Na verdade, mesmo com empenhado esforço, em nenhum media russo foi possível encontrar o "mapa" deste périplo, maus um dos vários que Sergei Lavrov realizou no continente africano nos últimos dois anos, incluindo uma passagem por Luanda.

A razão do sigilo sobre a rota desta deslocação do chefe da diplomacia russa pode ser facilmente justificada pelos riscos que existem ao atravessar o espaço aéreo da Guiné-Conacri, a primeira etapa, depois a República do Congo, e, por fim, o Burquina Faso, onde existem guerrilhas activas e em confronto directo com forças paramilitares russas.

Menos difícil de descortinar são os objectivos de largo espectro da diplomacia do Kremlin, que são realinhar o maior número possível de países do continente com a sua visão global que procura retirar a hegemonia global aos Estados Unidos e recentrar a geopolítica planetária no eixo Moscovo-Pequim-Sul Global.

E, para isso, segundo é evidenciado pelos dados existentes, a Rússia já percebeu que a parte mais frágil seria a extensa geografia "francófono" da África Ocidental e Central, onde, nos últimos quatro anos diversos golpes de natureza militar levaram a essa mudança de agulha, desde logo no Mali, no Burquina Faso, no Níger, Guiné-Conacri... (ver links em baixo nesta página)

E foi isso que Lavrov reforçou nestas passagens por Conacri, primeiro, onde esteve reunido com o seu homólogo, Morissanda Kouyaté, com quem discutiu questões da cooperação bilateral, e com o Presidente interino, general Mamady Doumbouya, que liderou em 2021 o golpe que destronou o Presidente Alpha Condé, em cuja reunião os temas foram de maior abrangência e claramente relativos ao posicionamento estratégico da Guiné.

De seguida, Lavrov voou para a República do Congo, onde manteve encontros com o seu homólogo Jean-Claude Gakosso, de quem ouviu declarações em conferência de imprensa de defesa de uma solução negociada para a guerra na Ucrânia e críticas à Cimeira da Suíça para a qual a Rússia não foi convidada.

Gakosso disse numa conferência de imprensa conjunta, numa crítica ácida à França queaqueles que defendem o envio de forças armadas ocidentais para a guerra na Ucrânia, como é o caso do Presidente Emmanuel Macron, "não estão a ajudar o processo de paz, pelo contrário, colocam toda a Humanidade em risco de um fatal e definitivo confrionto".

"E isso não pode ser visto como uma posição responsável", apontou o ministro dos Negócios Estrangeiros da República do Congo.

Sergei Lavrov esteve ainda com o Presidente Denis Sassou-Nguesso, na localidade de Oyo, na qualidade de presidente do comité da União Africana para a Líbia, com a missão de organizar uma reunião com as partes em conflito e para a qual a Rússia é parte interessada enquanto aliado do general Khalifa Haftar, que domina a parte oriental do país.

Foi ali que Lavrov aproveitou para dizer que todos os militares que a França, a antiga potência colonial do actual Congo-Brazzaville, antiga colónia da África Equatorial, enviar para a Ucrânia, serão "alvos legítimos" para as forças da federação Russa.

Na etapa seguinte deste tour africano, Lavrov seguiu para o Burquina Faso, a primeira que fez a este país após a viragem de agulha político-diplomática para Moscovo e um claro afastamento da esfera francesa.

Em Ouagadougou, Sergei Lavrov disse mesmo que ele e a sua delegação foram recebidos com tal "calor humano" que rapidamente se "sentiram em casa", destacando a grande qualidade das relações bilaterais.

Nesta passagem pelo Burquina Faso, Lavrov, citado pela TASS, a agência estatal russa, disse que Moscovo está a reorganizar a sua rede de embaixadas em África, tendo aberto a mais recente precisamente em Ouagadougou.

"Nós estamos a implementar um programa de reactivação das nossas embaixadas em África e o Burquina Faso foi a primeira etapa desse programa", disse o chefe da diplomacia do Kremlin.

E aproveitou para voltar a criticar a Cimeira da Paz na Suíça organizada pela Ucrânia e pelo Governo suíço sem que a Rússia tenha sido convidada, o que Lavrov já disse anteriormente ser uma iniciativa vazia de conteúdo e inútil, acrescentando agora que "visa apenas impedir o colapso da frente anti-russa".