O envio dos 20 T-72B marroquinos para a Ucrânia tem um forte valor simbólico porque poderá abrir um novo corredor de material de guerra para o conflito no leste europeu, visto que em África existem largas dezenas de milhares de veículos blindados adquiridos ao longo dos anos à então União Soviética, e também já depois, à Federação Russa.

Até 1991, com a consolidação do colapso da ex-URSS, a maior parte dos países africanos eram grandes clientes da indústria militar de Moscovo, tendo depois continuado, mas já enquanto Federação Russa ou CEI (Comunidade de Estados Independentes), o que levou a que fosse concentrado um grande volume de viaturas, sejam os carros de combate ou viaturas blindadas de transporte de tropas.

Agora, no que já está a acontecer, alguns países aliados de Kiev têm estado a adquirir equipamento de guerra em África, desde munições de calibre 152 mm, padrão soviético, até peças de artilharia e viaturas, mas, segundo a informação disponível, sempre por terceiros e com o objectivo deste ser oferecido para alimentar o esforço de guerra de Kiev.

Mas o envio dos 20 carros de combate pesados de fabrico russo, que eram os mais avançados até ao colapso da URSS, e que constituem ainda a espinha dorsal das unidades blindadas ucranianas, por Rabat, surge como a primeira vez que um Estado africano toma a iniciativa de disponibilizar apoio directo a um dos intervenientes neste conflito.

Marrocos, ao contrário da vizinha Argélia, que mantém uma ligação mais sólida e próxima com a Rússia, desde há muito que se posiciona ao lado do ocidente, e esteve mesmo, segundo a imprensa marroquina, presente na reunião recente do denominado Grupo de Contacto para a Ucrânia, composto por cerca de 50 países, maioritariamente da NATO e da União Europeia, na base aérea norte-americana de Ramstein, na Alemanha, para relançar o apoio a Kiev.

No entanto, estas viaturas, só vão chegar à frente de combate na guerra Rússia/Ucrânia depois de uma requalificação profunda na República Checa, porque, segundo avança o site ucraniano Defense Express, as Forças Armadas marroquinas, que adquiriram estes veículos, em 1999 e 2000, à Bielorrússia, não foram capazes de os manter operacionais, sendo bastante profunda a sua deterioração.

Estes "tanques" foram adquiridos por Rabat na perspectiva de contenção das forças argelinas a norte, numa altura, que actualmente se repete, em que os dois países viviam momentos de forte tensão e estava iminente um conflito.

No entanto, segundo publicações especializadas na área da defesa, os EUA e a Holanda têm em curso um programa de compra de quase 100 unidades T-72B para enviar para Kiev, existindo fortes evidências de que estes estejam a ser adquiridos em países africanos com disponibilidade abundante deste tipo de equipamento devido aos prolongados e violentos conflitos internos em que estiveram envolvidos e que, agora, têm, com estes, uma grande e permanente despesa de manutenção.

Alguns países africanos nestas circunstâncias podem mesmo aproveitar este conflito europeu para se verem livres de algum material de guerra, incluindo carros de combate de diversos tipos, do qual já não precisam e que estão em vias de se tornarem obsoletos, podendo amortizar algum do investimento feito, nalguns casos, há mais de três décadas.

Leopard-2 mantêm Alemanha sob forte "bombardeamento" diplomático

Os ucranianos, porém, já não se satisfazem exclusivamente com os velhinhos T-72B, que estão tecnologicamente ultrapassados e aquém do poderio dos renovados T-80 e T-90 russos, que são importantes "upgrades" a partir do T-72 soviético, e muito longe do T-14 Armata, o "tanque" de última geração, o mais moderno da Federação Russa, que nem sequer foi ainda empregue no campo de batalha, tendo apenas sido apresentado em desfiles militares em Moscovo.

O que Kiev quer é pelo menos 300 modernos carros de combate peados, como já disse o seu ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, principalmente os Leopard-2 alemães, que são considerados os melhores em todo o mundo, existindo pelo menos 2500 na Europa ocidental, mas que não estão a ser encaminhados para a Ucrânia pelos seus aliados, especialmente a Polónia e os "tigres" bálticos, Letónia, Estónia e Lituânia, porque a Alemanha, que detém as licenças de exportação e também de reexportação, não autorizou ainda esse passo.

Alias, na recente reunião de Ramstein, o Governo alemão de Olaf Scholz esteve sob um fortíssimo ataque diplomático, com uma pressão mediática jamais vista, de forma a que cedesse na autorização do envio dos Leopard-2 para a Ucrânia, bem como enviar parte do seu stock para a linha da frente.

Isso não aconteceu, totalmente, mas Berlim deu aval à Polónia para reexportar os seus Leopard-2 para a Ucrânia, o que é um passo relevante, embora ainda não seja o que Kiev pretende.

Berlim manteve o finca-pé no que toca ao envio dos seus blindados, alegando que esta é uma decisão que não pode ser tomada apenas por si, exigindo que os norte-americanos enviem também as suas "jóias da coroa" blindadas, os Abrams, bem como os britânicos os seus CHalenger-2 e os franceses os Leclerc) em fase de descontinuidade), actualmente os quatro melhores carros de combate pesados do mundo ocidental.

Sob forte pressão e até algum excesso na dimensão dos ataques a que tem estado sujeito, especialmente pelos polacos, o chanceler alemão, OLaf Scholz, esteve reunido nas últimas horas com o Presidente francês, Emmanuel Macron, em Paris, tendo ambos reafirmado o seu apoio "até onde for preciso e durante o tempo que for preciso"... mas nada de Leopard-2, por enquanto.

Ficou, no entanto, claro, que nem Paris nem Berlim querem ser responsáveis por um eventual escalar desta guerra, embora Macron tenha sublinhado que mantém a porta a aberta para que a França possa no futuro enviar alguns dos seus Leclerc para Kiev, sendo que, tal como Scholz, exige que seja no âmbito de uma decisão colectiva da NATO, o que exigiria a mesma abertura dos EUA e do Reino Unido.

Porém, alguns analistas, notam que tanto a França como a Alemanha sabem que esta guerra vai ter de chegar ao fim mais cedo ou mais tarde e que, então, a Europa ocidental vai ter de lidar com a presença incontornável da Rússia, que é o maior pais da Europa e do mundo, e um dos maiores fornecedores de energia.

Ora, se por um lado, os países ocidentais temem ver a sua tecnologia de ponta em matéria de blindados cair nas mãos dos russos, que poderiam assim estudar as suas eventuais debilidades - sendo isso mais evidente nos EUA com os seus Abrams -, por outro alemães e franceses sabem que a sua riqueza industrial tem sido sustentada em grande medida pelo acesso à energia, gás e petróleo, russos, baratos.

E para que, no futuro, isso possa ser restabelecido com mais ou menos proximidade ao que era realidade no passado, algumas linhas vermelhas deverão ser mantidas intactas, como, de resto, Moscovo já disse ser o caso do envio dos carros de combate principais alemães.

Os carros de combate pesados estão a ser visto por Kiev como uma espécie de panaceia, quando, segundo alguns analistas militares, como o major-general Agostinho Costa, do EUroDefense Portugal, na RTP3, explicou que estes não vão alterar substancialmente a realidade no terreno, e não vão conseguir inverter o ímpeto russo no terreno.

Alias, a Ucrânia está actualmente em perda na frente de batalha, com perdas avultadas em material e homens, realidade que os blindados não vão alterar de forma decisiva, facto que só ocorreria se os países ocidentais enviassem não só aviação moderna mas também militares em grande número para o terreno.

Mas isso seria uma guerra entre a Rússia e a Nato e não um conflito entre russos e ucranianos, apesar destes estarem totalmente dependentes do apoio ocidental, e a porta aberta para um Armagedão nuclear...

A frente diplomática mais activa que nunca

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, está já na África do Sul, numa visita importante e num momento em que também o Governo de Cyril Ramaphosa está sob forte pressão dos Estados Unidos devido à sua resistência em condenar a invasão russa da Ucrânia, e, além disso, se ter recusado a seguir a indiação de Washington para não aceitar nos seus portos navios russos sob sanções ocidentais.

Além disso, Pretória organizou, na sua costa austral, exercício militares que envolvem as armadas russa e chinesa, um claro desafio ao ocidente, sendo que agora soube-se que os russos vão estar nestas manobras com a fragata Almirante Gorshkov, que esta equipada com os misseis hipersónicos 2.0 Zircon, com valia nuclear, a jóia da coroa do novo armamento russo.

Estes exercícios, previstos de 17 a 27 de Fevereiro, que Sergei Lavrov tem na agenda de trabalho com a sua homóloga sul-africana, Naledi Pandor, estão a gerar forte polémica internacional e internamente, além destes, também a chegada a Pretória do governante russo, mereceu fortes reparos da oposição, que tema que estes momentos possam prejudicar a relação de negócios com o ocidente.

Para piorar o cenário, estes exercícios vão estar a decorrer no momento da "celebração" do 1º aniversário da guerra na Ucrânia, a 24 de Fevereiro.

Aparentemente as criticas à posição sul-africana não afectam o Governo de Ramaphosa, até porque o ministro da Defesa já veio admitir que os exercícios na costa de Durban visam o reforço das já sólidas relações entre a África do Sul, a China e a Rússia, que, como se sabe, integram os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.