E foi assim mesmo, com o Papa a fazer questão de, no primeiro dia desta visita de três dias à RDC (República Democrática do Congo), que hoje termina, dizer aquilo que está na mente de milhões de africanos: "As multinacionais devem tirar as suas mãos da RDC e de África".
E isso é o mesmo, sem dupla interpretação possível, que dizer que são interesses estrangeiros que estão por detrás da instabilidade que atravessa o país com o subsolo mais rico do continente logo a seguir ao maiores produtores de petróleo, porque onde reina o caos e a violência é mais fácil extrair minérios como o coltão, cobalto, ouro ou diamantes, sem o controlo do Estado.
De acordo com as autoridades de Kinshasa, com suporte de documentos e declarações de organismos internacionais, como as Nações Unidas e diversas ONG"s, o leste do Congo, especialmente as suas províncias de Ituri e os Kivu Norte e Sul, as com o subsolo mais afortunado, está a ferro e fogo com apoio directo de países vizinhos, como o Ruanda, que está por detrás dos guerrilheiros do M23, sendo que as guerrilhas mais conhecidas como a Frente Democrática de Libertação do Ruanda (FDLR) ou a Aliança das Forças Democráticas (ADF), do Uganda, que jurou fidelidade ao `estado islâmico", têm ligações ao exterior congolês.
Mas quando o Papa fala das multinacionais que devem tirar as suas mãos da RDC e de África, refere-se às multinacionais ocidentais e chinesas, principalmente, mas também, embora em menor extensão, russas, que exploram os recursos naturais do continente à margem das regras internacionais de justiça nas trocas comerciais, porque estão, em grande medida, alicerçadas em esquemas de corrupção ou de violência estrategicamente criada para a exploração desses meses recursos sem o cumprimento de regras mínimas de justiça social, tributária ou ambiental, para reduzir gastos e exponenciar lucros.
"A RDC é um drama que acontece e o mundo mais desenvolvido assiste com olhos fechados, ouvidos fechados e boca fechada, embora mereça como todos o respeito e ser escutado", disse o Papa, acrescentando ainda que África "não é uma mina para ser explorada de forma selvagem nem é uma terra para esvaziar", e isso só acaba quando "os africanos resolverem ser os donos do seu destino".
Francisco apontou ainda a sua "cruz", durante um encontro com o corpo diplomático e a sociedade civil congolesas, contra o "genocídio esquecido" que há décadas varre o leste da RDC, onde milhões estão há décadas deslocados das suas casas e centenas de milhares morreram, vítimas de fome, guerra, calamidades naturais ou o infortúnio de ali ter nascido sem acesso a cuidados de saúde mínimos, escola ou salubridade na infância.
Em pano de fundo para as palavras do Sumo Pontífice, esteve sempre a exigência de paz no país, porque essa é a condição primeira para resolver todos os problemas que a RDC enfrenta, visto que recursos não lhe faltam para investir no desenvolvimento social e no progresso institucional.
Numa visita apostólica repleta de denúncias contra o "mal", e conselhos para que os africanos se organizem de forma a encontrar forma de colocar as suas riquezas a contribuírem para o seu desenvolvimento e não para o enriquecimento das potências mundiais e das suas multinacionais, o Papa aproveitou ainda a missa gigante para mais de 2 milhões de pessoas no aeroporto de Kinshasa, na quarta-feira, 01, segundo dia desta visita, para pedir aos cristão para deporem as armas se as tiverem nas mãos porque "um cristão não se comporta desta forma".
Ainda nesse mesmo dia este com grupos de habitantes do leste da RDC vítimas da violência que há décadas atormenta as populações indefesas, fazendo uma denúncia vibrante contra os ataques a aldeias, as violações, a destruição e a ocupação de vilas, aldeias e cidades, a pilhagem dos campos e de animais, ou a pilhagem dos recursos naturais que etsá por detrás de grande parte desta tragédia que corre diante dos olhos do mundo.
Já hoje, depois de um encontro com os bispos católicos da Conferência Episcopal congolesa (CENCO), o Papa segue para o Sudão do Sul, onde o esperam milhões de católicos e anglicanos quando aterrar em Juba na companhia do arcebispo da Cantuária e o chefe da igreja escocesa, líderes da igreja anglicana e presbiteriana, à qual são fiéis mais de dois terços dos 16 milhões de habitantes, sendo que, destes, perto de 40 por cento são católicos, mais de 6,5 milhões.
Ali, no Sudão do Sul, Francisco vai encontrar alguns problemas similares aos que estrangulam a RDC, como a violência gerada a partir da cobiça pelos recursos, a pobreza crepitante, atomizada ainda pelos efeitos devastadores das alterações climáticas.