Enquanto no leste da Ucrânia as forças russas afirmam o seu poderio militar com a destruição de infra-estruturas militares e civis, como o aeroporto de Dnipro, essenciais para a logística de guerra ucraniana frente à concentração de forças de Moscovo na margem esquerda do Rio Dniepre até ao Donbass; na batalha diplomática as coisas parecem estar mais risonhas para o Presidente Volodymyr Zelensky.
Por estes dias, o líder ucraniano recebeu em Kiev Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, que foi entregar-lhe, em mão, o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia, acelerando de forma pouco usual a entrada do país no clube dos 27, quase em simultâneo, bateu-lhe à porta o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Jonhson, que lhe foi dar garantias de mais apoio militar para não ceder um milímetro aos russos nesta guerra que já vai a caminho dos 50 dias (estamos no 47º dias de guerra) e já fez milhares de mortos civis e militares, de um e do outro lado.
Longe do campo de batalha, no corredor da diplomacia, depois de falhar as tentativas de afastar a China da Rússia, como ficou claro na votação para a expulsão - iniciativa de Washington - da Rússia do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, onde Pequim votou ao lado de Moscovo, agora o Presidente norte-americano, Joe Biden, prepara-se para, ainda hoje, manter um encontro digital com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, a quem quer convencer a restringir os negócios de crude e gás natural com a Rússia, além do armamento de que a Índia é um dos maiores compradores a Moscovo em todo o mundo.
Até aqui, Nova Deli tem resistido aos apelos de Washington e Londres, mantendo aberto o pipeline comercial com a Rússia, acrescentando até novos contratos, mesmo depois da ministra dos Negócios Estrangeiros britânica, Liz Truss, ter ido à Índia procurar estragar os arranjos comerciais com Moscovo, o que está a enfurecer os EUA e o Reino Unido, com pelo menos até hoje, Modi, como se diz na gíria, a ignorar olimpicamente a pressão destes países para que a Índia contribua para o isolamento internacional da Rússia, sobre quem europeus e norte-americanos já aplicaram o maior pacote de sanções alguma vez visto contra um país.
O que move o Presidente norte-americano é que a Índia, uma das maiores economias mundiais, um dos maiores importadores de crude, com mais de 1.3 mil milhões de pessoas, só nos 47 dias desta guerra na Ucrânia, já importou da Rússia 13 milhões de barris de petróleo, quase tanto como, segundo a Reuters, os 16 milhões ao longo de todo o ano de 2021, o que está a deixar Washington à beira de um ataque de nervos, porque se países como a Índia e a China mantiveram em pleno funcionamento a teia comercial com os russos, o seu pretendido isolamento não acontecerá nunca.
Alias, esse esforço de Washington em isolar a Rússia, com o apoio da União Europeia, onde já começam também a surgir brechas, como a Hungria e a Áustria, entre outros países que não estão a encarar com facilidade o corte das importações da Rússia, especialmente na área energética, no âmbito das sanções em vigor, está a ser fortemente contrariado pelo universo dos denominados BRICS, que, além da Rússia, junta Brasil, Índia, China e África do Sul, estando mesmo em cima da mesa a construção de uma nova ordem mundial.
Com ordem mundial, que a China e a Rússia já admitiram estarem a erguer, e sobre a qual a Índia, até agora, parece alinhar, bem como a África do Sul, embora o Brasil mantenha alguma reserva sobre este "plano", estes países querem significar a discordância com a gestão das instituições internacionais, criadas no pós-II Guerra Mundial, que moldam a humanidade e as suas leis globalmente aplicáveis, com base em organizações como a ONU, o Banco Mundial ou o FMI, entre outras, cujo domínio é, quase por inteiro, dos países ocidentais, europeus e norte-americanos.
E isto parece estar a gerar algum mal-estar entre os países ocidentais, porque, se, por um lado, as recentes votações a condenar a Rússia na Assembleia-Geral da ONU têm sido marcadas por uma maioria clara de países a condenar Moscovo, por outro lado, os países que votam contra ou se abstêm, o que é, em diplomacia, um sinal disfarçado de apoio à Rússia, mesmo que com menos entusiasmo, somam a maioria da população do Planeta Terra.
A humanidade é constituída por cerca de 7,5 mil milhões de pessoas, o que, juntando os 1,3 mil milhões de habitantes da China aos mais de 1,2 mil milhões de indianos, mais de 150 milhões de russos, mais de 250 milhões de brasileiros e quase 50 milhões de sul-africanos, sem contabilizar as outras dezenas de países com menor expressão populacional que desalinham da acção diplomática ocidental, é fácil perceber que existe o risco de sucesso na construção de uma nova ordem mundial que, nas palavras do ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, será "multipolar, democrática e assente na busca de um desenvolvimento mais harmonioso", contrariando a que hoje considera ser uma ordem mundial sob comando únco dos Estados Unidos da América.
E esta iniciativa de Joe Biden junto de Narendra Modi pretende, precisamente impedir a consolidação desse objectivo sino-russo, tirando a Índia do "pacote", como o próprio, segundo o The Guardian, já disse querer ao lembrar que a Índia é o único dos quatro países da organização Diálogo Quadrilateral para a Segurança, do Indo-Pacífico, também denominada QUAD, que engloba a Austrália, o Japão, a Índia e os EUA, e tem por base fazer face ao avanço chinês na região, que surge desalinhado deste esforço para punir a Rússia.
E, mostrando que Washington está, efectivamente, apostado em levar este esforço até onde for preciso, o principal Conselheiro para a Segurança Nacional de Joe Biden, Jake Sullivan, já veio dizer que os EUA estão em pleno esforço para preencher todas as necessidades de armamento que a Ucrânia precisar, sem interrupções, para derrotar Moscovo e cumprir o objectivo estratégico dos Estados Unidos em isolar a Rússia.
"Nós estamos a fazer tudo para enviar armamento para a Ucrânia non stop e organizar tudo para que outras Nações também o façam, de forma a que a Ucrânia tenha tudo o que precisa para alimentar esta guerra contra a Rússia", disse Jake Sullivan numa entrevista à NBC News, citado pelas agências internacionais.
Os críticos desta postura norte-americana de alimentar a guerra, que foi desencadeada pela Rússia, a 24 de Fevereiro, com uma invasão que estava a ser preparada há meses, afirmam que ao inundar a Ucrânia de armas está-se a garantir que está vai durar anos, deixando um rasto de devastação na Europa e no mundo, devido às consequências que, por exemplo, na área da alimentação, já se fazem sentir e vão acabar por provocar insegurança alimentar em centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, mas especialmente em África e na Ásia mais empobrecida.
Alguns analistas explicam que a China, que está definida oficialmente pelos EUA como o principal inimigo, não pode deslocar-se de um apoio mais ou menos claro a Moscovo, porque os EUA e os seus aliados ocidentais estão a procurar esgotar económica e militarmente a Rússia de forma a que, a seguir, quando o alvo for a China, Pequim não possa contar com o apoio estratégico de Moscovo.
Porém, do lado ocidental, a justificação para o apoio à Ucrânia é apenas uma forma de corrigir uma injustiça face a um agressor com um poderio muito mais vasto e face a uma invasão injustificada de Moscovo de um país vizinho.
Isto, ao mesmo tempo que europeus e norte-americanos não aceitam como razoável que os russos tenham invadido a Ucrânia depois de anos a fio a lançar avisos de que a entrada deste país na NATO seria, para Moscovo, uma situação inaceitável do ponto de vista da sua segurança vital e que, se esse risco existisse, tomariam as medidas necessárias, como acabou por suceder a 24 de Fevereiro.
Nem sequer a questão da guerra que se mantinha no Donbass, desde 2014, onde as duas repúblicas independentes - apenas reconhecidas por Moscovo - de Donetsk e Lugansk, estão, e estavam, em permanente sobressalto face aos persistentes ataques das forças ucranianas, tendo ali morrido, neste espaço de tempo, mais de 14 mil civis da maioria russófila.
E é precisamente no leste da Ucrânia, na região do Donbass e imediações, que se vão travar as próximas grandes batalhas, o que as autoridades militares ucranianas dizem que já começaram este fim-de-semana, especialmente em Dnipro, onde o Ministério da Defesa russo anunciou que foram destruídas grandes quantidades de armamento ucraniana que tinha sido oferecido pelos países europeus e EUA.
Esforços de paz também existem entre europeus
Mas em Moscovo também estão a acontecer episódios importantes na arena diplomática, com o chanceler austríaco, Karl Nehammer, a chegar esta segunda-feira,11, à capital russa para conversar com o Presidente Vladimir Putin no sentido de desbravar novos caminhos para o fim do conflito.
A Áustria é um dos países da União Europeia que tem mostrado mais reservas num corte radical das importações de crude e gás da Rússia, devido à sua dependência estrutural da energia russa.
O líder austríaco, antes de partir para Moscovo disse que o seu objectivo é fazer tudo ao seu alcance para para que sejam "dados passos no caminho de uma cessação das hostilidades miliares" de forma a acabar com a guerra o mais rápido possível.
Já do lado da Hungria, onde Viktor Orban acaba de ser reeleito para mais um mandato na condição de primeiro-ministro, também já avisou que não vai alinhar no aprofundamento das sanções de Bruxelas à Rússia, tendo mesmo desalinhado na questão do apoio militar a Kiev.
A Alemanha é outro dos Estados europeus que se tem posicionado contra o alargamento das sanções à totalidade do sector energético devido à dependência do gás russo que não consegue substituir com celeridade.
Governo ucraniano dá por iniciada ofensiva final russa contra Donbass
A Ucrânia deu este domingo por iniciada a ofensiva final das tropas russas contra a região de Donbass, no leste do país, disse o conselheiro presidencial ucraniano Oleksii Arestóvich, citado numa notícia da Lusa a partir da espanhola EFE.
Segundo fontes ucranianas, citadas pela agência de notícias espanhola Efe, tropas russas estão a tentar romper as linhas inimigas com uma manobra de cerco desde a região de Kharkov a norte, a cidade portuária de Mariupol no sul e a região de Lugansk no leste de Donbass.
"Começaram a apertar-nos com muita força a partir do sul e também a partir do norte. Tentam levar a cabo por todas as partes o plano de cercar as nossas forças", indicou Oleksii Arestovich, citado pela agência de notícias espanhola Efe.
Há quase duas semanas que o exército russo anunciou a sua retirada da região de Kiev, do norte da Ucrânia e também da zona de exclusão nuclear de Chernobyl, mas o governo ucraniano sustenta que a Rússia tem falta de militares suficientes para conquistar Donbass.
A ofensiva na região de Donbass implicará a utilização, pelas tropas russas, de aviões, artilharia e mísseis.
E a guerra prossegue
Entretanto, no terreno, a guerra soma e segue, com as forças ucranianas que retiraram do norte, das imediações de Kiev, a dirigirem-se para leste, onde os analistas, e as autoridades militares russas também o anunciaram, já está a ter lugar a frente de batalha decisiva.
Isto, porque Moscovo já determinou que vai concentrar o seu poder de fogo na libertação total das repúblicas do Donbass, a de Donetsk e a de Lugansk, onde, como é afirmado pelos analistas militares, a Ucrânia tem o grosso das suas forças de maior capacidade combativa, desde 2014, quando os nacionalistas anunciaram a sua intenção independentista desta área geográfica do leste ucraniano pró-russo, e ainda próxima da Crimeia, que, após referendo, Moscovo anexou também em 2014.
Perto de 60 mil homens, os melhor preparados e equipados, da Ucrânia, deverão enfrentar as forças russas reagrupadas, que visam uma rápida vitória militar, aproveitando a dificuldade de reabastecimento dos ucranianos, de forma a que as comemorações do 09 de Maio, o dia da libertação e da vitória soviética sobre os nazis de Hitler, em 1945, decorram sem a sombra de uma possível derrota histórica da Rússia na Ucrânia.
Esta vitória-relâmpago é ainda fundamental para que a Rússia possa dar por completa a sua tomada da costa do Mar de Azov, sendo que ainda falta terminar a operação de tomada da cidade estratégica de Mariupol, onde decorrem os piores combates desta guerra que já vai em 40 dias.
Nos países vizinhos, apesar de em muito menor número, continuam a fluir milhares de refugiados para os países vizinhos, como a Polónia e a Hungria...
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.