A apresentação do "super pedido" contou com discursos de líderes da oposição, como da presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada Gleisi Hoffmann, e de adversários políticos de Jair Bolsonaro, como os deputados Kim Kataguiri e Joice Hasselmann, ambos ex-aliados do chefe de Estado.

O documento, entregue num momento em que o Governo é atingido por denúncias de alegada corrupção na compra de vacinas contra a covid-19, consolida argumentos já apresentados nos mais de 120 pedidos de destituição contra Bolsonaro já apresentados à Câmara dos Deputados.

"Protocolamos o super pedido de 'impeachment' [destituição] de Bolsonaro. Já são mais de 100 pedidos com denúncias crimes de responsabilidade. (...) Vamos pressionar pela aceitação! Ninguém aguenta mais esse Governo da morte, que brinca com a saúde do brasileiro e destrói o país", escreveu Gleisi Hoffmann na rede social Twitter.

"Bolsonaro é responsável pelas mais 500 mil mortes por covid-19 e cometeu crimes contra a saúde pública, as instituições, a democracia e as finanças públicas. Fora Bolsonaro, para o Brasil sair da crise", acrescentou a deputada.

A presidente nacional do PT disse ainda que o pedido de destituição "contém 21 crimes de responsabilidade" alegadamente praticados por Bolsonaro e "enquadramento em 23 tipos legais".

As recentes suspeitas de corrupção no contrato de compra da vacina indiana contra a covid-19 Covaxin são citadas no pedido.

No documento constam ainda acusações de Bolsonaro cometer acto de hostilidade contra nação estrangeira; de atentar contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; de cometer crime contra a segurança nacional, ao endossar manifestações que conclamavam a intervenção militar ou o encerramento do Congresso do Supremo;

O texto aponta também interferência indevida na Polícia Federal para a defesa de interesses pessoais e familiares; de agravar a pandemia com práticas negacionistas e agressões ao direito à saúde, entre outros.

O deputado Kim Kataguiri, coordenador do grupo Movimento Brasil Livre (MBL), importante grupo de direita que apoiou Jair Bolsonaro na sua chegada ao poder, destacou que, em condições normais, não estaria a dividir o palanque com diversos partidos de esquerda, mas ressaltou que é um momento que une partidos de todos os espectros políticos.

Já a deputada Joice Hasselmann, que já foi líder do Governo no Congresso no primeiro ano do Governo de Bolsonaro, afirmou que o apoio ao pedido de destituição não é uma questão ideológica, afirmando que Bolsonaro agiu de maneira inacreditável na condução da pandemia.

"Poderíamos ter 200 mil mortos a menos no país se tivéssemos vacina, distanciamento e uso de máscara. (...) Duzentos mil mortos é o equivalente ao que a bomba atómica matou em Hiroshimna e Nagazaki. Ele deitou duas bombas no país. Quem tem amor por esse País não pode aceitar isso", argumentou a parlamentar.

"Não pode o Congresso ficar de mãos atadas para tantos crimes cometidos por um Presidente. Não se trata de achar o Governo bom, ruim, regular. Se trata de não permitir que um Governo cometa crimes", disse, por sua vez, o deputado de esquerda Marcelo Freixo.

Entre os signatários do pedido estão também representantes da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) ou do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Cabe agora ao presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, eleito para o cargo com o apoio de Bolsonaro, decidir se aceita ou não o pedido.

Bolsonaro diz que não serão "mentiras" a tirá-lo do poder

O Presidente brasileiro afirmou que "mentiras" não irão derrubá-lo do poder e classificou de "bandidos" senadores que investigam falhas na gestão da pandemia de covid-19, num momento em que o seu Governo é atingido por denúncias de corrupção.

"Não conseguem nos atingir. Não vai ser com mentiras ou com a CPI [comissão parlamentar de inquérito do Senado], integrada por sete bandidos, que vão nos tirar daqui", disse Jair Bolsonaro, referindo-se à ala maioritária da comissão de inquérito, durante um evento em Mato Grosso do Sul.

"Temos uma missão pela frente: conduzir o destino da nossa nação e zelar pelo bem-estar e pelo progresso do nosso povo", acrescentou, citado pela imprensa local, sem mencionar directamente os escândalos de alegadas irregularidades na compra de vacinas contra a covid-19 que abalam o seu executivo.

No seu rápido discurso, Bolsonaro exaltou ainda as Forças Armadas: "Só tenho paz e tranquilidade porque sei que, além do povo, tenho as Forças Armadas comprometidas com a democracia e a nossa liberdade. Pode ter certeza de que temos uma missão pela frente e vamos cumpri-la da melhor maneira possível".

As declarações de Jair Bolsonaro surgem depois de o jornal Folha de S. Paulo noticiar que um representante de uma empresa vendedora de vacinas da Astrazeneca afirmou ter sido alvo de uma tentativa de suborno em troca de um contrato com o Governo brasileiro.

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, indicou que o dircetor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, pediu um suborno de um dólar (0,84 cêntimos de euros) por cada dose da vacina.

A denúncia culminou na exoneração de Roberto Ferreira Dias.

Além disso, na semana passada, foi revelado um outro suposto esquema de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin, em que o deputado federal Luis Miranda e o seu irmão Luis Ricardo Miranda, funcionário do Ministério da Saúde, afirmaram que alertaram Bolsonaro sobre as alegadas irregularidades no contrato da Covaxin.

Luis Ricardo Miranda revelou ter sofrido "pressões incomuns" para finalizar os trâmites de compra do imunizante, mesmo tendo identificado falhas no processo, como a divergência de nomes de empresas envolvidas na negociação e a falta de documentos, entre eles o certificado de boas práticas.

Entre outros pontos suspeitos, ficou acertado na negociação que uma empresa sediada em Singapura deveria receber parte do pagamento mesmo não estando no contrato.

O contrato, que acabou por ser suspenso na terça-feira, previa a aquisição de 20 milhões de doses a um preço total de 1,61 mil milhões de reais (cerca de 270 milhões de euros), apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão regulador, ainda não ter aprovado totalmente o antídoto.

A aquisição da Covaxin foi a única realizada pelo Governo do Brasil de forma indirecta, ou seja, através de uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos. A vacina também tem sido colocada em causa por ter sido a mais cara obtida pelo país.

O Ministério Público encontra-se a investigar o caso, mas Bolsonaro nega a existência de corrupção no seu Governo.

O Brasil, um dos países mais afectados pela pandemia, totaliza 515.985 mortes e mais de 18,5 milhões de casos positivos de covid-19.