A Shell, britânica, e a Total Energies, francesa, são duas das maiores petrolíferas do mundo, tendo uma relevância na economia global impossível de quantificar devido às suas gigantescas ramificações, funcionam como pilares estruturais da economia da França e do Reino Unido, dois dos países da linha da frente entre os aliados da Ucrânia e das pesadas sanções europeias a Moscovo.

Como castigo pela invasão da Ucrânia, os países ocidentais, com destaque para a União Europeia, os EUA e o Reino Unido, iniciaram um processo de aplicação de sanções, as maiores de sempre sobre um país, incidindo especialmente sobre o sector das exportações de energia da Rússia, alegadamente porque é com elas que está a financiar o esforço de guerra.

Só a União Europeia já elaborou 11 pacotes de sanções, e tanto Londres como Washington têm acompanhado essas listas sancionatórias, sendo que é no gás natural que a Europa ocidental mantinha uma maior dependência face às importações da Rússia, pagando cerca de mil milhões de euros por dia a Moscovo, antes da guerra.

Como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von de Leyen em vindo a sublinhar, as sanções à Rússia têm estado a exercer uma forte pressão sobre a economia russa, especialmente depois de o ocidente se ter libertado da dependência do gás vendido por Moscovo, encontrando alternativas para se abastecer em África e no Médio Oriente...

Mas, como esta investigação da Global Witness, organização criada em 1993 para vigiar o negócio global dos hidrocarbonetos e as falhas nos compromissos dos grandes players do sector no âmbito dos compromissos no combate às alterações climáticas, está a revelar, afinal, o discurso político é uma coisa, a prática é outra, com o pragmatismo do lucro a parecer estar a "impor-se.

Por exemplo, a Shell é britânica e só em 2022 lucrou, segundo esta ONG, "centenas de milhões de dólares" com o gás russo, apesar de ter sido o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que, numa deslocação repentina a Kiev, "obrigou" o Presidente Volodymyr Zelensky a interromper as negociações de paz com a Rússia quando estava quase a ser assinado um documento com esse conteúdo, garantindo-se não só financiamento e armamento ilimitado, como severas sanções ocidentais sobre as fontes principais de financiamento russo para a guerra.

Ora, é precisamente essa a pedra de toque deste relatório da Global Witness, que acusa as duas petrolíferas de estarem a ganhar milhões com o gás russo quando é com esse dinheiro que Moscovo mantém o esforço de guerra e quando tanto o Governo francês como o britânico, surgem publicamente a garantir que estão a cumprir os pacotes de sanções...

Só a Shell, segundo o documento desta ONG, com sede em Londres, lucrou 21 mil milhões USD em 2022, só com o Gás Natural Liquefeito (GNL) russo, embora, sendo muito dinheiro, a francesa Total Energies ainda lucrou mais.

No entanto, a comercialização de gás russo não está proibido pelas sanções ocidentais, precisamente porque tanto a União Europeia como o Reino Unido dificilmente poderiam aguentar o seu pesado sector industrial sem o gás russo, como este é ainda impossível de substituir na totalidade para garantir o aquecimento de milhões de casas e edifícios públicos e empresas nos longos e muito frios invernos do norte da Europa.

E é precisamente esta situação de dúbio posicionamento ocidental que a ONG britânica denuncia, ao mesmo tempo que pede acção de Bruxelas sobre esta situação difícil de explicar, excepto pela exposição da hipocrisia entre os países europeus.

Questionadas pela AFP, a Shell e a Total Energies disseram, segundo a Lusa, que estavam vinculadas por contratos em andamento, embora se tenham retirado das parcerias russas após a invasão da Ucrânia, no ano passado.

A Shell "ainda tem compromissos contratuais de longo prazo", disse um porta-voz da empresa.

"Existe um dilema entre pressionar o governo russo pelas suas atrocidades na Ucrânia e garantir um fornecimento de energia estável e seguro. Cabe aos governos decidir os compromissos incrivelmente difíceis que precisam ser feitos", afirmou esta empresa, citada pela AFP, que é, por sua vez, citada pela Lusa.

Por seu lado, a TotalEnergies diz que "empreendeu a suspensão gradual dos activos russos, garantindo o fornecimento contínuo de GNL para a Europa".

A Total Energies "relembra assim o seu dever de contribuir para a segurança do abastecimento energético de gás da Europa, no quadro de contratos de longo prazo que deverá honrar, enquanto os governos europeus não aplicarem sanções contra o gás russo".

Um tribunal especial em preparação para castigar os russos

Enquanto a guerra segue o seu caminho sangrento nas trincheiras do leste europeu, com a pesada e lenta contra-ofensiva ucraniana, a entrar na 4ª semana, a derrapar sob a robusta resposta russa, pejando os campos de batalha de equipamento militar ocidental destruído, como os antes milagrosos blindados pesados alemães Leopard 2 ou os Bradley norte-americanos, e milhares de mortos de um lado e do outro, nos corredores ocidentais prepara-se a criação de mais um tribunal internacional para julgar os crimes de guerra.

Apesar de este tribunal ainda não estar totalmente criado, foi já aberto um gabinete em Haia, a cidade dos Países Baixos onde está sediado o Tribunal Penal Internacional (TPI), o que emitiu o mandato de detenção do Presidente russo, Vladimir Putin, para investigar a invasão russa e os seus crimes de guerra, embora não tenham sido produzidas declarações sobre se este novo mecanismo judicial também irá abordar os crimes de guerra ucranianos ou apenas os russos.

Este escritório foi denominado, segundo as agências de notícias, Centro Internacional para Investigar o Crime de Agressão (ICPA, na sigla em inglês), o que, pressupõe que se vai dedicar exclusivamente aos crimes cometidos pelos russos, apesar de algumas organizações internacionais terem já documentados múltiplos crimes de guerra perpetrados também pelo lado ucraniano.

O ICPA, que mais tarde deverá evoluir para um tribunal dedicado em exclusivo a este assunto, conta com procuradores da União Europeia, Estados Unidos, Ucrânia e do ICC (Tribunal Criminal Internacional), todos oriundos de países claramente alinhados com a Ucrânia, o que, no mínimo, faz este organismo iniciar os trabalhos de investigação com uma... inclinação natural para condenar Moscovo.

Entretanto, no campo de batalha onde decorre a mais sangrenta e mortífera guerra na Europa desde o fim da II Guerra Mundial, Kiev clama ter conseguido avanços sobre as posições russas, tanto a leste, na região de Donetsk, como a sul, em Zaporizhia, considerada a frente mais relevante face ao objectivo ucraniano de chegar ao Mar de Azov e cortar o corredor terrestre entre o Donbass e a Crimeia.

Apesar de escassos, estes ganhos, perto de 38 kms2, segundo a vice-ministra da Defesa ucraniana, Hanna Maliar, são o melhor que Kiev tem conseguido em quase um mês de contra-ofensiva, que começou a 4 de Junho, embora a generalidade dos analistas ocidentais pro-oucranianos, e dos chefes militares ocidentais, como o CEMGFA norte-americano, general Mark Milley, estarem a admitir cada vez com mais sonoridade, o desconforto com a falta de resultados do lado ucraniano, apesar da miríade gigantesca de material militar ocidental entregue às forças de Zelensky.

Em Kiev está a surgir uma certa irritação face à impaciência ocidental pela falta de resultados da contra-ofensiva ucraniana, tendo mesmo o CEMGFA ucraniano, o general Valerii Zaluzhnyi, vindo a terreiro dizer que no ocidente devem analisar bem o que estão a dizer em público, porque as condições em que esta acção decorre estão longe de serem as mais adequadas.

O general Zaluzhnyi disse mesmo que o que os aliados da NATO devem fazer é enviar mais armamento e, em especial, a garantia imediata de meios aéreos que permitam aquilo que todos os analistas dizem ser essencial, que é o suporte aéreo aos movimentos terrestres.

Face a este impasse na contra-ofensiva, Kiev, segundo a agência de notícias TASS, procura abrir caminho noutro campo, através da eliminação física de lideres regionais russos, como foi o caso do governador da Crimeia, Sergei Aksyonov, cuja vida esteve por um fio e só foi salva devido à acção dos serviços secretos, FSB, antigo KGB.

Segundo a agência estatal russa, Aksyonov estava na mira de um comando ucraniano formado por agentes da intelligentsia de Kiev, que lhe tinha preparado um carro armadilhado.

A nuclear Central Nuclear de Zaporizhia

Uma das questões mais incandescentes nesta frente de guerra, que está quase a chegar aos 500 dias de duração, é a denúncia, replicada acriticamente por quase toda a imprensa ocidental, do Presidente ucraniano sobre a intenção russa de fazer explodir quatro reactores nucleares desta unidade que é muito mais potente que a de Chenobyl, que na década de 1980, explodindo apenas um reactor, provocou dezenas de milhares de mortos e deixou uma área com milhares de hectares inabitável até aos dias de hoje.

Isto, a denúncia de Zelensky, está a ser vista com seriedade pelos media ocidentais, apesar de esta central nuclear está, segundo o mapa das anexações de 2022 russas, é já território da Federação Russa, que uma qualquer libertação de radiação chegaria de imediato às populações russas, e a nuvem radiactiva chegari em escassas horas a grandes cidades russas como São Petersburgo e Moscovo, além, claro, das cidades ucranianas, incluindo KIev e Lviv, mas também todo o resto da Europa ocidental, especialmente países como Polónia, Alemanha, Roménia, Hungria...

Além disto, curiosamente, a Agência Internacional de Energia Atómica AIEA) tem dezenas de técnicos na central, o próprio chefe desta agência da ONU, o italiano Rafael Grossi, garante não haver indícios que corroborem as palavras de Zelensky, mas nem isso parece estar a conseguir evitar que media como a CNN estejam a dar esta informação sem qualquer verosimilhança como factos.