Emmanuel Macron disse que o continente africano "expressou a sua hipocrisia" ao não reconhecer a "agressão unilateral" à Ucrânia por parte da Rússia quando a 24 de Fevereiro invadiu o país vizinho, como o fez a União Europeia, cujas opções queria ver seguidas pela União Africana.
O "tour" de Macron, que o levará ainda ao Benim e à Guiné-Bissau, coincide no terreno com uma visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, que esteve no Egipto, seguiu para o Uganda e a República do Congo, para acabar na Etiópia, com um encontro alargado com vários países africanos representados em Adis Abeba, sede da União Africana.
A tese de Macron, que iguala a da totalidade dos países ocidentais, da Europa aos Estados Unidos, é que a Rússia está a usar os cereais como arma de arremesso, lembrando que Moscovo é responsável pela crise alimentar que assola o continente africano devido, embora esta versão seja negada pelo Kremlin, ao bloqueio russo dos cereais e fertilizantes ucranianos nos portos do Mar Negro.
Ao lado do seu homólogo camaronês, Paul Biya, de 80 anos, e mesmo tempo que largava este ataque sem precedentes às opções políticas africanas, que já mereceu reacções acusando o Chefe de Estado francês de ingerência, Macron, de 44 anos, disse estar o seu país disponível para garantir a segurança dos países africanos, especialmente no Sahel onde o jihadismo há anos que espalha o terror e a instabilidade regional e tende a expandir-se para regiões como os Grandes Lagos, uma área de clara influência de Angola.
Como se percebe pela cobertura dos media franceses a este "tour", a outra prioridade de Macron é abrir caminho para uma mais consolidada presença militar francesa na geografia conhecida como "FranceAfrique", constituída pelas suas antigas colónias mas com um pé igualmente na Guiné-Bissau, uma das etapas desta visita ao continente, a primeiro desde que foi eleito para o segundo mandato, este ano.
A tecla da "hipocrisia africana" foi, no entanto, o foco mais intenso desta mediática visita, aproveitando Macron para atacar directamente Sergei Lavrov, igualmente a percorrer os trilhos diplomáticos africanos, acusando-o, embora sem pronunciar o seu nome, de estar a acusar de forma infundada as sanções aplicadas à Rùssia pelo ocidente de serem a causa a montante da crise alimentar.
"Estamos a ser atacados por certas pessoas que defendem que a crise alimentar em África é resultado das sanções à Rússia, mas isso é totalmente falso, a verdade é que os alimentos e os combustíveis estão a ser usados pela Rússia como armas de guerra", atirou o francês.
E foi neste enlace que Emmanuel Macron atingiu os países africanos em cheio, sublinhando a hipocrisia existente, "particularmente no continente africano", quando se nega que o conflito na Ucrânia é uma guerra.
Esta posição arriscada de Macron em África promete ser a pedra de toque que marcará esta visita ao continente num momento particularmente melindroso, e onde o mundo tende a dividir-se entre aqueles que apostam no isolamento da Rússia na arena internacional e aqueles que não alinham neste posicionamento cru, rejeitando todo o argumento russo para justificar o ataque à Ucrânia.
Recorde-se que nas duas tentativas dos Estados Unidos e dos seus aliados ocidentais de isolar Moscovo na Assembleia-Geral da ONU, vários países afrcianos optaram por contrariar a maioria e muitos deles abstiveram-se de forma a não se comprometerem com uma posição anti-Rússia.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.