Com esta reunião de Lavrov e Kuleba em pano de fundo, conseguida pelo Presidente turco, Recep Erdogan, as negociações em curso na Bielorrússia, na turística cidade de Brest, que já vai, com a de hoje, na 3ª ronda, perdem claramente importância, até porque os dois lados têm apostado em manter as posições inamovíveis, o que tem impedido progressos válidos além dos acordados corredores humanitários nas cidades cercadas pelas forças russas.

Mas este frente-a-frente de Antalya, sul da Turquia, entre Lavrov, um dos mais experientes diplomatas do mundo, conhecido por ser uma "velha raposa", e o jovem Kuleba, uma força do círculo próximo do Presidente Zelensky, promete, finalmente, uma jogada a sério com garantias de evolução nas conversações porque nenhuma das partes admitiria reunir a tão alto nível sem certezas previamente garantidas de que as pedras vão começar a sair do caminho...

Ninguém, no entanto, se mostra, como é possível ler na imprensa internacional na tarde de hoje, 07, segunda-feira, seguro de que um ou ambos tenham como estratégia o "bluff" - quando, no jogo de póquer, os jogadores pretendem fazer o adversário acreditar que as cartas que têm na mão são mais fortes do que acontece na realidade. *

Seja como for, a esperança renasce com o anúncio deste encontro feito pelo ministro turco dos Negócios Estrangeiros, o que acontece depois de o seu Presidente, Erdogan, ter estado a conversar com o seu homólogo russo, o que, também no plano do jogo da diplomacia internacional, acaba por retirar protagonismo ao Presidente francês, Emmanuel Macron, que tem apostado fortemente na procura de uma saída conversada para a crise bélica no leste europeu.

Para já, parece o chefe da diplomacia turca, Mevlut Cavusoglu, quem se mostra mais à-vontade a dar cartas neste "jogo", sendo não menos importante o facto de a Turquia ser um país da NATO com fortes relações tanto com Moscovo como com Kiev, e desde o início das hostilidades que Ancara se tem oferecido para intermediar as negociações.

E sublinhou isso mesmo quando disse, no anúncio deste avanço importante na frente diplomática, que o momento em que Lavrov e Kuleba se vão sentar à mesa "deve ser um marco de mudança de direcção no que divide os dois antagonistas", alinhando Moscovo e Kiev no sentido da "paz e da estabilidade", como referem as agências internacionais.

Este encontro tem ainda especial importância porque acontecerá depois de Kuleba ter reunido com o Secretário de Estado norte-americano, que está a fazer um périplo pela Europa, que observou já hoje a primeira brecha na sólida muralha que Washington estava a erguer em torno da Rússia na União Europeia.

E isso aconteceu quando, já hoje, a Alemanha, segundo a France 24, desalinhou da estratégia de proibir as importações de petróleo e gás natural da Rússia, como os norte-americanos pretendem, visto que a Casa Branca já admite há anos que quer substituir a Rússia como grande fornecedor de gás ao continente europeu.

E essa brecha provocada pela Alemanha na muralha Washington/Bruxelas não veio sozinha. Também a China, embora não sendo novidade, é-o no tom, veio igualmente nas últimas horas mostrar-se ao lado de Moscovo e de Vladimir Putin de forma "sólida como uma rocha".

Pequim não deixa cair Putin

O ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Li, reafirmou, numa conferência de imprensa periódica, que a amizade com a Rússia "continua muito forte" apesar das condenações internacionais da sua invasão da Ucrânia, admitindo que Pequim está dispon+ivel para abordar a possibilidade de mediar as conversações de paz.

Wang disse ainda que a a Rússia é o parceiro estratégico "mais importante" da China, o que não pode deixar de ser visto, a par da recusa da condenação da invasão à Ucrânia, como um desafio e uma advertência claros ao ocidente, especialmente ao EUA, país que persiste numa diplomacia agressiva com Pequim no âmbito da complexa questão de Taiwan.

A posição de Pequim já era, no entanto, conhecida, como sendo de uma complexa equidistância, visto que se tem abstido nas votações nas Nações Unidas onde a opção militar russa é condenada, seja no Conselho de Segurança, seja na Assembleia Geral, mas com repetidas afirmações de que não alinhará com qualquer medida sancionatória a Moscovo, porque, alega, não têm suporte na lei internacional nem sequer existe a possibilidade de poderem influenciar o rumo do conflito.

"A amizade entre os dois povos é sólida como uma rocha e ambos os países perspectivam uma cooperação vasta e mutuamente vantajosa", atirou Wang nesta conversa com jornalistas de todo o mundo, admitindo, contudo, dar uma resposta positiva aos que, como Josep Borrel, o responsável pela diplomacia europeia, anseiam por ver Pequim como intermediário nas conversas que decorrem entre Moscovo e Pequim.

O negócio pérfido da guerra

No capitulo energético, por exemplo, o custo em persistente agravamento dos combustíveis, está já a levar a forte contestação, mesmo nos países mais desenvolvidos, como os europeus, onde, por exemplo, em Espanha e em Portugal, estes aumentaram já mais de 20% em escassas semanas.

Também o problema do fornecimento alimentar está a começar a ocupar cada vez mais espaço mediático, como o justifica o facto de a Rússia e a Ucrânia serem, de longe, os maiores produtores de cereais do mundo, o que, só por si, garante que ma disrupção aguda neste sector levará inevitavelmente a escassez de oferta em continentes como o africano e o asiáico, onde os preços estão já a chegar a recordes históricos.

As cadeias de abastecimento começam a registar falhas, especialmente em áreas onde não era esperado, como a questão dos fertilizantes, que dependem, em boa media, no mundo, da produção russa, mas também em alguns sectores industriais, onde estes países são importantes actores, como o aço e outros componentes do negócio metalo-industrial global.

Angola, que tem no crude a sua principal matéria exportadora, mais de 90%, cerca de 35% do PIB e mais de 55% das receitas de funcionamento do Estado, e que tem nestes preços estratosféricos um alívio para as suas contas públicas, apesar de a produção nacional estar a níveis historicamente baixos, perto dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd) - em 2008, quando os valores bateram recordes de sempre, nos 147 USD por barril, a produção nacional estava nos 1,8 mbpd -, é um dos grandes "beneficiados" desta crise global, mesmo que, por outro lado, esteja a pagar substancialmente mais pelos combustíveis e outros refinados importados, que é largamente a maior parte do consumo anual.

O problema nuclear

Uma das principais dores de cabeça da Europa neste 13º dia de guerra na Ucrânia é a questão nuclear, com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a acusar as forças russas de terem feito o mundo correr um risco descomunal quando atacaram a centra nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa, que já está sob controlo de técnicos enviados por Moscovo, mas que o Kremlin, através dos comunicados diários feitos pelo Ministério das Defesa, refuta, afirmando que as explosões sentidas foram da autoria de radicais nacionalistas ucranianos com o propósito de atirar as culpas para as forças russas.

Enquanto Kiev diz que a Rússia tem um plano para atacar as restantes centrais nucleares, colocando em risco toda a Europa, lembrando a tragédia de 1986, em Chernobyl, a Rússia, segundo uma notícia da agência TASS, vem agora alertar a comunidade internacional para um "plano elaborado pelo batalhão de Azov - um grupo militar com conotações nazis na sua criação - que consiste em fazer explodir o reactor do Centro de Pesquisa e Investigação Física de Kharkov".

Este plano", ainda segundo Moscovo, visa libertar uma quantidade de radioactividade controlada à região circundante de forma a colocar a responsabilidade nas forças russas, contando com a participação dos media ocidentais para a divulgação desse "acidente".

Mas, no capítulo mais alargado deste problema, a Agência Internacional de Energia Atómica já veio sublinhar que existe um risco acrescido com os ataques a estas centrais - existem seis activas na Ucrânia - mas que, até agora, não foram registados quaisquer aumentos de radioactividade devido aos confrontos".

Uma explosão num dos reactores nucleares espalharia de imediato, como sucedeu em Chernobyl, em 1986, uma nuvem tóxica por toda a Europa, que matou, dependendo das fontes, entre 27 mil e 200 mil pessoas.

Estes números são tão dispares devido ao facto de em 1986 Chernobyl, no norte da Ucrânia, estar ainda sob domínio da União Soviética, onde estas questões eram tidas como segredos de Estado fortemente controlados.

Entretanto, no terreno...

As forças russas continuam a avançar em direcção às principais cidades ucranianas, cercando as maiores, como Kiev e Kharkiv ou Mariupol, com a quase totalidade da costa do Mar Negro sob seu controlo, faltando apenas tomar Odessa, a 3ª maior cidade do país e, provavelmente, a que tem maior importância económica devido ao seu porto marítimo, que é essencial para o sector exportador ucraniano, especialmente do sector agrícola e mineiro.

Mas o dia de hoje trouxe igualmente esperança a dezenas de milhares de pessoas que estão nessas cidades cercadas, com os russos e o Exército ucraniano a abrirem corredores humanitários para a sua saída em segurança, o que sucede apenas gora, com sucesso aparente, depois de duas tentativas anteriores, no sábado e Domingo.

No mapa das possibilidades, onde, como em todas as guerras, o possível é desenhado pelos avanços e recuos militares, de Moscovo chegam garantias de que o conflito só acaba quando a Ucrânia aceitar as condições da Rússia, e, ao mesmo tempo, Volodymyr Zelensky, que espera um maior envolvimento externo neste conflito, tendo mesmo pedido apoio aéreo aos países da NATO - o que Putin diz ser garantia de uma guerra nuclear - fez saber que a Ucrânia não abdica da sua soberania em todo o territorio do país.

Contexto

A 24 de Fevereiro, depois de semanas de impaciente expectativa, as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte vital das suas garantias de segurança soberanas, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1992, com o colapso da União Soviética.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem ao grandes centros urbanos do país.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados a sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, em mais de 35%. Estas sanções abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios...

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página, inclusive as suas consequências económicas, como o impacto no negócio global do petróleo.