Quem assim respondeu ao anúncio da Secretária de Estado para a Defesa do Reino Unido, Annabel Goldie, que disse esta semana que, para além dos carros de combate pesados Chalenger-2, Londres vai fazer chegar à Ucrânia munições para artilharia revestidas a urânio empobrecido, foi o ministro dos Negócios Estrangeiros da federação Russa, Sergei Lavrov.

Numa declaração a um canal de TV estatal russo, o chefe da diplomacia do Kremlin, disse que com esse passo, que coloca o nuclear no conflito entre ucranianos e russos, Londres só pode estar a querer criar uma situação que conduzirá inevitavelmente à destruição completa da Ucrânia, porque as forças russas passam a ter toda a legitimidade para escalar esta guerra para o patamar nuclear.

"É claro que os ocidentais estão a perder o sentido de orientação ao avançar com este passo que terá, natural e legitimamente, uma resposta à altura", alertou Lavrov.

O mesmo, alias, tinha dito o Presidente Vladimir Putin, nas declarações conjuntas com Xi Jinping, no contexto da visita oficial de três dias do Presidente da China à Rússia, onde considerou como extremamente perigoso que tal passo venha a ser dado pelo Reino Unido, porque a Federação Russa "dará a resposta adequada" a tal temeridade.

O urânio empobrecido, que já foi, comprovadamente usado pelos norte-americanos na Sérvia, na década de 1990, estando devidamente registado que foram usadas mais de uma dezena de toneladas de urânio 238, a sua versão empobrecida, face ao enriquecido, o urânio 233 ou 235, de uso em armamento e nas centrais nucleares, por serem ambos físseis... existindo ainda hoje registo de consequências malignas nas populações que habitam as áreas mais afectadas, nomeadamente com elevadas taxas de alguns tipos de cancro com ligação a este material.

No Iraque também há notícias do seu uso pelos norte-americanos, embora ali sem provas concludentes de que tal tenha ocorrido.

O urânio 238 é um material que é feito dos restos do processo de enriquecimento do urânio para uso em armas nucleares ou centrais nucleares de produção de energia, denominado material físsil por ter um átomo que pode ser sujeito a fusão para fins de produção de energia para fins militares ou civis.

É menos radioactivo que a primeira filtragem mas permite produzir um revestimento de extrema dureza para as munições de artilharia que lhes dá maior capacidade de perfuração de bunkers e viaturas blindadas.

Para a saúde de humanos e animais tem consequências graves, embora bastante menos pesadas que o uso da sua versão enriquecida, sendo o perigo principal a sua inalação na forma de poeiras ou na absorção pela via das mãos ao tocarem em objectos contaminados, mas menos perigoso na sua movimentação nos solos após a explosão da munição que o integra.

Todavia, o uso deste tipo de material é sobejamente criticado por todos os organismos internacionais e os EUA, sempre o usaram, foram severamente acusados de uso indevido e ilegal.

Face ao possível envio agora por parte dos britânicos, a Rússia promete responder com uma escalada que, provavelmente, será através do uso de armas nucleares tácticas, que se distinguem das estratégicas pela limitada abrangência e de consequências restritas a uma pequena área, comummente pensadas para conter o avanço de unidades de infantaria no campo de batalha.

Mas este tipo de armamento, ideia para a qual a maior parte dos especialistas militares converge, conduz quase sempre a uma escalada que, neste contexto ucraniano, se os russos a elas recorressem, passaria por um maior empenho ocidental no conflito, podendo chegar ao uso de armas equivalentes, dando início a um ciclo infernal de resposta e contra-resposta que, no limite, poderá conduzir ao Armagedão nuclear.

E é por isso que o Governo russo diz que os britânicos não estão minimamente preocupados com as consequências deste passo para os ucranianos, porque só lhes interesse, podendo isso levar à destruição ou da Ucrânia, criar mais e mais desafios para Moscovo, sejam quais forem as consequências.

Moscovo diz mesmo que se somam provas inequívocas que os ocidentais não estão minimamente interessados em paz porque têm os ucranianos para usar como carne para canhão contra a Rússia.

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, reforçando a ideia de "total alheamento das possíveis consequências sobre os ucranianos", acusa Londres e Washington de "irresponsabilidade" que escondem na "impunidade" quando se trata de relações internacionais.

Sublinhando que este tipo de munições, não só tem mais poder de explosão e capacidade de penetração, como são altamente poluentes dos solos e dos cursos de água com radiação, afectando as populações actuais e as gerações vindouras, estando por detrás, como a Organização Mundial de Saúde admite, diversos casos anormais de doenças oncológicas e malformações em recém-nascidos onde já foram usadas, como a Sérvia (antiga Jugoslávia) e o Iraque.

O anúncio de tal possibilidade, que o Reino Unido não consideraria sem o consentimento dos Estados Unidos, que são quem lidera a frente ocidental anti-Rússia, com britânicos e polacos na segunda linha dessa liderança, foi feito pela secretária de Estado para a Defesa do Reino Unido, Annabel Goldie, quando se referia à entrega dos blindados.

A justificação de Goldie para Londres dar este passo é que este tipo de munições são muito mais eficazes contra os modernos carros de combate pesados.

Mas Moscovo, através de Maria Zakharova, veio já avisar Londres e Washington que as munições com urânio empobrecido estão categorizadas como armas de destruição massiva com componentes nucleares e o seu uso só pode ser compreendido neste contexto, anunciado durante a visita do Presidente chinês à Rússia, como um movimento que visa a "desestabilização da situação internacional".

EUA aceleram envio de M1 Abrams

Também esta semana ficou-se a saber que os Estados Unidos, anúncio feito durante a estadia do líder chinês em Moscovo, vão fazer chegar os seus carros de combate pesados, os M1 Abrams, à Ucrânia antes do calendário que estava previsto.

Estas viaturas, que deveriam chegar à Ucrânia apenas no final de 2023, deverão chegar a Kiev já este Verão, até Setembro, porque o prazo inicial pode não ser o mais adequado face às necessidades ucranianas no campo de batalha.

Porém, os norte-americanos, para acelerar a entrega, foram obrigados, segundo o porta-voz do Pentagono, Pat Ryder, a substituir os oferecidos e mais modernos M1 Abrams M1A2 pelos mais antiquados MiA1, porque isso permite agilizar e acelerar a entrega.

No entanto, como alguns analistas militares admitem, os EUA estavam claramente a protelar o envio destas viaturas modernas porque o risco destas caírem nas mãos dos russos, com toda a sua parafernália tecnológica a bordo, é muito grande e isso seria um revês inaceitável para o Pentagono.

A suspeita de que esse atraso tem sido artificialmente criado é alimentada pelo facto de que, como lembrou o major general Agostinho Costa, na CNN Portugal, os norte-americanos terem, já depois do anúncio da entrega dos 31 MI Abrams M1A1, feito girar uma brigada - que tem cerca de 40 destas viaturas - que estava estacionada na Polónia, no âmbito da NATO, e podiam deixar ali os blindados que a integravam, mas a opção foi fazê-los regressar aos EUA tendo chegado outros para os substituir.

A única explicação dada pelo Pentagono para esta substituição é que, ao baixar para uma versão mais antiquada, estes blindados chegam mais depressa ao campo de batalha, até finais de Setembro, quando, se fossem os mais modernos, isso só seria possível no final do ano

Com os 31 M1 Abrams norte-americanos, a Ucrânia vai receber nos próximos dias, semanas ou meses, cerca de 130 carros de combate pesados, incluindo ainda os alemães Leopard-2, que vão ser entregues por cerca de uma dezenas de aliados ocidentais, e os franceses Leclerc.

Além desta força blindada, alguns países, como a Polónia e a Eslováquia, já começaram a enviar para a Ucrânia aviões de guerra MIG-29, do tempo da antiga URSS, o que Moscovo também considera uma escalada no conflito com consequências imprevisíveis.

Com este avolumar de armamento enviado para a frente de batalha, com essa intenção, como admitem alguns analistas, os aliados ocidentais de Kiev procuram soterrar o plano de paz divulgado a 24 de Fevereiro pela China e que, agora, com a visita do Presidente Xi Jinping a Moscovo, Pequim procurava revitalizar, com o contributo claro do Kremlin, como o demonstra o facto de Vladimir Putin ter elogiado o documento e admitido que é uma boa base para iniciar o processo de paz.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.