Moisés Cravid do Sacramento Viegas tem uma história de resiliência capaz de produzir arrepios. Nascido há 40 anos na localidade de Cassuma, a 12 quilómetros do centro da Ilha de São Tomé, escalou Luanda aos 19 anos, numa aventura que quase lhe custou a vida. «Senhor embaixador, a minha vida está nas suas mãos! Se o senhor não me conceder este visto para eu viajar hoje, eu estou condenado à pobreza», foi a frase dirigida ao então embaixador de Angola em São Tomé e Príncipe, que lhe valeu, duas horas depois de ter chegado à Embaixada de Angola, a atribuição do visto de modo telegráfico: pedido e selado no mesmo instante. Chegara, em 2006, a Angola transportado por uma embarcação, já "ressuscitado" de um desmaio que teve tão logo apanhou a embarcação, depois de essa ter galgado alguns metros de mar no seu percurso do arquipélago para Luanda. Entregue à sua sorte, Moisés Viegas deu início à actividade comercial no antigo mercado do Roque Santeiro e, anos depois, abriu uma loja de venda de calçados com a sua marca. Entre as várias formações académicas que possui, saltam à vista uma licenciatura em Relações Internacionais pela Universidade Lusíadas de Angola e uma pós-graduação em Direito Internacional Privado de Menores (Universidade de Coimbra). Tem um vasto percurso na actividade cívica, com iniciativas de apoio à inserção de jovens no mercado de emprego e ajuda aos mais desfavorecidos no seu país.
Moisés Viegas, 40 anos, quer chegar a Presidente de São Tomé e Príncipe. É o memento certo para este desafio?
Quarenta anos não é cedo nem tarde. É o momento exacto para agir. Eu entendo que era possível esperar mais um pouco, se calhar, mais cinco, 10 anos e porquê não 15 anos? Mas eu faço parte de um país que já não pode esperar.
A que se deve esta ânsia de chegar ao poder?
O país não pode esperar porque a minha maior preocupação não é chegar ao poder, é ter utilidade para aquilo que pode acontecer em São Tomé e Príncipe. Não tinha de ser exactamente na Presidência. Aliás, porque eu trago uma vida de associativismo de mais de 12 anos. Como eu, existem outros jovens em São Tomé e Príncipe, mas tenho uma particularidade. E qual é a particularidade? Eu sou dos poucos jovens em São Tomé e Príncipe que não estão ligados a um partido político, e nunca estive. Não estou e nunca estive. Não estou porque não me interessa, não acredito muito nalguns partidos políticos, são sempre as mesmas pessoas, as mesmas ideias. Gostava de ter ideias novas, coisas novas, que pudessem ter impacto na vida das pessoas, na vida dos santomenses. E como não vi, preferi estar no meu canto, fazendo sempre alguma coisa que pudesse, enfim, ajudar a mudar a vida das pessoas.
Quando é que, durante este percurso no associativismo, o «bichinho» de tentar chegar a Presidente da República lhe fez «confusão»?
Na verdade, a minha corrida agora a Presidente da República não é um sonho, não é algo que vinha desenhando. Mas o que lhe posso garantir é que a minha vida no associativismo me levou a pensar em concorrer à Presidência da República. Porque este meu trabalho levou a todos os cantos do país.
Em que momento é que decidiu avançar?
Este ano.
Este ano?
Sim.
Não foi tarde, tendo em conta ser o ano das eleições?
Não, porque, desde o ano passado, que algumas vozes, alguns amigos diziam: Por que não, Moisés? Eu dizia que ainda estava a ponderar, estava a analisar, estava, sobretudo, a ver para a conjuntura política.
Que conclusão tirou da conjuntura política?
Se a geração que me antecedeu não tivesse falhado, talvez eu não fosse agora um dos candidatos a Presidente da República.
Onde é que a geração a que se refere falhou?
A geração falhou porque toda a movimentação que nós fazemos, na minha perspectiva, é para que haja um impacto na vida do outro. Quando eu percorro por uma zona, uma comunidade e vejo meninos que já não acreditam, que já não têm esperança, meninos que dizem que o país tem dono, quer dizer que a outra geração falhou. E falhou ainda mais quando falta pão à mesa, falta comida no prato, não há água na torneira. Portanto, a geração falhou e falha muito mais ainda quando temos um serviço de saúde que não funciona. Só para perceber o que quero dizer: hoje, aquilo que são os cuidados básicos essenciais de saúde ainda falham, e se isso acontece em pleno século XXI. Então, a geração que me antecedeu falhou.
Toca em problemas muito transversais a países africanos...
Sim. São problemas de grande parte dos países africanos, particularmente de língua oficial portuguesa. Porque, se nós formos ver, do ponto de vista histórico, sem algum exagero, vamos facilmente perceber que há uma geração que falhou, falhou em África. É preciso reconhecer isso. Entendo que o que vamos fazer não é um desligar totalmente da outra geração. Nós vamos fazer um encontro geracional, porque ainda existe muita gente de outra geração que, de facto, tem boas ideias e quer ajudar para o desenvolvimento do país. Estas pessoas são úteis.
De onde é que a geração mais nova, de que faz parte, vai buscar as ideologias políticas? Qual é a sua fonte de inspiração?
Esta geração vai buscar uma ideologia de crença, de que ainda é possível o país acontecer. Eu acredito que ainda é possível. Quando eu olho para o cenário, quando eu olho para a conjuntura de São Tomé e Príncipe, quando eu falo com as pessoas, eu sinto que ainda é possível fazermos alguma coisa diferente. É essa crença que me dá forças, que me dá toda esta motivação para lutar.
Disse-me, há pouco, que o sistema de saúde do seu país não funciona. O quadro é assim tão crítico como o apresenta?
O problema de saúde, a nível dos países africanos, sobretudo de língua oficial portuguesa, é muito semelhante. Em relação a São Tomé: nós somos, em média, 200 mil habitantes, temos mil quilómetros quadrados, 70% do nosso território é mar, só temos 30% de terra. Temos um sistema de saúde que, enfim, funciona, mas podia funcionar melhor.
Qual é o quadro preciso deste sistema de saúde?
Quando faltam os cudados básicos de saúde, quando chego a um hospital, não há medicamentos, quando ainda morremos por questões básicas de saúde...porque falta oxigénio, faltam medicamentos...
O país tem meios financeiros para suportar estas grandes necessidades do sector da Saúde?
Para a Saúde, tem de haver sempre finanças. Estamos a falar de um bem essencial, de um bem fundamental, por isso, amigo, tem de haver finanças para a Saúde. Se há finanças para comprarmos carros topos de gama para os governantes, se há finanças para comemorarmos algumas datas desnecessárias e gastamos milhões, tem de haver também dinheiro para a Saúde. Aliás, a Saúde e a Educação são as áreas com as quais não podemos brincar, tampouco poupar recursos.
O que é que o seu plano contempla para estas duas áreas?
É preciso fazer um reparo: o Presidente da República de São Tomé e Príncipe não é Executivo.
Fala do sistema semipresidencial, adoptado pelo seu país...
Sim. Mas há um Presidente da República a quem a Constituição confere também muitos poderes. Por exemplo, a nossa Constituição diz que "o primeiro homem do Estado santomense é o Presidente da República".
O que é que isso representa em termos do exercício do poder?
Quer dizer que, quando estamos a pensar na estrutura do Estado, primeiro vem o Presidente da República e (ele) tem sempre uma palavra a dizer em todos os assuntos que envolvem o país. E a Constituição diz mais: "Quem garante o real funcionamento das instituições do Estado é o Presidente da República".
E como este poder se exterioriza em termos práticos? Como esta partilha é feita, porquanto o Chefe do Governo é o primeiro-ministro?
Este poder exterioriza-se quando você tem um Presidente da República, que é muito mais que um Presidente da República, é o Presidente da República líder, é um Presidente da República que está preocupado com os 200 mil habitantes e não um Presidente da República que está preocupado com um grupo de indivíduos que, muitas vezes, faz parte do seu partido político. Falo-vos, em termos ideias, de um Presidente da República que olha para o sistema de saúde e chama a atenção ao Executivo. Vou-lhe dar um exemplo: eu fui a uma comunidade chamada Vista Alegre, e uma moradora da comunidade disse-me que iria votar em mim para que eu, caso fosse Presidente, resolvesse o problema da água que já durava há 20 anos e que até já tinha causado problemas de insuficiência renal à sua netinha. Mas eu fui claro em dizer à senhora que o Presidente da República não constrói um chafariz. Entretanto, disse-lhe também que o Presidente da República pode jogar a sua influência no sentido de pressionar o Executivo a resolver aquele problema, que é um problema de base, a falta de água, um bem essencial. Disse-lhe mais: eu ainda não sou Presidente da República, mas, a partir do dia 18 de Julho, eu tenho a plena certeza de que o serei.
Há razões para tanto optimismo? Em que assenta esta certeza?
Tenho a certeza absoluta de que vencerei estas eleições. Sou uma pessoa de muita fé, acredito muito em Deus e eu olho para a conjuntura. Há uma conjuntura neste momento em São Tomé e Príncipe muito propícia para levar um candidato independente a Presidente da República.
Qual é, afinal, esta conjuntura?
A verdade é que as pessoas já não acreditam nos partidos tradicionais nem nos políticos tradicionais. A mensagem já não passa, e, como já não passa, há um vazio, e esse vazio nós não vamos preenchê-lo com comida e muito menos com bebida, tampouco com cerveja. Esse vazio, vamos preencher se tivermos uma mensagem de esperança, e eu trago-a.
«Há uma conjuntura muito propícia para levar um candidato independente a PR»
A recolha de assinaturas para garantir a candidatura a Presidente da República deu-lhe esta garantia?
As assinaturas deram-me estes indicadores, até porque eu me envolvi directamente na recolha destas assinaturas, o que não é comum, porquanto os candidatos, normalmente, não fazem isso. Na verdade, eu queria testar a minha relação com as pessoas. As pessoas que fazem parte da minha equipa disseram-me, de antemão, que não conseguiríamos essas assinaturas sem pagar, e eu disse-lhes que não acreditava nesse modelo. Disse-lhes que, se nós não estivéssemos em altura de recolher as assinaturas sem pagar, não valia a pena lançarmo-nos ao desafio. Garanti-lhes que eu tinha plena certeza de que o santomense espera algo de novo, novo rosto, nova forma de fazer política, nova mensagem. Entrei no terreno para recolher as assinaturas e não foi uma coisa muito difícil.
Não foi difícil?
Sim, não foi, era só dizer às pessoas que a minha candidatura representava a esperança, ou seja, quando o Moisés Viegas, que é um rapaz de Cassuma, chegar a Presidente da República, o menino lá da comunidade vai acreditar que é possível, que é possível ser um bom professor, um bom jornalista, um bom agricultor. Quer dizer que o menino da comunidade só precisa de motivos para acreditar, e eu represento estes motivos. A lei diz que, para concorrer a Presidente da República, é necessário um mínimo de 500 assinaturas. Nós superámos as expectativas porque recolhemos quase 200 mil.
Terá pela frente 18 outros concorrentes à Presidência do seu país.
Eu conheço todos os meus concorrentes, e muitos deles até são amigos, respeito-os todos. Mas eu tenho uma particularidade: eu sou o único concorrente, nesta corrida, verdadeiramente independente. Muitos dos meus concorrentes, que não são apoiados pelos partidos de que fazem parte, dizem que são candidatos independentes. E porque é que assim o fazem? Porque já perceberam que o povo de São Tomé e Príncipe está à espera de um Presidente da República que seja independente, que seja um Presidente da República efectivamente para os 200 mil habitantes. E como perceberam isso, vão dizendo que são candidatos independentes. Quando nós olhamos para o cenário dos candidatos, notamos que sou o único candidato, nesta corrida, que nunca fez parte de nenhum partido político e nunca esteve no Governo. Portanto, eu sou, verdadeiramente, o único candidato independente. Em São Tomé e Príncipe, na história das eleições presidenciais, essa vai ser a primeira vez que vai chegar ao poder um candidato independente. Os eleitores deixam a seguinte mensagem: Nós queremos uma cara nova. A minha pergunta é: quem é, afinal, a cara nova? A cara nova é, obviamente, alguém que nunca esteve no Governo, cara nova é alguém que nunca esteve no cenário político e cara nova é alguém que tem uma mensagem diferente, porque os candidatos tradicionais já não têm mensagem, a mensagem já não passa. Esta é a diferença que existe com os meus concorrentes.
O sistema semipresidencialista em vigor em São Tomé e Príncipe, que centra o poder de governação na figura do primeiro-ministro, eleito através de uma lista partidária, não lhe impõe alguns receios quanto aos objectivos que traçou, caso seja confirmado Presidente da República?
É importante observar que, segundo a lei do país, para concorrer a primeiro-ministro, pode ser por via de um partido político ou movimento político. Eu não faço parte de nenhum desses grupos. Entretanto, quero deixar tranquilo que, quando chegar à Presidência, vou trabalhar com qualquer Governo da República, porque a minha missão é ser Presidente de todos os santomenses, colaborar com o Governo, para que haja mudanças efectivamente na vida das pessoas.
Caso chegue a Presidência do país, vai partilhar o poder. Tem preferência por um primeiro-ministro, quer dizer, pelo partido político que este vier a representar?
Não. Eu gostava de trabalhar com um primeiro-ministro que estivesse, realmente, interessado em mudar a vida do povo santomense. Neste momento, nós temos um primeiro-ministro, que é o Dr. Jorge Bom Jesus, cujo mandato deve terminar em 2022. É, seguramente, o primeiro-ministro com quem hei-de trabalhar.
Tem com ele uma boa relação?
O Dr. Jorge Bom Jesus foi meu professor, é uma pessoa que conheço razoavelmente bem, acho uma pessoa sensata, ponderada, uma pessoa que tem vontade de fazer alguma coisa, mas, lamentavelmente - é um reparo que já lhe fiz pessoalmente - o seu grande problema são as pessoas que estão à sua volta. Eu conheço o PM, já estive com ele em vários debates e sinto que, de facto, é um primeiro-ministro que tem vontade de fazer alguma coisa. Se tiver um Presidente da República com a mesma motivação, com a mesma determinação, seguramente isso vai contribuir grandemente para a realização de grandes projectos que o actual primeiro-ministro tem em carteira.
O que a geração mais antiga, os veteranos da política de São Tomé e Príncipe, dizem, ainda que nos bastidores, a respeito da sua candidatura?
Nas conversas em bastidores, os veteranos vão sempre dizendo que ainda não chegou a tua hora, era bom que esperasses mais um pouco. Mas nós não recuámos. Daí que o slogan da nossa campanha é "Agora é a nossa vez", pois a nossa geração não pode falhar e há um país, de que faço parte, que não pode esperar mais. Portanto, se o país não pode esperar mais, eu também já não posso esperar, o meu filho já não pode esperar, o meu vizinho já não pode esperar, as mulheres em São Tomé e Príncipe já não podem esperar, há um sistema de saúde que já não funciona e já não pode esperar, a economia está doente, não pode esperar, portanto, o país já não pode esperar e temos de agir. Tem de ser agora!
Falando em economia, o que pensa do sector petrolífero de São Tomé e Príncipe?
Sabe, por acaso, agora, falou-me do petróleo. Eu fiquei aqui a reflectir seriamente, eu acredito, conheço muito bem São Tomé e Príncipe, sou santomense, vivi toda a minha vida em São Tomé, à excepção aos 12 anos que passei por cá, em Angola, enquanto estudei e trabalhei. Eu não acredito que nós precisamos de petróleo para salvar a economia de São Tomé e Príncipe. São Tomé e Príncipe está no Golfo da Guiné, como deve imaginar, e, do ponto de vista geoestratégico, nós temos cá, à nossa volta, qualquer coisa como 300 e tal milhões de consumidores. Nós estamos a 1 hora e 45 minutos de Angola, estamos a 45 minutos do Gabão, a 1 hora e 20 minutos da Guiné Equatorial, portanto, nós somos um país privilegiado. Que vantagens podemos tirar disso? Podemos tirar muitas vantagens se nós, efectivamente, criarmos condições no país e abrir o país para o investimento externo e estrangeiro, que é aquilo que eu defendo categoricamente. Quando eu penso na economia do país, eu vejo um Estado altamente sobrecarregado, que é o maior empregador, e sabe que qualquer país em que o Estado é o maior empregador este país falha. O Estado não pode ser o maior empregador. Portanto, neste momento, o nosso foco não deveria ser o petróleo, até porque nós temos muitos exemplos de países à nossa volta que não diversificaram outras áreas da economia por se terem focado apenas no petróleo.
Está a falar de Angola?
Não, necessariamente. O Gabão, que é o meu vizinho...
Voltando ao que disse há pouco, sobre o Estado ser o maior empregador, trata-se de uma realidade como em África.
Mas, o Estado não pode ser o maior empregador. O Estado não pode querer ocupar-se de tudo, quando deveria concentrar-se nas políticas públicas e abrir o país para o investimento externo e privado. Os investidores é que fazem um país desenvolver. Eu acredito que a nossa imagem a nível das relações internacionais precisa de ser lavada e polida. São Tomé e Príncipe é um país muito bonito, muito atraente, nós podemos atrair tudo de bom e de melhor para São Tomé e Príncipe. Mas, para que isso aconteça, precisamos de um Presidente da República que venda a boa imagem do país.
Viveu fora de São Tomé e Príncipe durante vários anos. Qual é a imagem do país visto a partir de fora?
A partir de fora, quando eu olho para São Tomé, vejo um país lindo, um país em que 70% é mar. Sabe o que isso significa para um país que tem 70% do seu território mar? Economia azul. Um país que tem 70% de mar não pode pensar que é pobre. Aprendi no curso de Relações Internacionais, na cadeira de Geopolítica e Geoestratégia, que o país que não tem mar é um país pobre, e eu tenho 70% de mar. Então, se me perguntar se São Tomé é rico ou é pobre, eu vou dizer-lhe que é rico. Agora, a forma como lidamos com a nossa riqueza é que nos leva à pobreza. Eu vou focalizar-me apenas nos pescados: sabe que o atum de referência, o melhor, está em São Tomé e Príncipe e toda a gente vai atrás do nosso atum. Japoneses, União Europeia, chineses vão lá, pegam, levam para o estrangeiro, ganham fortunas e nós o quê que ganhamos? Nada! Só para ter ideia, São Tomé e Príncipe tem um acordo com o Japão e, segundo este protocolo, o Japão dá-nos um donativo de arroz e nós, em contrapartida, entregamos o mar para os japoneses. E a pergunta de partida que sempre faço é: Um país que se quer desenvolver pode trocar o mar pelo arroz? Não há qualquer problema em vendermos o atum e os derivados do mar aos japoneses, mas nós temos de os vender ao valor real.
E não tem sido assim?
Claro que não. Temos de os vender no valor que eles merecem. Não podemos trocar o atum com o arroz, porque eu, com o dinheiro, compro o arroz onde quiser, mas o atum que eu tenho no mar em São Tomé eu não encontro onde quiser. Logo, o meu diamante, o meu petróleo é aquilo que eu tenho em mãos, e o meu atum é o meu diamante. Eu tenho de fazer isso valer a pena. Nós, também, poderíamos fazer uma coisa: os japoneses têm tecnologia, eu não conheço nenhum santomense que pesca no Japão, portanto, se eu tiver de defender o interesse nacional, não é todo bom que os japoneses fossem pescar em São Tomé. O atum não deveria sair de São Tomé. Só para ter ideia: aquela latinha de atum que vendem aqui em Angola também vendem em São Tomé. Em São Tomé, aquilo custa, em média, 1 euro. É muito dinheiro! Porque é que nós não convencemos os japoneses a mudarem a sua indústria para São Tomé? Se nós fizéssemos isso, estaríamos a ganhar várias vezes, tiraríamos muitos jovens do desemprego e conseguiríamos uma boa arrecadação em impostos. Por outra, quem deveria pescar em São Tomé são os santomenses e, depois, vender o pescado para os japoneses. É desta forma que nós devemos defender o interesse nacional, para que, efectivamente, possamos mudar a vida do povo.
O que prevê o seu plano de presidência quanto à relação com Angola, um país que conhece?
Eu penso que podemos explorar cá a nossa localização geoestratégica, que é de todo bom, quer para São Tomé, quer para Angola. Angola é um parceiro e sempre será um parceiro estratégico para São Tomé e Príncipe, disso não podemos ter dúvidas. Eu costumo dizer que podemos ter amigos que vêm de longe, mas nós não podemos dispensar os nossos vizinhos, e Angola é um vizinho. Nós estamos a 1 hora e 45 minutos de Angola, temos uma relação boa com Angola, mas que é preciso sempre melhorar. Por exemplo, o que tenho notado é que as nossas relações se circunscrevem mais a nível de partidos políticos, o que é mau. A relação tem de ser entre os dois países. É preciso criar condições para que haja uma relação entre Angola e São Tomé, independentemente dos governos que estejam no poder e do Presidente que esteja no poder, se é do partido A ou do partido B.
Qual é o peso da sua experiência no associativismo na sua candidatura?
Tenho a plena certeza de que serei o Presidente da República diferente de todos que já tivemos. Eu não preciso de ser Presidente da República para ter impacto na vida da outra pessoa, e esse exemplo eu já deixei claro em São Tomé e Príncipe. Tenho uma vida de associativismo de mais de 12 anos, e essa vida de associativismo teve carácter social na vida das pessoas.