O ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso pediu hoje que os eleitores votem em Luiz Inácio Lula da Silva, num vídeo divulgado nas redes sociais do líder progressista, que disputa a segunda volta da eleição presidencial do Brasil no domingo

"Meus amigos e minhas amigas, você que melhorou de vida com o [plano] Real e acredita no Brasil, nessas eleições não tem dúvida, vote no 13, vote no Lula porque ele vai melhorar mais ainda a sua vida", afirmou Fernando Henrique Cardoso, no vídeo publicado por Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), que lidera uma frente progressista.

Na segunda-feira, Lula da Silva já havia recebido apoio de José Sarney, ex-presidente brasileiro que liderou o processo de redemocratização do país depois da ditadura militar (1964-1985).

Numa em carta aberta, Sarney, que governou o Brasil de 1985 a 1990, afirmou que "o voto em Lula - que já tem seu lugar na História do Brasil como quem levou o povo ao poder e como responsável por dois excelentes governos - é voto pela democracia, pela volta ao regime de alternância de poder, pela busca do Estado de bem-estar social. A diferença é clara."

Além de manifestações vindas de lideranças dentro do Brasil, Lula da Silva também recebeu apoio do primeiro-ministro português, António Costa, na qualidade de secretário-geral do PS, e do líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), Pedro Sanchéz, que é chefe do Governo em Espanha.

A média das últimas sondagens realizadas no país indica que Lula da Silva lidera a corrida presidencial com cerca de cinco pontos à frente do seu adversário, o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição.

Famílias e amigos separados numa polarização que não acabará no domingo

A crispação política no Brasil personificada por dois blocos antagónicos provocou um rasto de destruição na sociedade brasileira e infetou famílias e amigos numa polarização que não acabará no domingo.

Um rutura na sociedade que teve como gatilho a onda de protestos em 2013 contra a Presidente brasileira Dilma Rousseff, que se agudizou com os escândalos de corrupção que vieram à tona, que cresceu com a prisão de Lula da Silva, que explodiu com a vitória e os consequentes quatros anos no poder de Jair Bolsonaro e que culminou agora com a luta presidencial entre dois nomes altamente populares.

Vitor Kenzo Souza, de 19 anos, é um dos vários exemplos que devido às suas escolhas políticas foi retirado do grupo de WhatsApp da família.

"Me tiraram do grupo, meus parentes distantes, meus primos distantes me tiraram porque meu voto acaba sendo no Lula. Me tiraram do grupo de WhatsApp e eu não lembro de ter sido chamado para algum evento de família nestes últimos tempos", contou à Lusa, em São Paulo.

Kaique Nascimento Santos, de 18 anos, residente em São Paulo, vivenciou uma experiência semelhante. No lado materno votam em Lula da Silva, enquanto no lado paterno há dois primos que preferem Jair Bolsonaro.

"Não gosto de briga, sou uma pessoa que não briga por política, mas um dia tive que intervir porque os meus dois primos `bolsonaristas` causaram uma discussão muito grande no grupo da família. Um primo e meu tio discutiram no WhatsApp, houve um desrespeito muito grande", começou por contar.

"No grupo da família todo mundo mandava informações sobre os candidatos, mas ninguém respondia. Num dia específico começou uma briga generalizada. Uma discussão séria com muito desrespeito. Isto abalou a família. O Meu tio saiu do grupo, o meu primo saiu do grupo, e não teve mais almoço em família. Ficou um clima bem chato", relatou.

Em Brasília, cidade da residência oficial do futuro Presidente brasileiro, Roberto Oliveira, conta que a família da sua mulher vota maioritária em Bolsonaro e o seu lado em Lula da Silva. Resultado: deixou de haver almoços.

"Não existe isso mais", conta o homem de 57 anos do ramo fotovoltaico.

"Nós temos uma viagem programada para [a cidade de] Natal, para casa da minha sogra, e essa viagem a gente está para cancelar por vai lá chegar num clima super estranho", completou.

Uma sondagem divulgado há um mês por parte do Instituto Datafolha indica que quase metade dos brasileiros diz ter deixado de falar com amigos ou familiares sobre política para evitar discussões nos últimos meses e quase 35% não revela as suas preferências políticas em locais públicos, ou a desconhecidos.

Estas questões familiares, como em toda a sociedade, entraram também em casa de personalidade bem conhecidas do público brasileiro.

Leonardo, um conhecido cantor de sertanejo, marcou presença na semana passada num almoço organizado por Jair Bolsonaro, com as principais estrelas musicais do sertanejo do país que lhe prometeram apoio em nome da família, do interior e do agronegócio.

O seu filho, um conhecido `influencer` brasileiro, reagiu de imediato nas redes sociais dizendo estar enojado com o seu pai.

"Diante de todos os últimos escândalos envolvendo o atual mandatário ver alguém tão importante para mim declarar apoio dessa forma me enoja. É tanta ignorância que nem sei", afirmou João Guilherme.

"Votar em Lula não te envergonha? Pois deveria", escreveu a mãe da atriz Giovanna Lancellotti depois da atriz declarar o voto em Lula.

Outro dos muitos casos conhecidos entre famílias de personalidades brasileiras é o da atriz Regina Duarte, uma fervorosa apoiante de Bolsonaro, e da sua filha, também atriz, Gabriela.

Gabriela conta mesmo que no período em que a sua mãe assumiu o cargo de secretaria Especial da Cultura chegou a receber ameaças. "Uma coisa posso afirmar, nós somos muito diferentes em muitas coisas", afirmou Gabriela, durante uma entrevista em 2021.

"Eu entendo que exista uma associação, até mesmo pelo trabalho. É uma coisa que eu poderia ter feito o movimento de separação antes, talvez me expondo mais", acrescentou.

Nos bares, locais de entretenimento, lazer e restaurantes a situação a semelhante. Daniel, um brasiliense de 34 anos, conta à Lusa que dependente do lugar escolhido pelos seus amigos decide se vai ter com eles ou não.

"Se me chamam para o Pontão do Lago Sul [um paredão de restaurantes em frente ao Lago Paranoá] sei que vai ter ambiente bolsonarista", explica, acrescentando que agora se o convidam para rodas de samba já não vai porque acabam por se tornar "num comício do PT".

Kaique Nascimento Santos não se mostrou nada confiante de que este clima se altere a partir de domingo: "Se o Lula [da Silva] for eleito Presidente todo mundo ficará de olho nele por causa do passado. Se ele for Presidente qualquer deslize já vai ser suficiente para os `bolsonaristas` reclamarem. E se for o Bolsonaro [eleito] serão mais quatro anos na luta porque eu, como muitas pessoas, concordo mais com o Lula da Silva do que com o Bolsonaro".

Roberto Oliveira, ligeiramente mais esperançoso, atirou: "Pode ser que flexibilize"

Bolsonaro diz estar a perder devido a crime eleitoral

Jair Bolsonaro criticou a decisão das autoridades judiciais de negarem uma investigação a alegados crimes eleitorais

Jair Bolsonaro criticou a decisão das autoridades judiciais de negarem uma investigação a alegados crimes eleitorais Fernando Bizerra-Epa

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, criticou a decisão das autoridades judiciais de negarem uma investigação a alegados crimes eleitorais que fazem com que a sua candidatura presidencial esteja a perder votos em certas localidades.

Bolsonaro, que se encontrava em ações de campanha no estado de Minas Gerais, marcou uma conferência de imprensa de última hora no Palácio da Alvorada, em Brasília, após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil ter negado na quarta-feira o pedido para investigar alegados crimes de utilização de espaços de propagada eleitoral na rádio.

"Em certos locais que achei que iria bem e poderia até ganhar, vimos que perdemos. As inserções fizeram ou poderiam ter feito a diferença. Não existe outro fator que podemos levar em conta nesse momento", afirmou o candidato, na sede oficial da presidência brasileira, tecendo duras críticas às autoridades eleitorais.

Bolsonaro e a sua campanha alegam que dezenas de rádios deixaram de transmitir a sua propaganda gratuita, à qual todos os candidatos têm direito, uma conclusão assegurada através da contratação de duas auditorias que investigaram o caso.

"(Houve) dezenas de milhares de inserções a mais do outro lado" o que "desequilibra o processo democrático", sublinhou Bolsonaro.

"O meu lado foi muito prejudicado e não foi de agora", acrescentou.

De acordo com a denúncia, há 154.085 anúncios que não foram veiculados. Segundo a campanha de Bolsonaro, a maioria desta alegada fraude eleitoral foi registada no Nordeste do país, conjunto de nove estados cuja população apoia na sua esmagadora maioria Lula da Silva na eleição presidencial que ocorre no domingo.

"Iremos às últimas consequências, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer valer aquilo que as nossas auditorias constataram", frisou na conferência o Presidente brasileiro.

"Repito: Está comprovado a diferenciação, o tratamento, ao outro candidato", insinuando que o candidato presidencial Lula da Silva poderá estar envolvido.

Minutos antes desta declaração, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, indicou que as provas apresentadas pela campanha de Bolsonaro não têm "base documental crível, ausente, portanto, qualquer indício mínimo de prova".

"Os erros e inconsistências apresentados nessa pequena amostragem de oito rádios são patentes", frisou.

O responsável máximo da justiça eleitoral disse ainda que a campanha de Bolsonaro, com estas acusações, poderá ter cometido crime eleitoral, "com a finalidade de tumultuar" a segunda volta das eleições agendadas para domingo.

Luiz Inácio Lula da Silva venceu a primeira volta das eleições com 48,4% dos votos e Jair Bolsonaro recebeu 43,2%, pelo que os dois candidatos terão de se enfrentar numa segunda volta marcada para domingo.