foi introduzida num período histórico de grande turbulência social nos EUA, o famoso "tempo dos cóbois - cow-boys" e que, numa interpretação legal normal noutras normais igualmente datadas e obsoletas, procedendo-se à adaptação coerente para a época actual (ver foto), este acesso seria obviamente restrito porque contraria a sua justificação original que é a protecção da comunidade, actualmente sob forte pressão por causa destes tiroteios erráticos e letais.

Mas o outro argumento é que se a norma constitucional obsoleta é mantida por imposição dos puritanos e conservadores dos valores históricos, então a 2ª emenda devia igualmente aplicar-se apenas ao tipo de armamento existente em 1791, onde as de uso comum impunham novo carregamento após cada tiro, o que tornaria estes tiroteios em massa praticamente impossíveis de acontecer, embora não evitasse mortes avulsas...

Face à dificuldade de avançar em matéria de restrições à aquisição de armas - na maior parte dos estados estas podem ser adquiridas a partir dos 18 anos, sem processos de rastreamento, e até as crianças podem usar armas desde que acompanhados pelos progenitores - o estado de Nova Iorque acaba de dar um passo importante neste capítulo, que é estabelecer como idade mínima para compra de armas semiautomáticas os 21 anos, por decisão da governadora Kathy Hochul.

Nova Iorque é, alias, aquele que mais restrições impôs ao longo dos tempos no acesso e uso e porte de armas, como, por exemplo, a possibilidade de os tribunais confiscarem armas a pessoas listadas em casos que tornam perigosa a condição de proprietário de uma arma, entre outras.

E quando os congressistas, como o republicano e conservador Ted Cruz, o mais conhecido dos defensores do acesso e uso livre de armas nos EUA, apontam como solução rezar pelos mortos e atribuir armas a todos os professores e a todos aqueles que trabalham em locais de acesso público sem mexer uma linha na liberdade garantida pela 2ª emenda, a governadora democrata de Nova Iorque veio defender o passo legal que deu afirmando que "as orações não resolver este problema" e, como tal, apontou como caminho "tomar decisões difíceis em nome das crianças que morrem e dos país que temem sempre que os seus filhos vão para a escola".