Para se ter uma ideia do que representa este valor, que pode ainda aumentar nas próximas semanas, se, como se pode antecipar, os confrontos continuarem e crescerem de intensidade à medida que o Inverno avança e permite, com o solo congelado, maiores movimentações de unidades pesadas de blindadas no terreno, o Produto Interno Bruto (PIB) de um país como Espanha, uma das maiores economias europeias, é de 1,4 biliões de dólares (2021), enquanto o de Angola é de menos de 80 mil milhões e o de Portugal fica perto dos 250 mil milhões USD.

Segundo vários analistas, com um potencial de negócio de tal dimensão, abrangendo um vasto leque de sectores, desde logo a reconstrução das infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias, no imobiliário, na rede eléctrica, centrais de produção de energia, hospitais, escolas... começa a haver uma razão solidamente lucrativa para que aumente a pressão sobre as partes para que se sentem à mesa e apontem no caminho de um cessar-fogo.

Esse mesmo foco já está a ser avaliado pelas grandes potências europeias e pelos EUA, que é quem vai ter a maior fatia do bolo, como se viu pela reunião organizada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, em Novembro, com as grandes empresas do seu país, visando a elaboração de uma estratégia para ganharem terreno na corrida que vai ser visível quando as armas se calarem mas que já está há muito no terreno.

E, para animar ainda mais as poderosas empresas nestes sectores que vivem momentos menos viçosos na Europa, onde as oportunidades se têm desvanecido nas últimas décadas, sendo disso o melhor exemplo as construtoras, o primeiro-ministro ucraniano, Denis Shmygal, avançou esta semana que o seu Governo está a analisar co o Banco Mundial uma nova verificação da situação, podendo estes valores ser revistos em forte alta, tratando-se de uma situação onde se exigirá uma "reconstrução acelerada" e, por isso, maus custosa.

O governante ucraniano sublinhou ainda que estes valores estão diariamente a sofrer alterações porque os ataques russos de longo alcance se multiplicam semanalmente, como o prova o facto de a estimativa feita em finais de Junho de 2022 apontava para um valor de 350 mil milhões e hoje essa fasquia foi claramente mais que duplicada.

Isto, estas declarações de Shmygal, têm como referência o facto de os ataques russos com recurso a drones e a mísseis de longo alcance e precisão, serem, por ora, a aposta das chefias militares do Kremlin para vergar a Ucrânia, o que produz, pela sua essência explosiva e destruidora, um aumento das infra-estruturas para reconstruir após o fim do conflito.

Os avultados negócios forjados a partir do começo da guerra, com a venda de armamento pelos EUA, depois de a União Europeia e os aliados ocidentais mais distantes do conflito, como a Austrália ou o Japão, aumentarem muito a percentagem do PIB - até 2% - para gastos com a Defesa, e, no sector da energia, onde, também os Estados Unidos são quem mais lucra, com a substituição da Rússia enquanto maior fornecedor de gás e crude, poderia levar a um prolongamento artificial do conflito na Ucrânia, como muitos analistas já admitem, porque tem sido muito lucrativo.

A questão é que, ao mesmo tempo, é trágico, com os milhares de mortos de um e do outro lado das trincheiras, e civis, ou os milhões de desalojados internos e espalhados pela Europa ocidental, e o refluxo das sanções históricas impostas à Rússia nas sociedades europeias, a atravessar uma crise sem paralelo em décadas, começa a mostrar ser insustentável manter o troar dos canhões sem que isso tenha fortes consequências para os decisores políticos que se vão sujeitar a eleições.

Ora, é aqui que alguns analistas começam a entrever uma possibilidade para a paz, porque a reconstrução da Ucrânia permitirá, embora noutros sectores, manter a "correr o marfim", até porque, actualmente, a indústria da reconstrução está enleada no negócio global como o da construção civil, da saúde, da energia, ou mesmo da aviação, etc., compensando assim o arrefecimento do negócio do armamento, até porque as vendas são definidas por contratos de longo termo e esses já estão concretizados por esta altura.

O outro negócio possível com o fim das hostilidades é o do acesso ao dinheiro russo confiscado após o início da guerra, estando actualmente congelado nas contas dos bancos ocidentais mais de 300 mil milhões de dólares, verba que alguns governos ocidentais, tal como Kiev, dizem poder ser usado e aplicado na reconstrução da infra-estrutura ucraniana destruída pelos projecteis russos.

Segundo a Bloomberg, os 311 mil milhões USD congelados pela União Europeia e pelos países do G7, que pertencem ao Banco Central russo, a que se somam largas dezenas de milhares de milhões pertencentes a milionários russos (oligarcas) sancionados pelo ocidente, podem de facto ser usados nesse propósito, até porque os principais governos europeus, como o alemão, apesar de algumas reticências, já admitem fazer esse caminho, embora insistam que todas as questões legais devem ser consideradas antes de qualquer passo ser dado.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.