Como uma boa parte dos analistas militares e economistas começam a admitir, as grandes potências ocidentais que há mais de três meses fornecem o apoio financeiro e em material militar que permite à Ucrânia retardar as conquistas territoriais da Rússia no leste e sul do país, especialmente da União Europeia e dos Estados Unidos da América, estão a chegar ao limite do que estão disponíveis para aceitar em inflação, desemprego e crises políticas e sociais nos seus países devido a esta guerra e ao efeito ricochete das sanções aplicadas a Moscovo, especialmente no sector da energia e aquelas com impacto na exportação de alimentos dos dois países em conflito.
Apesar de a União Europeia ter à frente da sua Comissão executiva a alemã Ursula Leyen, uma feroz defensora da continuação da guerra "até à derrota definitiva no campo de batalha" dos russos, a verdade é que das suas principais e mais influentes potências, como a Alemanha, Itália e a França, começam a chegar sinais evidentes de impaciência para deixar prolongar este conflito que já está a gerar desemprego, inflação e protestos sociais politicamente insustentáveis.
E mesmo de Washington essa mudança de posicionamento é já clara, como ficou evidente quando Biden admitiu que os ucranianos podem ceder território para acabar com o conflito, apesar de ter sido este o país que mais investiu nesta guerra, perto de 50 mil milhões USD, em apoio financeiro e militar, notando-se igualmente um refluxo social deste "investimento" gigantesco dos EUA nesta guerra na Europa, especialmente em inflação e redução das perspectivas de crescimento, como já o disseram o FMI e a própria Reserva Federal...
O especialista militar da CNN Portugal, coronel Mendes Dias, explicava hoje que, face ao cenário existente, se os dois lados voltarem à mesa das negociações, é Moscovo que ali chega em vantagem devido aos territórios que tem vindo a conquistar, especialmente no Donbass, região composta pelas duas Repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk.
E isso, traduzido em números, como lembrou este especialista, dá que, antes da guerra, que começou a 24 de Fevereiro com o avanço das colunas russas, Moscovo tinha sob seu controlo, na Ucrânia, contando com a Crimeia, perto de 45 mil kms2 e hoje, 110 dias depois do início da invasão russa, esse domínio é já superior a 140 mil kms2, o que corresponde sensivelmente a uma vez e meia a dimensão geográfica de um país como Portugal.
E é perante este cenário que o secretário-geral da NATO, além de admitir que a paz virá com cedência de território por Kiev a Moscovo, vem dizer igualmente que a Aliança Atlântica tem agora como objectivo criar melhores condições para a Ucrânia quando o palco principal desta guerra passar para a mesa de negociações, o que passa por reduzir o espaço controlado pelos russos, empurrando-os o mais possível para junto das suas fronteiras reconhecidas internacionalmente, sem, no entanto, sugerir qualquer termo para um eventual acordo.
O fim desta guerra está próximo?, é a questão de fundo nesta crise no leste europeu, mas o que parece ser já razoável admitir é que os efeitos da guerra, sejam nas economias mundiais, a inflação galopante nos EIA e na Europa, os combustíveis a preços nunca vistos, o desemprego que sobe diariamente, a fome que alastra em África... parecem estar a impor-se como as "armas" que vão obrigar as partes a calar as... armas. E a Ucrânia acabará por ser obrigada pelos seus aliados da NATO a ceder...
Alguns exemplos da insustentabilidade da situação vêm de alguns dos países mais abastados da Europa.
O Governo alemão pediu para que as famílias criem uma reserva alimentar para pelo menos 10 dias, foi ainda oferecido um pacote de apoio social que inclui viagens nos transportes públicos com fortes descontos devido à crise social, em França as autoridades locais estão a distribuir pelas populações sanhas de apoio à compra de alimentos e na Polónia, os cidadãos foram autorizados a recolher madeira nas florestas públicas para conseguirem aquecer as suas casas... além de episódios cada vez mais comuns de protestos furiosos de classes profissionais como os camionistas que já não aguentam os preços dos combustíveis...
Isto, apesar de os analistas admitirem que as forças ucranianas estão a conseguir algum sucesso na recuperação de territórios aos russos, especialmente em Kherson, uma região essencial devidoà sua ligação ao Mar Negro.
Zelensky, sim hoje, amanhã, talvez...
Por seu lado, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que ouviu, há poucos dias, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, ironizar ao dizer que este já não manda em Kiev, e que se tem destacado por fazer discursos contraditórios nos seus frenéticos vídeos partilhados diariamente nas redes sociais, veio agora dizer que a unidade territorial do seu país é inegociável, embora também já tenha deixado claro que a paz pode exigir sacrifícios e entre esses a questão territorial é incontornável, até porque se sabe que o seu homólogo russo, Vladimir Putin, não vai aceitar outro modelo negocial que não seja essa cedência...
Zelensky tem ainda repetido a necessidade de se sentar à mesa com Putin para resolver este problema, sugerindo que essa é a única forma de dar passos concretos na busca pela paz, embora, sempre que dá esse passo, Mykhailo Podolyak, o seu principal assessor, vem, sem demora, corrigir as suas afirmações garantindo que em nenhuma circunstância a Ucrânia cederá territórios aos russos, tendo mesmo lembrado ao seu Chefe de Estado que este tem de cumprir a Constituição e esta proíbe liminarmente qualquer separação do todo nacional.
Isto, quando as forças russas e as milícias das duas repúblicas separatistas estão diariamente a somar territórios às suas conquistas, estando Lugansk praticamente toda tomada, excepto a pequena cidade de Severodonetsk, o principal foco nesta guerra, enquanto Donetsk, está igualmente a caminho de ter a totalidade do território nas mãos dos russos e dos seus aliados locais, sendo igualmente verdade que além dos territórios ocupados ou em disputa desde 2014 - Donbass e Crimeia -, também Zaporizhzhia e Kherson, duas regiões importantes no sul da Ucrânia, estão agora sob controlo russo.
Nestas regiões sob domínio russo, a moeda local foi substituída pelo rublo russo e os seus habitantes receberam documentos de identificação, passaportes, russos, para vincar de forma inequívoca que Moscovo já não vai abrir mão destes territórios conquistados pelas armas num eventual acordo negociado para acabar com a guerra, se se mantiver a actual correlação de forças, apesar do envio constante de milhões de toneladas de material militar sofisticado, especialmente artilharia de longo alcance, como os lança-foguetes múltiplos (MRLS), que os EUA e o Reino Unido anunciaram que já enviaram para as forças ucranianas.
Entretanto, na frente de batalha, as forças russas...
... estão praticamente a dominar por completo a cidade estratégica de Severodonetsk, o último reduto da resistência ucraniana na República Popular de Lugansk, cuja independência é apenas reconhecida por Moscovo, tal como a de Donetsk, no Donbass, leste ucraniano, com fronteira com a Rússia.
Estes avanços territoriais russos são já reconhecidos pelo Presidente ucraniano, que garante não ser ainda a derrota da resistência no Donbass mas admite que se trata de uma situação extremamente difícil.
E isso parece ser á evidente com a tomada desta cidade de Severrodonetsk que é o que sustem ainda menos de 5% do território de Lugansk por tomar pelas unidades de combate russas e das mílicias independentistas, o que, segundo a BBC, resultou do sucesso russo na penetração das linhas de defesa urbanas montadas pelas forças ucranianas.
O reforço da capacidade de combate de Moscovo
Sem que as autoridades militares russas o tenham desmentido, para a frente de combate, o Kremlin está a enviar largas dezenas de milhares de homens das unidades militares do centro e do oriente da Rússia, de forma a reforçar o poderio militar russo no Donbass, onde decorre aquela que os dois lados já admitiram que é a batalha decisiva, ou batalhas, desta guerra e que os especialistas miliares definem como sendo a expulsão das forças ucranianas das repúblicas independentistas de Donetsk e Lugansk, e a ligação terrestre entre o Donbass e a Península da Crimeia, o que daria a Moscovo o controlo sobre todo o Mar de Azov e uma boa parte do Mar Negro.
Segundo as informações disponíveis, e dependendo das fontes, do lado russo podem estar entre 120 e 160 mil militares em avanços lentos nas frentes de combate, com reforços permanentes vindo da Rússia, procurando, tanto de sul, como de Norte, avançar e cercar as entre 80 e 100 mil tropas ucranianas, que se concentram na frente do Donbass.
O foco das forças russas é não só expulsar os ucranianos das "suas" repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk) como garantir que cortam a capacidade de os aliados de Kiev conseguirem fazer chegar o material militar, desde os mísseis anti-aéreos e anti-carro, Javelin e Stinger, às viaturas blindadas enviadas pelos EUA e aliados ocidentais, para o que estão a empregar centenas de mísseis de longo, médio e curto alcance, mas com forte precisão, como os M-54 Kalibr, que estão a ser disparados dos navios estacionados no Mar Negro e da Crimeia, e os 9K-720 Iskander, de menor alcance mas mais manobráveis porque podem ser deslocados em viaturas de rodas nas imediações do campo de batalha.
Com este armamento sofisticado, os russos estão a visar vias férreas, pontes e aeródromos ou mesmo aeroportos, como sucedeu na passada semana, em Odessa, onde o aeroporto desta que é uma das maiores cidades do país, foi parcialmente destruído porque ali estava armazenada grande quantidade de equipamento militar enviado do exterior pelos países da NATO.
Já os ucranianos, sem capacidade de acção aérea, procuram, através dos meios sofisticados que estão a receber dos seus aliados, com realce para os mísseis antiaéreo e anticarro Stinger e Javelin, cuja eficácia tem forçado as colunas russas a refrear os avanços, e que podem ser o factor de equilíbrio neste conflito, não só atrasar o avanço russo para os seus objectivos como ganhar tempo de forma a desgastar as forças russas a ponto de conseguir que o Kremlin aceite negociar de forma mais vantajosa para Kiev.
Os ucranianos estão, porém, a ser fornecidos diariamente também por artilharia pesada e carros de combate que permitem às suas unidades maior resistência ao avanço russo e, por vezes, recuperar território que estava já nas mãos das forças de Moscovo.
Nos últimos dias, as unidades de combate ucranianas retomaram a cidade de Kahrkiv, a apenas 50 kms da Rússia, no norte da Ucrânia, chegando mesmo à fronteira do país vizinho. No entanto, esta reconquista ucraniana pode não ter grande valor militar porque as forças russas, segundo alguns analistas, só permaneciam na cidade como forma de fixar forças ucranianas mantendo-as afastadas do foco principal da guerra, que é a região do Donbass.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho mas sim a sua desmilitarização e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional, criticando fortemente o avanço desta organização de defesa para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar paara a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da
Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas der fora o sector energético, gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 4,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.
O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.