A Ucrânia pode ter feito esta quinta-feira, 06 de Abril, a sua primeira abordagem pragmática a uma possível saída negociada para este conflito que já dura há quase 14 meses, começa a cansar tanto os envolvidos directamente como a comunidade internacional, a gerar protestos directos ou indirectos e a ser visto como a raiz para a crise económica que varre a maior parte das grandes potência económicas ocidentais, sendo especialmente selvagem para os países mais pobres.
Um dos principais elementos da equipa mais próxima do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o seu chefe-adjunto de gabinete, Andriy Sybiha, numa entrevista ao Financial Times, admitiu que Kiev pode estar interessada em negociar o futuro da Crimeia, região anexada em 2014 pela federação Russa após um esmagador referendo favorável a esse passo, embora sem o reconhecimento internacional.
Apesar de as condições colocadas por Andriy Sybiha para tais negociações serem, como o Kremlin já o disse repetidamente, sem qualquer possibilidade de serem tidas sequer em conta em Moscovo, esta é a primeira vez que a Ucrânia admitir essa possibilidade de forma oficial. Mesmo que o adjunto do chefe do gabinete de Zelensky tenha dito que exista disponibilidade negociar a Crimeia depois da sua reconquista das regiões até à fronteira da Península na esperada para breve contra-ofensiva ucraniana.
Ou seja, para negociar a Crimeia, Kiev exige que as suas forças retomem as províncias de Zaporijia e Kherson, duas das quatro regiões, a par de Lugansk e Donetsk, anexadas por Moscovo em Outubro de 2022, após referendo onde o sim ganhou de forma esmagadora mas sem reconhecimento internacional, o que o Presidente russo, Vladimir Putin, já avisou que não é sequer uma possibilidade aceitar a desanexação de todas as cinco províncias agregadas aà Federação Russa desde 2014.
"Se formos bem sucedidos no campo de batalha e chegarmos à fronteira da Crimeia, retomando os territórios aos russos, estamos prontos para encetar conversações diplomáticas para decidir o futiro da Península", disse Andriy Sybiha, naquilo que também é encarado por alguns analistas como um jogo de palavras carregado de guerra informacional com o objectivo de criar dúvidas entre os combatentes russos e os seus dirigentes políticos.
Há, porém, uma certeza neste contexto, que é o facto de a Ucrânia já só ter capacidade para mais uma contra-ofensiva, sendo mesmo essa pouco clara para alguns especialistas militares, com o apoio ocidental, especialmente os carros de combate pesados alemães e britânicos, e aviões de guerra oferecidos pela Polónia, 14 MIG-29, do tempo da URSS, o que significa que se esse movimento não for coroado de sucesso, provavelmente a Rússia tomará na resposta o restante território do Donbass (Donetsk e Lugansk) e partes de Zaporijia e Kherson que ainda estão na posse ucraniana, ou mesmo além disso, em direcção, por exemplo, a Odessa e à Transnístria (Moldova).
De Moscovo não houve qualquer reacção, como era de esperar, porque a proposta pressupõe uma clara derrota militar russa, e porque poria em cheque as palavras de Putin, que já disse não haver qualquer espaço para negociar aquilo que para Moscovo já é território Da Federação Russa de pleno direito.
Enquanto isso...
... em Bakhmut (Artiomovsk, para os russos), onde se desenrola, a par de Adviika, uma das batalhas mais sanguinárias na Europa desde a II Guerra Mundial, as forças russas, do Grupo Wagner, considerados mercenários no ocidente, vão ganhando posições atrás de posições e, como sublinha o coronel Mendes Dias, comentador para assuntos militares da CNN Portugal, já só resta uma pequena parte ocidental da urbe sob domínio ucraniano.
Este ponto é importante porque o Presidente Zelensky admitiu publicamente que a queda de Bakhmut para os russos seria uma estrondosa derrota para os ucranianos e poderia definir o futuro deste conflito, porque abriria o caminho, quase sem oposição, aos tanques de Moscovo para Sloviansk e Kramatorsk, as duas últimas cidades de Donetsk por conquistar por Moscovo.
E é face a este cenário pouco abonatório para os desígnios ucranianos que Volodymyr Zelensky esteve na quarta-feira em Varsóvia, capital da Polónia, onde disse estar à espera com afinco pelas novas remessas de armamento ocidental, bem como o que ainda falta de blindados pesados Leopard-2 e Chalenger-2, bem como os aviões de guerra, para avançar com a tão aguardada contra-ofensiva com a qual Kiev quer brindar os aliados ocidentais da NATO com uma vitória que mude o curso da guerra e a termine rapidamente, como parece ser, cada vez mais, o desejo desses mesmos aliados, quase todos submersos em crises económicas severas e com crescente contestação popular ao apoio a Kiev.
Entretanto, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, estão por estes dias em Pequim, com a questão da guerra na Urânia no topo da agenda, embora, aparentemente, sem grande sucesso nos objectivos definidos antes da partida, que seria pressionar a China para mudar a agulha do seu relacionamento estratégico com a Rússia.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.