Com o avanço das forças russas sobre a Ucrânia a 24 de Fevereiro deste ano, o mundo entrou definitivamente numa nova era, onde o sobressalto de uma catástrofe nuclear que pode extinguir a Humanidade convive com o mal estar social provocado pelo aumento do preço do pão que as famílias comem diariamente nos cinco continentes, sendo evidente que o mercado energético, petróleo e gás, está na génese desta crise que tem quase tudo para se transformar numa avalanche incontrolada de fome, conflitos e tumultos e quase nada para forçar uma solução negociada e pacífica entre Kiev e Moscovo que permita o regresso do velho mundo, chato e normal, mas previsível, que todos querem de volta.
E é de tal modo um mundo novo em que se vive que a Administração de Joe Biden, nos Estados Unidos, se prepara para retirar da gaveta das propostas de lei esquecidas pelo que continham de polémica e risco, a velhinha NOPEC, que já teve mil e uma formas mas acabou por dar sempre resto zero, mas que, em todas elas pretendia, e pretende, criar mecanismos legais que permitam a Washington processar os países membros da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que na sigla inglesa é OPEC e que, em português, a "lei" seria NOPEP, o "N" corresponde a "Não", o que daria uma espécie "Não à OPEP".
Esta lei, objectivamente, segundo alguns analistas, tem mais serventia enquanto proposta do que teria se alguma vez fosse aprovada, porque permite exercer pressão sobre os países da OPEP tendo em conta que o seu conteúdo serve para accionar judicialmente, tanto nos EUA como no exterior, aqueles que ajam de forma a manipular artificialmente os preços do petróleo, o que daria azo, segundo especialistas citados amiúde pelas agências e sites especializados, ao caos no sector.
Segundo os media especializados, esta proposta de lei levou alguns dos ministros da Energia mais influentes da OPEP a apontar como primeira consequência da eventual aprovação da NOPEC uma subida vertiginosa do preço do barril onde a barreira dos 300 dólares não seria o limite, com o responsável dos Emirados Árabes Unidos, Suhail al-Mazrouei, a enfatizar a impossibilidade de prever o que sucederia se fosse desmantelado o actual sistema, em torno da OPEP, que há décadas permite manter um mercado petrolífero regulado, funcional e eficaz.
A NOPEC é uma "arma" que Washington tira da gaveta sempre que a sua economia está ameaçada pelos preços do petróleo, o que é hoje uma evidência pela subida em flecha da inflação, em níveis recorde de mais de 40 anos, bastante acima dos 8%, o que já não se via desde a década de 1980, o perigo reconhecido pelas sumidades de Wall Street de uma recessão ao virar da esquina... e forte e crescente contestação popular que pode perigar os objectivos eleitorais do Presidente Joe Biden e dos Democratas quando em Novembro tiverem lugar as eleições intercalares nos EUA, como o demonstra a baixa recorde da sua popularidade directamente relacionada com o mau estado actual da economia norte-americana, que, por exemplo, lida muito mal com o aumento do preço dos combustíveis nas bombas de gasolina, também eles actualmente em valores recorde de décadas.
Joe Biden já veio dizer que a culpa é da "guerra de Putin" na Ucrânia, mas os editoriais dos media do país, quase sem excepção, admitem apenas, quanto muito, ser um misto de responsabilidades, que o inquilino da Casa Branca quer liquefazer agora através de uma subida da pressão sobre os países da OPEP, a quem há muito "exige" que amentem a produção de forma a baixar os preços.
Ora, isso parece ser agora um caminho difícil, porque a deterioração evidente das relações da Arábia Sadita e dos Emirados Árabes Unidos com a Administração Joe Biden não indiciam que estes dois fundamentais players do negócio global do crude e do gás possam quebrar a aliança com a Rússia que, desde 2017, vem gerindo o sector na denominada OPEP+, que junta aos 13 membros do "cartel" criado em 1960 mais 10 desalinhados liderados pela Rússia.
E é precisamente a Rússia que está na génese desta nova realidade mundial desde que o Kremlin enviou as suas forças sobre a Ucrânia, porque, sendo o 2º maior exportador de petróleo e de gás do mundo e um dos três maiores produtores planetários, está a influenciar de forma drástica o valor do barril, sendo que os EUA são hoje os maiores aliados da Ucrânia na frente de combate contra Moscovo, com o fornecimento diário de milhões de toneladas de material militar e dinheiro para o Governo de Volodymyr Zelensky, tendo a última entrega somado 40 mil milhões USD.
Como se vai desatar este nó, ninguém sabe, mas os EUA voltaram a ir ao baú das velharias buscar a sua NOPEC, com que há muitos anos pressionam os países da OPEP, sendo que a ferramenta principal desta proposta de lei é que ela permite congelar bens desses países que se encontrem no sistema financeiro norte-americano, processar judicialmente os membros dos seus governos e erguer sanções persecutórias às suas famílias, embora, naturalmente, só depois de aprovada se saberá até onde foi esta nova versão da velha NOPEC.
Entretanto, Kiev premiu o gatilho e... cortou o gás
A ameaça tinha sido feita na quarta-feira de manhã e acabou por ser cumprida já da parte da tarde. O Governo de Kiev cortou pelo menos 1/3 do gás que a Rússia vende à Europa ocidental e que ali chega, na sua grande maior parte, pelos gasodutos que atravessam o país, alegando motivo de "força maior", um mecanismo legal existente no negócio internacional da energia onde os países não podem ser perseguidos legalmente pela interrupção de fornecimentos desde que a acção tenha como razão um elemento não controlável, que, neste caso, é a presença de um Exército invasor.
A Ucrânia não mexeu, nos quase 80 dias de guerra, no sistema de transporte de gás e crude russos para a Europa que usam o seu território, num pragmatismo que resulta da dependência de países europeus fortes aliados de Kiev, como a Alemanha, a Itália ou a Áustria, da energia russa, embora o Governo de Zelensky mostre forte incómodo por os seus "aliados" europeus tardarem em sancionar a energia russa embragando as importações de Moscovo, que valem perto de 750 milhões USD/dia e com os quais o Kremlin financia este esforço de guerra, segundo Zelensky.
Mas, como alguns analistas admitem, esse pragmatismo tinha um preço porque Kiev podia a qualquer momento bloquear o gás e o petróleo russos que passam pelo seu imenso território, e este gesto, agora, tem como leitura imediata o descontentamento ucraniano com o fraco alcance das sanções europeias na limitação do esforço de guerra russo à medida que as forças de Moscovo penetram mais fundo no território ucraniano dia após dia, apesar de a propaganda oficial insistir no contrário, como apontam alguns analistas, entre estes os major-generais Agostinho Costa, do EuroDefense Portugal, e Raúl Cunha, ex-Professor do Instituto de Altos Estudos Militares português e antigo Conselheiro Militar do Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para o Kosovo.
A atitude punitiva de Kiev - foi cortado pelo menos 35% do gás russo que atravessa a Ucrânia - é ainda demonstrada pelo facto de a GazProm, o gigante estatal russo do gás, ter vindo imediatamente dizer que não ocorreu nada de novo para que a sua contraparte ucraniana, GTSOU, alegar "force majeure - força maior" como justificação para interromper o flixo normal de gás russo para a Europa ocidental, que tem na Rússia a fonte de mais de 45% do gás consumido anualmente e a Alemanha como maior comprador.
Reacção dos mercados e o efeito em Angola
Com este cenário em pano de fundo, seja a crise crescente da economia dos EUA, seja a fornalha permanente que é a guerra no leste europeu, seja ainda o risco de uma catástrofe em África e na Ásia mais empobrecida, devido à fome no rasto da interrupção das exportações de cereais da Rússia e das Ucrânia, os dois maiores produtores do mundo, sendo que a ONU já advertiu para os novos milhões de famintos e o real perigo de instabilidade social que conduzira inapelavelmente a mudanças violentas de poder nos países mais expostos, o mundo está numa encruzilhada como poucas vezes observou nos últimos séculos.
Para já, se por um lado o gás sobe nos mercados, o petróleo, matéria-prima essencial para a economia angolana, estava hoje, perto das 10:30, a perder valor, arrastado pela ameaça de recessão nos EUA, a maior economia e o maior produtor e consumidor de crude do mundo, e ainda porque da China, com o regresso dos confinamentos devido à Covid-19, também não chegam boas novas.
O gigante asiático tem vindo a divulgar dados económicos com alguma preocupação à mistura, desde logo menor importação de crude e decrescentes exportações, o que também impacta de imediato nos mercados energéticos, mas, como é o caso de hoje, sexta-feira, 13, como o Brent a mostrar, perto das 09:30, hora de Luanda, uma subida de perto de 0,73%, para os 108,17 USD, reflectindo essencialmente a questão das sanções energéticas à Rússia.
Para Angola, embora seja ainda, segundo a Fitch Solutions, o país africano mais beneficiado pelo actual ciclo em alta do crude, estas descidas são sentidas de imediato porquanto a matéria-prima ainda representa 95% do total das exportações nacionais, 35% do PIB e perto de 60 por cento dos gastos de funcionamento do Estado, ou receitas fiscais.
O reforço da capacidade de combate de Moscovo
Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.
Segundo as informações disponíveis, e dependendo da fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.
O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.
Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.
Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo..
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.